A Negrita

"OLHAR BRAGA" - Património local e escrita criativa

Estes trabalhos, integrados nas Jornadas Europeias do Património 2018 - "Partilhar Memórias", em parceria com a Câmara Municipal de Braga, encontram-se editados em Brochuras.


A Negrita

Um tesouro perdido no tempo

Andreia Oliveira
Beatriz Marques
Diana Machado

Afinal, ao contrário do que diz a sua biografia, Nogueira da Silva, um importante, abastado e conhecido membro da burguesia que viveu na cidade de Braga durante o século XX, teve filhos! A notícia foi divulgada na passada semana e surpreendeu os habitantes bracarenses, dado que estes sempre acreditaram que Nogueira da Silva nunca tinha sido pai, facto que foi sustentado com a doação que fez da sua residência à atual Universidade do Minho, pensando que não havia descendentes para a herdar. A verdade é que, misteriosamente, este importante senhor teria tido algumas relações amorosas confidenciais, das quais nasceram três filhas. Já adolescentes desvendaram este segredo de uma forma aliciante, com um toque de magia, aventura, surpresa e diversão, mas também com a ajuda do destino e da sorte. O modo como esta descoberta foi feita por estas jovens, que inicialmente também desconheciam esta realidade, bem como a razão pela qual nasceu uma forte união entre elas, é-nos contada já de seguida.

Tudo parecia normal. Logo ao nascer do brilho do sol, Miriam, uma rapariga de estatura baixa com cabelos loiros e tímida, mas inteligente e dedicada ao estudo, à leitura e à música, deslocava-se para a sua habitual aula de piano. A sonoridade deste instrumento costumava animá-la mesmo que estivesse a passar por momentos mais sombrios. No início, tinha sido difícil aprender a interagir com os outros alunos, mas a prática começou a atenuar esta adversidade e fez com que ela apreciasse cada vez mais estas aulas, pois sempre que se sentava ao pé do piano mais antigo (o seu preferido) e começava a tocar suaves melodias com as diferentes pecinhas brancas e pretas, viajava divertidamente através dos seus pensamentos. No mesmo dia, Malia, uma jovem ruiva e sardenta que gostava de andar sempre de cabelo preso, deslocava-se de comboio para mais uma aula de equitação. Como era uma pessoa boa a desvendar grandes enigmas, descontraída, alegre e, sobretudo, aventureira, nada lhe dava mais prazer do que sentir uma brisa fresca a atravessar o seu rosto enquanto cavalgava. Era uma sensação de liberdade inexplicável... Se ela pudesse, montava a cavalo o dia todo, mas as aulas de ciências a que tinha de assistir durante a tarde destruíam este desejo diariamente! Contrariamente a estas duas jovens, Melissa, a mais velha de todas, já tinha a sua vida completamente planeada. Sendo uma rapariga alta, forte, de cabelos encaracolados e, por outro lado, desconfiada, costumava prestar atenção a tudo e a todos, facto que a levou a enveredar pelos estudos em investigação criminal.

Seguindo as suas atividades rotineiras, estas três raparigas com personalidades bem diferentes, mal sabiam o que as esperava. Contudo, não faltava muito para descobrirem... Quando chegaram a casa, após mais um dia fatigante, depararam-se com algo peculiar que se encontrava no chão do hall de entrada - era uma carta sem remetente que apontava para um enderenço ao qual elas deveriam comparecer no dia subsequente. Receosas, mas ao mesmo tempo curiosas com esta situação, não hesitaram em cumprir o pedido expresso na carta. E assim foi. Como que por obra da sorte, no dia seguinte, apareceram naquele lugar exatamente à mesma hora e, como seria de esperar, imediatamente se questionaram acerca da identidade de cada uma, bem como do edifício que agora tinham à sua frente: o Museu Nogueira da Silva. Só havia pensamentos e questões no ar do género "Quem és tu?", "Porque é que alguém misterioso quis que viéssemos aqui ter?", "E como é que vamos entrar se nem sequer está nenhuma porta aberta neste museu ou alguém que nos possa receber?!"

Enquanto esperavam que algo mais acontecesse, Miriam, Malia e Melissa começaram a ficar cada vez mais confusas, já que havia muitas perguntas e poucas respostas. Contudo, depois de se terem apresentado umas às outras e de terem estabelecido alguma calma no decorrer daquela estranha situação, as coisas começaram a compor-se, dado que Malia, embora sem querer, descobriu uma forma de todas conseguirem entrar no museu. Essa descoberta foi feita enquanto ela apreciava a estátua de um cavalo montado por Nogueira da Silva que se encontrava no lado esquerdo do edifício. Com a sensação do toque das mãos suaves de Malia, o cavalo ganhou vida e, com voz grave, disse-lhes o seguinte: "O sapato metálico é a chave. Agora, um valor mais alto se alevanta!". Neste momento já nada as impressionava, nem mesmo animais falantes. "Ah! É com isto que temos de entrar!" - exclamou Miriam, apontando para a ferradura, após ter ouvido a voz rouca daquele cavalo.

E entraram. O ruído suave e misterioso provocado pela abertura da porta aumentou o nível de ansiedade interior das três raparigas. Afinal, estavam num local desconhecido e nunca antes frequentado por elas, sem saber o que deveriam fazer e até onde iriam chegar, embarcando numa aventura sem rumo conjugada com uma mistura de sentimentos e emoções incrível.

O espaço era magnífico. À esquerda da porta de entrada estava uma sala repleta de obras artísticas, predominando, em cada uma delas, cores e expressões diferentes. À frente, um corredor escuro que não parecia ter fim e, à direita, encontravam-se umas escadas de mármore tom de pérola e em forma de caracol onde brilhavam pequenos pigmentos, o que evidenciava o elevado valor da pedra de que eram feitas. A casa estava limpa e arejada - não havia teias nas paredes nem tão pouco pó nos móveis de decoração, facto que confirmava que, possivelmente, seria habitada por alguém. Todos estes elementos, até mesmo os mais irrelevantes captados pelos atenciosos olhos de Melissa, pareciam tornar aquele lugar cada vez mais único.

Mas, e agora? O que as esperava? Ao mesmo tempo que procuravam uma razão que explicasse a sua presença naquela casa esperavam, atenciosamente, um outro sinal que as guiasse. Foi então que repararam, por ventura, numa estátua junto às escadas, anteriormente passada despercebida. A mulher que retratava era formosa e esbelta, como tudo o que decorava aquele espaço.


Quando se aproximaram da obra de arte, esta rodou automaticamente como se tivesse detetado a sua proximidade, tal como os alarmes acionados num abrir e piscar de olhos com que Melissa estava habituada a lidar. Parecendo, por momentos, ter adquirido vida, apontou com a sua mão pálida para as escadas, dando-lhes a indicação de que tinham de subir. Os seus corações começaram, mais uma vez, a palpitar mais depressa e as pupilas dos seus olhos dilataram. No entanto, apesar de sentirem medo e receio de que alguma coisa de mal pudesse acontecer, em momento algum ponderaram ir embora. Sentiam que deviam estar ali. Que sensação estranha! Assim que acabaram de subir as brilhantes escadas entraram no enigmático segundo piso, onde descobriram tudo.

Dado que queriam conhecer todos os cantos daquela que seria a casa de Nogueira da Silva, começaram por deslocar-se para a divisão de que estavam mais próximas - o escritório, um espaço sinistro e sombrio. As paredes eram escuras e uma delas estava completamente tapada por uma estante repleta de livros. Ali, a única fonte de luz era um candeeiro que se encontrava numa grande secretária, situada no centro daquela divisão. Numa das três paredes livres estava fixado um quadro que lhes chamou à atenção. Era o retrato de um militar que parecia viver economicamente bem, ideia evidenciada não só pelo seu vestuário e modo de estar, mas também pelo que segurava com as suas mãos, grandes e firmes - dois grandes dentes de marfim, provavelmente adquiridos numa ida à caça. Ao atentar nos diversos pormenores do quadro, Miriam reparou que este estava acompanhado de uma descrição que ela leu em voz alta: Tudo vale a pena quando a alma não é pequena. Logo que se ouviu a frase na sua voz doce mas sonora, as paredes da casa repetiram as suas palavras num fenómeno de eco intenso.

No decorrer de toda esta situação, eis que algo surreal e extraordinário acontece, quebrando a análise que estava a fazer do quadro. Repentinamente, Nogueira da Silva, representado no quadro segurando os dentes de marfim, perdeu o controlo sobre eles e, como se tivessem ganho vida, alongaram-se para fora do quadro quase como se fossem os tentáculos de um polvo gigante que estaria prestes a aprisioná-las. Melissa, a mais velha e mais ponderada do trio, alertou-as para que fugissem rapidamente para outra divisão e assegurarem as suas vidas. Contudo, Malia, pondo em prática a sua coragem e força, tentou enfrentar os dentes de marfim, mas sem sucesso. A solução seria mesmo fugir. Ao fazerem-no, repararam que existia uma marca no chão do escritório, provavelmente originada pela queda do livro que faltava na prateleira de cima da estante. Deduziram que tinham que o recolocar no sítio e, abrindo as gavetas e revirando o escritório todo, descobriram que, na gaveta da secretária, se encontrava o livro-chave, que encaixaram na estante.

De repente, a parede começa a abrir, produzindo um ruído arrepiante e uma luz muito forte e branca obrigou-as a tapar os olhos. Passando para o outro lado estavam, agora, num corredor frio e escuro, avistando um pequeno ponto de luz no seu fim, tal como se fosse uma luz ao fundo do túnel. Estaria lá a resposta para a sua presença naquela na casa de Nogueira da Silva? Seguindo essa luz, depararam, ao fim de alguns minutos, com uma sala. Este seria talvez o espaço mais imponente que elas tinham visto naquela casa até ao momento - várias cadeiras, mobiliário antigo e aparentemente valioso e, ainda, uma harpa e um piano de cauda antigo.

Fascinadas pela imponência daquela acolhedora sala, decidiram descansar um pouco para recuperar o folgo após o susto aterrador que tinham acabado de experienciar. Mas esta sensação de repouso não durou muito. De repente, o piano que se encontrava no centro da majestosa sala começou a tocar. Felizmente Miriam, que prestava extrema atenção nas aulas de música e que sabia as melodias todas, reconheceu aquele doce som e associou-o rapidamente a uma composição intitulada "As flores do meu jardim", que tinha aprendido a tocar recentemente e cuja letra lhe indicou o destino para onde as três deveriam ir, que agora se tornava bem mais evidente - o jardim.

No entanto, pequenas questões se alevantavam entre as três jovens - "Onde será o jardim?", "Haverá uma porta para entrar?" - foi então que Melissa decidiu pôr à prova os seus dotes de investigadora e reparou que existia, por baixo de um grande cortinado, uma luz diferente daquela que iluminava a sala. Assim, afastou-o e deparou-se com uma enorme parede envidraçada na qual se erguia uma porta com passagem para o jardim, um lugar paradisíaco, repleto de flores de todas as cores e de estátuas que se impunham naquela linda paisagem. No centro encontrava-se uma arca dourada que lhes despertou a atenção. Dirigiram-se para junto dela e repararam que se encontrava fechada por um cadeado formado por um puzzle complexo, para o qual ficaram a olhar pensativas, até que Malia tomou a iniciativa e o conseguiu resolver. Com a expectativa de encontrarem algo de muito valioso, abriram-na sem hesitação, mas dentro dela havia apenas alguns queijos, tecidos, café e um velho e degradado manuscrito no qual constavam três diferentes moradas onde se deveriam deslocar à mesma hora do dia seguinte.

E assim, as três jovens descobriram o maior tesouro de todos: a família. Este é, portanto, o exemplo de como uma aventura inesperada conduzida pela ansiedade e a diversão conseguiu unir três jovens até então desconhecidas entre si!

Quando lá chegaram, olharam perplexas umas para as outras e foi então que descobriram um tesouro perdido no tempo - mas não um como os das histórias, filmes ou lendas; não era ouro ou qualquer pedra preciosa; não era uma grande descoberta arqueológica ou uma coleção de arte que já tinha sido esquecida, mas sim algo ainda melhor... Agora, elas sabiam que afinal eram netas de Nogueira da Silva, informação que lhes tinha sido transmitida na Queijaria Central, na retrosaria Pereira das Violas e na casa A Negrita, os locais indicados no manuscrito. Nogueira da Silva tinha sido cliente assíduo de todos estes estabelecimentos comerciais e, em cada um deles, havia funcionárias atraentes e preclaras... Como se tinha tornado amigo de cada uma delas e dos próprios proprietários das diferentes lojas, tinha-lhes confiado os segredos da sua vida, incluindo o que as três jovens tinham acabado de desvendar com a sua ajuda.

Esta ambígua notícia tinha abalado os corações das três jovens, mas ao mesmo tempo também os aquecia, pois entre elas havia nascido uma amizade confortante... Naquele momento, elas sentiam uma mistura de emoções contraditórias e inexplicáveis. Sem dúvida que era muita coisa para assimilar em tão pouco tempo, mas isso não era o mais importante. Agora, o que realmente interessava era elas terem descoberto o tesouro mais valioso que alguém lhes poderia oferecer: uma família adorável!

Um amor improvável

João Teles
Pedro Cunha
Pedro Vinhas

Num dia quente do verão de 1926, um jovem chamado António Nogueira da Silva estava na casa, em Braga, imóvel que tinha herdado e integrava a fortuna do pai. Era uma casa enorme, cheia de quartos, mobília cara e, o mais importante e maravilhoso, o jardim ao qual o pai dava o nome de "Jardim da Esperança" porque era ali que, muitas vezes, ficava longo tempo a pensar nos seus sonhos. Um desses sonhos era o de ter uma casa que oferecesse aos bracarenses a possibilidade de comprar bons cafés de várias partes do mundo. Um dia, estava Nogueira da Silva sentado na sua poltrona, baloiçando-se para a frente e para trás, quando, de repente, lhe surge uma ideia.

- Vou concretizar o sonho que o meu querido pai tinha de abrir uma casa de venda de café, disse para si mesmo.

Começou por visitar alguns lugares da cidade de Braga onde achava que o seu negócio poderia ter mais sucesso. Após uma longa e intensa procura, encontrou um pequeno espaço ideal para começar o negócio - era um espaço acolhedor e simples. Como precisava de um nome, Nogueira da Silva pediu ajuda ao seu fiel criado Adolfo:

- Adolfo, preciso da tua ajuda.

- Diga, Senhor Comendador.

- Que nome devo dar ao meu negócio?

- Sendo que a maior parte do café é oriundo de África, penso que lhe devia dar o nome de A Negrita, senhor.

E assim ficou. Começava ali um negócio que iria dar que falar não só na cidade de Braga, mas também por este Portugal fora e, quem sabe, chegar aos quatro cantos do mundo.

Em menos de dois dias a cidade inteira de Braga falava do novo negócio do importante e conhecido Nogueira da Silva.

Para que a qualidade do seu café fosse superior à dos outros, Nogueira da Silva decidiu partir em busca do melhor café. Já ouvira falar do mítico café da cidade de Moka produzido por portugueses lá emigrados. Após uma cansativa viagem até Moka, situada nas margens do Mar Vermelho, no Iémen, Nogueira da Silva pediu indicações de onde poderia encontrar os melhores produtores de café da região e disseram-lhe que o melhor produtor de café da cidade era o Sr. Ribeiro, um imigrante português. Depois de algumas horas de pesquisa nesta região completamente desconhecida, encontrou os campos de café que, supostamente, eram os melhores. Encontrou-se com o Sr. Ribeiro que o levou numa visita guiada pelas suas plantações de café; contudo, o que lhe chamou mais a atenção não foi o próprio café, mas sim uma jovem trabalhadora, formosa, com um sorriso encantador que o deixou sem palavras.

- Desculpe, Sr. Ribeiro, sabe-me dizer quem é aquela bela jovem que ali está?, perguntou Nogueira da Silva.

- Claro! Aquela jovem trabalha para mim; ela e toda a sua família são meus empregados.

- E como se chama? "

- Maria Eugenia é o seu nome.

Nogueira da Silva ficou tão encantado com ela que, depois de fechar negócio com o Sr. Ribeiro, foi tentar a sua sorte.

- Olá, o meu nome é António Nogueira da Silva; posso fazer-lhe uma pergunta, minha bela jovem?

Corada, ela respondeu:

- Sim, faça favor.

- O que faz uma tão bela rapariga como vós aqui a trabalhar nestes campos?

- Eu venho de uma família pobre e é assim que ganho dinheiro para manter a minha família... mas, por que pergunta?.

- Vim aqui fazer negócio com o Sr Ribeiro e não pude deixar de reparar na vossa rara beleza ... É estranho ver uma rapariga tão bonita como vós a trabalhar nos campos.

Ela ficou ainda mais corada e respondeu baixinho.

- O meu turno acabou, tenho que ir...- murmurou ela.

Nogueira da Silva, não acreditando no motivo, seguiu-a até uma casa em madeira, pequena, humilde e, aparentemente, pouco confortável. Já se fazia tarde e decidiu voltar para a casa onde iria estar hospedado durante cinco dias. Nessa mesma noite, Nogueira da Silva pediu ao seu mais fiel criado que preparasse umas prendas para dar à sua amada e, durante dias, deixou vários presentes em casa de Maria Eugénia. Uma dessas prendas ia acompanhada de um bilhete que continha um pequeno excerto de um poema de amor escrito por Camões, talvez o maior poeta português.

" Amor é fogo que arde sem se ver;

É ferida que dói e não se sente;

É um contentamento descontente;

É dor que desatina sem doer;

É querer estar preso por vontade; É servir a quem vence, o vencedor; É ter com quem nos mata lealdade." Vem ter comigo ao porto, perto de tua casa. Ass: Nogueira da Silva Maria Eugénia aceitou o seu pedido e durante quatro noites saiu de casa às escondidas e foi ter com Nogueira da Silva. Assim nasceu um amor improvável, que estava prestes a acabar pois chegara o último dia de Nogueira da Silva em Moka. Contudo, ele não estava disposto a perder o amor da sua vida e, por isso, foi até à casa de Maria Eugénia e disse-lhe: - Maria, vem comigo para Portugal. Lá, podemos viver juntos para sempre. Tenho uma casa que vais adorar com um lindo jardim que não te deixará ter saudades deste local. - Mas, o que vão pensar as pessoas se virem uma mulher do povo como eu com um homem da tua classe?- perguntou ela com lágrimas nos olhos. - Eu não quero saber do que as pessoas vão dizer ou do que elas vão pensar! A única pessoa com quem me importo neste momento és tu, não quero saber se o nosso amor vai causar comentários ou não! Vem comigo e eu prometo que te faço feliz!Maria Eugénia, comovida, desceu as escadas a correr e saltou para os braços de Nogueira da Silva. Partiram de imediato, apenas com a roupa que tinham no corpo.Já em Portugal, casaram. Nogueira da Silva tinha conseguido em Moka o melhor café para vender na casa A Negrita que viria a tornar-se uma das maiores casas de venda de café da cidade de Braga, uma casa simples onde os bracarenses iam comprar o melhor café; além disso, tinha concretizado o sonho do seu falecido pai e ainda tinha encontrado o amor da sua vida que aceitou viver consigo para toda a eternidade naquela casa, com aquele jardim magnífico. Nogueira da Silva tivera razão quando lhe falara do jardim: era, na verdade, um espaço magnífico onde os dois gostavam de se sentar ao entardecer e desfrutar do silêncio perfumado pela abundância de rosas. Depois de alimentar a esperança de Nogueira da Silva em concretizar o sonho de seu pai, o jardim passou a ser testemunha da sua felicidade ao lado de Maria Eugénia.

UM AMOR PROIBIDO, PENSAVA EU

Maria Inês
Mariana Ferrete
Teresa Veiga

Após 300 primaveras, sou hoje parte da madeira comum destinada a acender as vossas lareiras ao longo do inverno. E antes que caia no esquecimento das gerações antigas e nem venha sequer a ser conhecido pelos novos vou contar-vos uma das histórias que presenciei ao longo da minha vida.

Surgi do nada, sem saber como nem porquê, provavelmente por obra do vento cheguei até aqui, a um lugar lindo conhecido, antigamente, por Palácio dos Biscainhos. Posso dizer que, desde que me conheço, sempre fui um menino muito sociável e acariciado por toda a gente, tanto pelos humanos como pelos seres idênticos a mim, as outras árvores e plantas deste jardim maravilhoso: japoneiras, magnólias, castanheiros, buchos... Enquanto criança, fui tratado da melhor maneira possível, tive todos os cuidados que todos ainda na sua fase dependente precisam de ter. Acho que todos ficaram rendidos à beleza das minhas folhas e às minhas flores em forma de tulipa. Por isso, sou apelidado de Tulipeiro da Virgínia. Foi fácil habituar-me à ideia de que a minha vida seria aqui, não podia pedir um lar melhor e, acreditem, apesar da minha felicidade constante, questionei-me muitas vezes sobre o porquê de ter vindo aqui parar. Afinal de contas, nada tinha feito para isto.

Ao longo destes anos, presenciei momentos inesquecíveis como o nascimento dos filhos do Conde Meneses, Maria Angélica e João Maria, fruto do casamento com Teresa Teles e Meneses. Foram eles quem mais brincou na minha fresca sombra sem nunca me deixar cair na solidão. Não apenas eles, mas também a pequena Alice, cuja progenitora era empregada de cozinha no Palácio. Alice era uma menina de cabelos loiros, longos, com caracóis perfeitos e tinha olhos tão azuis como o céu limpo numa manhã de verão. Era uma menina muito especial não só pela sua beleza física, mas também pela sua beleza interior pois, acima de tudo, era humilde, trabalhadora e delicada. Infelizmente, teve de crescer cedo para poder ajudar a sua mãe que, por tristes razões, também fazia o papel de pai. O pai de Alice, um elemento da nobreza bracarense cuja identidade ela nunca revelou, não assumiu a sua responsabilidade e tinha-as abandonado e deixado à sua sorte porque não podia mostrar à sociedade que havia tido um filho com uma pobre camponesa. Para continuar a ter um teto para dormir e comida para sobreviver, Alice tinha, então, de ajudar a mãe no que ela precisasse e fazia-o com a maior perfeição e alegria, pensando ela, na sua inocência de criança, que um dia viria a ser tratada como as outras crianças que habitavam o Palácio dos Biscainhos. Porém, demorou anos para que isso acontecesse.

A rotina em casa foi sempre a mesma até ao dia 11 de junho de 1820. O dia começava de madrugada com o canto do galo, sendo as empregadas as primeiras a levantarem-se. A D. Maria era a responsável por ir buscar queijo à Queijaria Central para o pequeno-almoço. O senhor Mário, o proprietário, fazia sempre um preço especial (aqui só entre nós, acho que ele sentia algo pela Maria, mas a dúvida ficou sempre por esclarecer). A Queijaria Central era um lugar muito movimentado e muito conhecido pelos seus maravilhosos queijos caseiros, uma delícia! A D. Julieta estava encarregue de ir comprar o café à Casa Negrita, lugar de onde era impossível sair triste pois o senhor António animava toda a gente com as suas anedotas matinais enquanto a encomenda era preparada. Era um espaço amplo, acolhedor e tinha o melhor perfume da cidade: o aroma do café acabadinho de torrar! Ainda ao passar pala Mercearia Meira e Silva, na esquina da Rua dos Capelistas e do Campo da Vinha, a D. Julieta comprava o pão, frutos secos e as alheiras que o Sr. Conde não dispensava para começar o dia cheio de vitalidade. Com todos estes produtos comprados no comércio local, se fazia o pequeno-almoço e se enchia a enorme mesa das refeições do Palácio.

Depois do pequeno-almoço, Maria Angélica e o seu irmão mais velho, João Maria, iam para a escola, que era ainda uma novidade naqueles tempos. Enquanto isso, o Conde e a Condessa faziam a ronda ao palácio para verificar se todos os deveres estavam a ser realizados e, logo depois, partiam para os mais variados sítios das suas propriedades, orientando as diferentes atividades.

A vida no palácio sempre foi assim, apenas umas "guerras" de vez em quando, mas nada de extraordinário, até que no dia 11 de junho de 1820, Teresa Teles de Meneses, faleceu, aos 40 anos, devido a um vírus que terá apanhado numa das suas viagens a África. A partir deste dia tudo mudou, as crianças ficaram muito abatidas, como era de esperar, mas, ao longo do tempo, foram superando. Pior ficou o conde que não conseguiu lidar com a situação e acabou por cair numa grave depressão, pois o amor que sentia pela sua mulher era inexplicável.

Entre 1820 e 1822, os dias naquela casa foram vividos na maior angústia e tristeza. O conde não saía do quarto onde apenas entrava Camila, a mãe de Alice, empregada da cozinha, para lhe levar as refeições pedidas e as mezinhas para a sua recuperação. Aos poucos, a recuperação do Conde Meneses foi-se tornando visível e Camila passou a ser mais bem tratada. Frequentemente, passava por mim a cantarolar, mais alegre, parecia até uma jovem apaixonada!

Comecei a desconfiar ...

Passados uns tempos, a minha teoria comprovou-se. Camila estava mesmo apaixonada, mas era um amor que nunca seria aprovado, pensava eu, preocupado... O romance era com o Conde Meneses e eu sabia que Camila era correspondida, pois um tulipeiro do meu tamanho (cresci muito ao longo de 300 anos!) conseguia ver através daquela janela olhares meigos e gestos cúmplices que mais ninguém conseguia observar. Com o passar dos meses, o Conde já parecia outro, longe de depressões e outras doenças. Já comia à mesa junto da família e, num desses momentos, perante todo o palácio, assumiu a sua nova paixão.

Os seus familiares não reagiram bem, mas o Conde não deixou que nada afetasse aquela relação que todos se viram obrigados a respeitar e aceitar.

Camila deixou de ser uma simples empregada de cozinha e passou a ser a mulher mais importante daquele Palácio. Alice, como nos seus sonhos de criança, foi finalmente aceite pelo conde (claro, já tinham adivinhado, era ele o pai dela!) e, daí em diante, foi tratada como uma verdadeira princesa tal como os outros filhos.

No jardim do Palácio dos Biscainhos, mesmo junto do meu tronco e debaixo dos meus ramos protetores e cúmplices, houve o mais bonito e romântico pedido de casamento de Braga. Quase chorei! O Conde e Camila casaram seis meses depois.

As rotinas antigas voltaram e esta família ganhou uma nova mãe que se manteve humilde e carinhosa com todos na casa como quando era uma empregada sem esperança num futuro mais risonho.

Querem saber mais histórias? Venham daí, que eu, o Tulipeiro da Virgínia, conto!


Uma memória para ser relembrada


Izabela Conti
Letícia Azevedo
Tânia Dias


«Finalmente!» era a única coisa que eu conseguia pensar enquanto arrumava a minha mala para regressar a Portugal. As saudades que eu tinha da minha avó já me apertavam o peito, já não estava com ela desde a minha primeira viagem a Portugal. Apesar da idade, recordo-me de tudo como se fosse hoje, o cheiro floral das roupas que secavam perto do jardim de rosas, a melodia da caixa de música que tocava todos os dias a partir das 17h, enquanto tomávamos chá.

Com tanta ansiedade, nem consegui dormir. Sinto-me como uma criança que está a viajar de avião pela primeira vez, sentindo um misto de emoção, euforia e entusiasmo. Após uma noite em branco, cansada, acabei por adormecer, nem dei pelas horas a passar e, quando acordei, para minha surpresa, já estava em Portugal.

Que alegria! lá estava minha avó à minha espera, com aquele grande sorriso encantador, incomparável. Durante a viagem de regresso a casa da minha avó, aproveitei para contar algumas das aventuras no Brasil.

Chegamos. Que nostalgia, tudo continua como antes! Até mesmo os desenhos que eu pintava com a minha avó continuam na parede da entrada.

Ouvi passos a descer rapidamente a escada de mármore. Era Maria Eugénia, uma grande amiga da minha avó. Depois da morte do meu avô, a minha avó passou a morar na casa do comendador Nogueira da Silva, marido de Maria Eugénia, que também havia falecido. Assim, ambas evitavam a solidão da viuvez.

Devido à diferença do fuso horário e como já estava tarde aqui em Portugal, fui-me deitar ao som daquela melodia que a minha avó me costumava pôr para adormecer.

No dia seguinte, abri a janela do meu quarto e.... que maravilha!, que lindo estava o jardim, cheio de vida e cor, parecia um mar de rosas! Avistei minha avó e Maria Eugénia a conversarem, às gargalhadas e decidi descer as escadas marmorizadas e juntar-me a elas. Aproximei-me da mesa decorada com um belo tabuleiro com chávenas de prata. Enquanto tomava o pequeno-almoço, o meu olhar fixou-se no exterior, naquele lugar escondido que me parecia misterioso, com as paredes cheias de heras.

Após o almoço, fui dar uma volta para visitar o centro de Braga, para assim relembrar os velhos tempos de quando eu caminhava todos os dias com a minha avó.

Tudo mudou! Foi a primeira impressão que tive quando olhei ao meu redor e percebi que estava tudo diferente, muitas lojas mudaram de aspeto, outras mudaram de ramo e de proprietário. Apenas três lojas continuavam no mesmo lugar, nada nelas aparentemente mudara desde que viera a Portugal pela primeira vez. A Queijaria Central conservava a mesma montra onde os inúmeros queijos punham uma tonalidade amarelada, a Casa Pereira das Violas exibia vários artigos de retrosaria de diversas cores e a loja de café A Negrita marcava a sua presença emanando um intenso, mas agradável cheiro de café.

Decidi fazer uma breve visita a essas lojas e relembrar os velhos tempos. A minha primeira paragem foi a Queijaria Central. Entrei e decidi explorar o local como fazia quando era criança. Que surpresa! haviam mudado o interior, as paredes estavam cheias de painéis de azulejos representando locais emblemáticos de Braga, o que fez com que a loja parecesse maior, com mais vida. Mas, apesar de o local ter tantos anos e passar de geração em geração, continuava tradicional na qualidade e acolhedor no tratamento. Aproveitei para comer o queijo que eu tanto adorava em criança e depois agradeci ao proprietário pela hospitalidade e segui para a Casa Pereira das Violas.

Reencontrei Carlos Pereira, um grande amigo de infância da minha avó, que hoje é o proprietário da loja. Para meu espanto, disse-me que a casa havia completado 100 anos havia pouco tempo, no dia 3 de janeiro de 2018. A loja permanecia recheada de lãs de várias cores, novelos de linha, fitas, rendas o que lhe conferia um carácter de vitalidade. Aproveitei para conversar com o Sr. Carlos, que é um bom contador de histórias, que acabou por narrar uma aventura com a minha avó. Nessa aventura, ele mencionou que Lena ( a minha avó) e ele tinham por hábito ajudar o pai do Carlos na loja e, em determinados dias, colaboravam também com ele, fazendo solidariedade. Davam, então, a parte interna do pão, o «violo», aos mais necessitados. Com o tempo, a palavra alterou-se e, atualmente, diz-se "miolo". Será essa a origem do nome da loja.

Adorei conhecer a origem do nome da Casa Pereira das Violas, e saber um pouco mais sobre as peripécias da juventude da minha avó e de Carlos Pereira.

Após este bom momento de convívio, dirigi-me à loja A Negrita, uma loja de comércio tradicional que vende café de vários países desde S.Tomé ao Brasil e à Colômbia. Senti-me atraída pelo intenso cheiro a café e perguntei de onde provinha aquele aroma. O proprietário mostrou-se disponível para me acompanhar numa visita guiada ao armazém. No armazém, o cheiro a café era ainda deliciosamente mais intenso. Com toda a amabilidade possível, demonstrou-me como se moía o café e com que critérios se faziam as misturas. Foi então que me lembrei da minha avó e comentei que ela era uma grande amante de café. O senhor acabou por me oferecer umas amostras de café brasileiro para degustar com minha avó num belo fim de tarde.

De repente, olhei para o meu relógio e vi que já era bastante tarde. O tempo tinha passado a voar, despedi-me do proprietário e agradeci-lhe pela gentileza de me mostrar a loja. A caminho do lugar a que chamo casa, fui percebendo como tinha sido reconfortante recordar o que vivenciei quando era pequena. Tinha sido uma tarde de muitas emoções.

Cheguei a casa ao anoitecer, a minha avó estava a tocar harpa na sala e resolvi preparar-lhe o café que tinha trazido da loja. A melodia guiou-me ao seu encontro. Quando cheguei perto dela, fui surpreendida pela harmonia da mistura de sensações que era ouvir a música que ela tocava e observar a imensa beleza do jardim iluminado, visível através da grande parede envidraçada. Não podia estar mais maravilhada, o momento era único: a serena beleza do jardim, o som da harpa e o gosto do café brasileiro.

Espero voltar brevemente a Portugal, criar novas memórias e trazer a minha família ao lugar que me cativa cada vez mais.

O Legado

Pedro Coelho
Lucas Bacellar
José Pedro Viega

Era uma vez um menino chamado José Pedro. Tinha 8 anos e uma enorme paixão pelo estabelecimento do seu avô que era conhecido como A Negrita.

O seu avô, António Joaquim, tinha fundado a casa em 1948, fazendo com que o negócio se tornasse célebre e conceituado na cidade de Braga e procurado por muitos clientes de diversos pontos da cidade e do país. José Pedro tinha por hábito passar as férias no estabelecimento do avô, já que os pais passavam os dias a trabalhar. Ele ajudava o avô em todas as tarefas, mas, especialmente, na caixa registadora para receber o pagamento dos clientes. Assim, o menino José praticava matemática e recebia como recompensa do avô um rebuçado de café.

O estabelecimento era bastante pequeno, porém acolhedor para os clientes que elogiavam muito o ambiente familiar e alegre daquela casa e dos seus funcionários, incluindo José Pedro. Na pequena montra, José e o avô colocavam sacos e embalagens dos vários tipos de café para que os bracarenses pudessem apreciar os produtos à venda. Para moer os grãos de café, era utilizado o moinho, mas antes de ser moído e disponibilizado para venda, era colocado numa espécie de armazém onde existiam vários sacos enormes com grãos de café. Era aí que José gostava de passar a maior parte do tempo, a brincar, quando não tinha que ajudar o avô, mas a verdade é que passava muito desse tempo a fazer asneiras em cima dos sacos. Um dia, não reparou que um dos sacos estava já aberto e, ao tentar pôr-se em cima dele, acabou por derrubar uma grande quantidade do café que o avô tinha recebido nesse mesmo dia. O rapaz ainda tentou esconder o sucedido só que foi apenas uma questão de tempo até o avô reparar no saco de café entornado. Ao deparar-se com aquela quantidade de café espalhado no chão, ficou muito zangado com o neto, levando-o de castigo para casa dos pais.

Os pais de José não estavam a passar pela melhor situação financeira. Aliás, a situação estava bastante crítica e emigrar começava a parecer-lhes a melhor opção. O facto é que trabalhavam o dia todo, mal descansavam, mas, mesmo assim, era muito difícil manter a casa e comprar mantimentos para poderem viver com alguma qualidade de vida. José, ainda inocente, não se apercebia daquilo que se estava a passar e, para ele, tudo estava bem desde que estivesse com o avô ou os amigos da escola.

Numa tarde, aproveitando o facto de o José estar a jogar à bola com os amigos, os pais tiveram uma longa e séria conversa e acabaram por tomar uma decisão muito difícil: iam mesmo emigrar para França. Só faltava avisar o filho e a família. Nesse mesmo dia, falaram com o José sobre a decisão que tinham tomado e, devido à ingenuidade própria da idade, ele não percebeu muito bem de que é que os pais falavam. Achou que falavam sobre uma viagem que aconteceria dentro de pouco tempo, que seria naturalmente breve, de ida e volta. Mas, na realidade, iria ser uma viagem sem regresso marcado.

A família despediu-se do avô n'A Negrita. Todos estavam profundamente tristes, exceto o menino que não compreendia o porquê de tanta mágoa; muito inocentemente, até achava divertido ir fazer uma viagem. Antes de irem embora, o avô, muito pesaroso, deu um grande abraço ao neto e ofereceu-lhe um pacote daqueles rebuçados de café que lhe dava sempre que o menino o ajudava.

Já a viver em território gaulês, o José Pedro teve várias dificuldades de adaptação, demorou muito a fazer amigos e a aprender a língua francesa para comunicar com as outras pessoas, mas a verdade é que, apesar das dificuldades de adaptação, o nível de vida da família melhorou muito. Tanto a mãe como o pai arranjaram um bom emprego e recebiam salários que lhes permitiam levar uma vida melhor do que a que tinham em Portugal. Os anos foram passando e o José já se tinha habituado a tudo de bom que aquele país lhe proporcionara, menos a um pormenor ... sentia a falta do seu avô!

Vinte anos depois da ida para França, a família recebeu a triste notícia de que o avô havia falecido aos 82 anos, após um enfarte do miocárdio. A notícia deixou José Pedro muito abalado e preocupado com o facto de o estabelecimento do avô poder vir a fechar. Por isso e apesar de ter um bom emprego, decidiu voltar para Portugal para reerguer o negócio. Toda a família viajou também para assistir ao funeral do avô. Depois da cerimónia fúnebre, decidiram ir à "A Negrita". Foi um regresso emocionante, sobretudo para o José que passara lá grande parte do seu tempo de férias com o seu querido avô... aquele pequeno estabelecimento, os moinhos para moer o café, o aroma que pairava no ar, o armazém com os enormes sacos fizeram com que José tivesse uma sensação de nostalgia nunca antes sentida. Com o falecimento do avô, José sentiu que tinha que ser ele a dar continuidade ao legado do avô. Soube depois que havia mais dois indivíduos que já tinham manifestado o seu interesse. Um chamava-se Pedro e o outro Lucas.

Pedro era um homem bastante alto, natural de Braga, logo já devia conhecer o espaço e, calculando o lucro que lhe poderia trazer, ficou interessado em comprá-lo. Lucas, pelo contrário, nem era português; era brasileiro, tinha-se mudado para Portugal há cerca de um mês e já tinha visitado várias localidades. Em Braga, A Negrita interessou-lhe bastante. Quando teve conhecimento da existência de potenciais interessados no negócio do avô, José questionou-se: "E se nos juntássemos os três?". Contactou o Pedro e o Lucas, marcaram uma reunião na qual lhes fez uma proposta de sociedade que os dois aceitaram. José Pedro era o homem mais feliz do mundo naquele momento. Ele tina a certeza de que o seu avô, onde quer que estivesse, iria orgulhar-se dele.

Firmada a sociedade, decidiram começar por aumentar o espaço - um negócio tão célebre e conceituado tinha que ter maiores dimensões; além disso, compraram mais moinhos, contrataram mais funcionários, dando assim emprego a pessoas que estavam a passar por dificuldades, e acrescentaram um produto novo para venda ao público. Sabem qual foi? Os rebuçados de café que o José recebia sempre que ajudava o avô.

Havia ainda algo que o José queria fazer e com o qual os seus novos sócios concordaram inteiramente: para homenagear o avô, José colocou um grande retrato dele mesmo no centro da parede do estabelecimento. Aquele negócio, tão apreciado pelos bracarenses, era, sem dúvida, obra do grande António Joaquim, o homem que o fundara há tantos anos atrás.

Os anos passaram, mas o local não perdeu a simplicidade nem a afetuosidade para com os seus clientes que manifestavam também a sua simpatia a todos os sócios. Novos clientes continuavam a aparecer e José enchia-se de orgulho por ter conseguido dar continuidade àquilo que o avô começara. Ele sabia que, onde quer que estivesse, o avô era, de todos, o mais orgulhoso!


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