Queijaria Central

"OLHAR BRAGA" - Património local e escrita criativa

Estes trabalhos, integrados nas Jornadas Europeias do Património 2018 - "Partilhar Memórias", em parceria com a Câmara Municipal de Braga, encontram-se editados em Brochuras.

''O dia em que o conheci''
19 de maio de 1930

Paula Rodrigues 
 Tatiana Silva

Querido diário,

Ali está ele, pensando sabe-se lá em quê, ao mesmo tempo que dedilha as teclas daquele piano de uma forma extraordinária, neste salão sumptuoso. Toca muitas vezes a mesma melodia, de tal forma encantadora que não me canso de a ouvir. A harmonia perfeita entra a música e a vista deslumbrante para o jardim faz-me pensar e voltar atrás uma data de anos, ao dia em que o conheci.

A ida à Queijaria Central era quase uma rotina, e ainda bem. Pensava eu que era mais uma ida normal ao local do costume, mas enganei-me totalmente. Estava sentada na mesa do fundo, e eu, que não acreditava em amor à primeira vista, vi-o entrar e por algum motivo, sorri. A elegância única, a postura refinada, o olhar cativante chamaram-me tão intensamente à atenção que, se bem me lembro, tudo à minha volta parou momentaneamente. Estava tão focada e atraída que nem reparei que o Sr. José, dono da queijaria, estava ao meu lado:

- Dona Eugénia? ...

- Sim, Sr. José. Peço desculpa, estava distraída.

- Já vi que sim. Então a que se deve a sua distração?

- Nada de especial, coisas minhas...

''Nada de especial'', dizia eu com ar indiferente, mas era uma agitação interior mais que especial, estava, inquietamente, tentando demonstrar a maior normalidade e subtileza possíveis.

- Dona Eugénia, tenho 57 anos, já vi esses olhares muitas vezes. Digo-lhe já que se o que lhe vai na cabeça neste momento correr bem daqui para a frente, pode considerar-se uma mulher cheia de sorte! Este homem vale ouro!

E tinha razão. Ainda sem o nome dele saber, já sabia que o amava. Ele sentou-se, numa mesa perto da minha e ouvi uma voz encantadora perguntar:

- Vem cá muitas vezes?

Naquele instante olhei, parei, pensei e senti que aquilo era bom demais para ser verdade.

- Quase todos os dias. E o senhor? Nunca o vi por cá.

- Conheço muito bem o dono, ele até faz entregas em minha casa, por isso é que não venho muitas vezes, mas já vi que vale a pena.

- Já soube que Sr. José o conhece muito bem, falou-me muito bem de si.

- António, trate-me por António. E porque motivo fui eu assunto da vossa conversa?! - perguntou com enorme à vontade.

Ele levantou-se, veio na minha direção e sentou-se na cadeira ao lado. Eu não conseguia responder, procurando uma razão que não denunciasse o que estava a sentir.

_ Então? Por que motivo, senhora...? - insistiu ele.

- Eugénia... Maria Eugénia.

Disse-o com uma rapidez imensa, na esperança que ele não perguntasse novamente a razão pela qual já teria ouvido falar dele. Senti-me corar, tentei disfarçar um pouco o rubor e, pondo-me a olhar para a chávena, disse:

- Bonita chávena!

Com um ar descaradíssimo de gozo, retorquiu:

- Mas vai responder á minha pergunta, ou vou ter que vir cá amanhã?

-Assim como uma bonita chávena de chá me chamou à atenção, um homem bonito também pode chamar... -atrevi-me a responder.

Passados tantos anos ainda não sei como arranjei coragem para fazer uma afirmação tão franca.

Ficamos horas a conversar. Lembro-me nitidamente que ele não queria deixar-me ir embora de jeito nenhum, até veio comigo ao Pereira das Violas comprar linhas para uma toalha que andava a bordar. Acompanhou-se até casa, despedimo-nos de uma forma normalíssima, parecia que já nos conhecíamos há décadas.

Desde aí, a Queijaria Central nunca mais precisou de fazer a entrega do queijo que ele tanto apreciava e dos frutos secos em sua casa, pois ele fazia questão de ir lá pessoalmente... felizmente!

Depois veio o namoro e, passado não muito tempo, o casamento. Tive e tenho orgulho do apelido ''Nogueira da Silva'' fazer parte do meu nome. Foi, sem dúvida, a melhor decisão que tomamos. Poder acordar e olhar para ele todos os dias, poder dizer que o amo vezes sem conta, é do mais maravilhoso que a vida pode dar a alguém. Dizer com gratidão ''amo-te'' a alguém é mágico, pois são poucas as pessoas a quem o podemos dizer. É uma palavra pequena, mas de enorme significado, por isso é que a devemos usar somente com as pessoas certas, e eu acertei em cheio.

E continuo aqui sentada a apreciá-lo, somente à espera que termine de tocar a música que tanto nos une e lhe possa dizer, mais uma vez, que continuo a amá-lo como da primeira vez que o vi.

Maria Eugénia

UM AMOR PROIBIDO, PENSAVA EU

Maria Inês
Mariana Ferrete 
Teresa Veiga

Após 300 primaveras, sou hoje parte da madeira comum destinada a acender as vossas lareiras ao longo do inverno. E antes que caia no esquecimento das gerações antigas e nem venha sequer a ser conhecido pelos novos vou contar-vos uma das histórias que presenciei ao longo da minha vida.

Surgi do nada, sem saber como nem porquê, provavelmente por obra do vento cheguei até aqui, a um lugar lindo conhecido, antigamente, por Palácio dos Biscainhos. Posso dizer que, desde que me conheço, sempre fui um menino muito sociável e acariciado por toda a gente, tanto pelos humanos como pelos seres idênticos a mim, as outras árvores e plantas deste jardim maravilhoso: japoneiras, magnólias, castanheiros, buchos... Enquanto criança, fui tratado da melhor maneira possível, tive todos os cuidados que todos ainda na sua fase dependente precisam de ter. Acho que todos ficaram rendidos à beleza das minhas folhas e às minhas flores em forma de tulipa. Por isso, sou apelidado de Tulipeiro da Virgínia. Foi fácil habituar-me à ideia de que a minha vida seria aqui, não podia pedir um lar melhor e, acreditem, apesar da minha felicidade constante, questionei-me muitas vezes sobre o porquê de ter vindo aqui parar. Afinal de contas, nada tinha feito para isto.

Ao longo destes anos, presenciei momentos inesquecíveis como o nascimento dos filhos do Conde Meneses, Maria Angélica e João Maria, fruto do casamento com Teresa Teles e Meneses. Foram eles quem mais brincou na minha fresca sombra sem nunca me deixar cair na solidão. Não apenas eles, mas também a pequena Alice, cuja progenitora era empregada de cozinha no Palácio. Alice era uma menina de cabelos loiros, longos, com caracóis perfeitos e tinha olhos tão azuis como o céu limpo numa manhã de verão. Era uma menina muito especial não só pela sua beleza física, mas também pela sua beleza interior pois, acima de tudo, era humilde, trabalhadora e delicada. Infelizmente, teve de crescer cedo para poder ajudar a sua mãe que, por tristes razões, também fazia o papel de pai. O pai de Alice, um elemento da nobreza bracarense cuja identidade ela nunca revelou, não assumiu a sua responsabilidade e tinha-as abandonado e deixado à sua sorte porque não podia mostrar à sociedade que havia tido um filho com uma pobre camponesa. Para continuar a ter um teto para dormir e comida para sobreviver, Alice tinha, então, de ajudar a mãe no que ela precisasse e fazia-o com a maior perfeição e alegria, pensando ela, na sua inocência de criança, que um dia viria a ser tratada como as outras crianças que habitavam o Palácio dos Biscainhos. Porém, demorou anos para que isso acontecesse.

A rotina em casa foi sempre a mesma até ao dia 11 de junho de 1820. O dia começava de madrugada com o canto do galo, sendo as empregadas as primeiras a levantarem-se. A D. Maria era a responsável por ir buscar queijo à Queijaria Central para o pequeno-almoço. O senhor Mário, o proprietário, fazia sempre um preço especial (aqui só entre nós, acho que ele sentia algo pela Maria, mas a dúvida ficou sempre por esclarecer). A Queijaria Central era um lugar muito movimentado e muito conhecido pelos seus maravilhosos queijos caseiros, uma delícia! A D. Julieta estava encarregue de ir comprar o café à Casa Negrita, lugar de onde era impossível sair triste pois o senhor António animava toda a gente com as suas anedotas matinais enquanto a encomenda era preparada. Era um espaço amplo, acolhedor e tinha o melhor perfume da cidade: o aroma do café acabadinho de torrar! Ainda ao passar pala Mercearia Meira e Silva, na esquina da Rua dos Capelistas e do Campo da Vinha, a D. Julieta comprava o pão, frutos secos e as alheiras que o Sr. Conde não dispensava para começar o dia cheio de vitalidade. Com todos estes produtos comprados no comércio local, se fazia o pequeno-almoço e se enchia a enorme mesa das refeições do Palácio.

Depois do pequeno-almoço, Maria Angélica e o seu irmão mais velho, João Maria, iam para a escola, que era ainda uma novidade naqueles tempos. Enquanto isso, o Conde e a Condessa faziam a ronda ao palácio para verificar se todos os deveres estavam a ser realizados e, logo depois, partiam para os mais variados sítios das suas propriedades, orientando as diferentes atividades.

A vida no palácio sempre foi assim, apenas umas "guerras" de vez em quando, mas nada de extraordinário, até que no dia 11 de junho de 1820, Teresa Teles de Meneses, faleceu, aos 40 anos, devido a um vírus que terá apanhado numa das suas viagens a África. A partir deste dia tudo mudou, as crianças ficaram muito abatidas, como era de esperar, mas, ao longo do tempo, foram superando. Pior ficou o conde que não conseguiu lidar com a situação e acabou por cair numa grave depressão, pois o amor que sentia pela sua mulher era inexplicável.

Entre 1820 e 1822, os dias naquela casa foram vividos na maior angústia e tristeza. O conde não saía do quarto onde apenas entrava Camila, a mãe de Alice, empregada da cozinha, para lhe levar as refeições pedidas e as mezinhas para a sua recuperação. Aos poucos, a recuperação do Conde Meneses foi-se tornando visível e Camila passou a ser mais bem tratada. Frequentemente, passava por mim a cantarolar, mais alegre, parecia até uma jovem apaixonada!

Comecei a desconfiar ...

Passados uns tempos, a minha teoria comprovou-se. Camila estava mesmo apaixonada, mas era um amor que nunca seria aprovado, pensava eu, preocupado... O romance era com o Conde Meneses e eu sabia que Camila era correspondida, pois um tulipeiro do meu tamanho (cresci muito ao longo de 300 anos!) conseguia ver através daquela janela olhares meigos e gestos cúmplices que mais ninguém conseguia observar. Com o passar dos meses, o Conde já parecia outro, longe de depressões e outras doenças. Já comia à mesa junto da família e, num desses momentos, perante todo o palácio, assumiu a sua nova paixão.

Os seus familiares não reagiram bem, mas o Conde não deixou que nada afetasse aquela relação que todos se viram obrigados a respeitar e aceitar.

Camila deixou de ser uma simples empregada de cozinha e passou a ser a mulher mais importante daquele Palácio. Alice, como nos seus sonhos de criança, foi finalmente aceite pelo conde (claro, já tinham adivinhado, era ele o pai dela!) e, daí em diante, foi tratada como uma verdadeira princesa tal como os outros filhos.

No jardim do Palácio dos Biscainhos, mesmo junto do meu tronco e debaixo dos meus ramos protetores e cúmplices, houve o mais bonito e romântico pedido de casamento de Braga. Quase chorei! O Conde e Camila casaram seis meses depois.

As rotinas antigas voltaram e esta família ganhou uma nova mãe que se manteve humilde e carinhosa com todos na casa como quando era uma empregada sem esperança num futuro mais risonho.

Querem saber mais histórias? Venham daí, que eu, o Tulipeiro da Virgínia, conto!

Um tesouro perdido no tempo

Andreia Oliveira
Beatriz Marques
Diana Machado

Afinal, ao contrário do que diz a sua biografia, Nogueira da Silva, um importante, abastado e conhecido membro da burguesia que viveu na cidade de Braga durante o século XX, teve filhos! A notícia foi divulgada na passada semana e surpreendeu os habitantes bracarenses, dado que estes sempre acreditaram que Nogueira da Silva nunca tinha sido pai, facto que foi sustentado com a doação que fez da sua residência à atual Universidade do Minho, pensando que não havia descendentes para a herdar. A verdade é que, misteriosamente, este importante senhor teria tido algumas relações amorosas confidenciais, das quais nasceram três filhas. Já adolescentes desvendaram este segredo de uma forma aliciante, com um toque de magia, aventura, surpresa e diversão, mas também com a ajuda do destino e da sorte. O modo como esta descoberta foi feita por estas jovens, que inicialmente também desconheciam esta realidade, bem como a razão pela qual nasceu uma forte união entre elas, é-nos contada já de seguida.

Tudo parecia normal. Logo ao nascer do brilho do sol, Miriam, uma rapariga de estatura baixa com cabelos loiros e tímida, mas inteligente e dedicada ao estudo, à leitura e à música, deslocava-se para a sua habitual aula de piano. A sonoridade deste instrumento costumava animá-la mesmo que estivesse a passar por momentos mais sombrios. No início, tinha sido difícil aprender a interagir com os outros alunos, mas a prática começou a atenuar esta adversidade e fez com que ela apreciasse cada vez mais estas aulas, pois sempre que se sentava ao pé do piano mais antigo (o seu preferido) e começava a tocar suaves melodias com as diferentes pecinhas brancas e pretas, viajava divertidamente através dos seus pensamentos. No mesmo dia, Malia, uma jovem ruiva e sardenta que gostava de andar sempre de cabelo preso, deslocava-se de comboio para mais uma aula de equitação. Como era uma pessoa boa a desvendar grandes enigmas, descontraída, alegre e, sobretudo, aventureira, nada lhe dava mais prazer do que sentir uma brisa fresca a atravessar o seu rosto enquanto cavalgava. Era uma sensação de liberdade inexplicável... Se ela pudesse, montava a cavalo o dia todo, mas as aulas de ciências a que tinha de assistir durante a tarde destruíam este desejo diariamente! Contrariamente a estas duas jovens, Melissa, a mais velha de todas, já tinha a sua vida completamente planeada. Sendo uma rapariga alta, forte, de cabelos encaracolados e, por outro lado, desconfiada, costumava prestar atenção a tudo e a todos, facto que a levou a enveredar pelos estudos em investigação criminal.

Seguindo as suas atividades rotineiras, estas três raparigas com personalidades bem diferentes, mal sabiam o que as esperava. Contudo, não faltava muito para descobrirem... Quando chegaram a casa, após mais um dia fatigante, depararam-se com algo peculiar que se encontrava no chão do hall de entrada - era uma carta sem remetente que apontava para um enderenço ao qual elas deveriam comparecer no dia subsequente. Receosas, mas ao mesmo tempo curiosas com esta situação, não hesitaram em cumprir o pedido expresso na carta. E assim foi. Como que por obra da sorte, no dia seguinte, apareceram naquele lugar exatamente à mesma hora e, como seria de esperar, imediatamente se questionaram acerca da identidade de cada uma, bem como do edifício que agora tinham à sua frente: o Museu Nogueira da Silva. Só havia pensamentos e questões no ar do género "Quem és tu?", "Porque é que alguém misterioso quis que viéssemos aqui ter?", "E como é que vamos entrar se nem sequer está nenhuma porta aberta neste museu ou alguém que nos possa receber?!"

Enquanto esperavam que algo mais acontecesse, Miriam, Malia e Melissa começaram a ficar cada vez mais confusas, já que havia muitas perguntas e poucas respostas. Contudo, depois de se terem apresentado umas às outras e de terem estabelecido alguma calma no decorrer daquela estranha situação, as coisas começaram a compor-se, dado que Malia, embora sem querer, descobriu uma forma de todas conseguirem entrar no museu. Essa descoberta foi feita enquanto ela apreciava a estátua de um cavalo montado por Nogueira da Silva que se encontrava no lado esquerdo do edifício. Com a sensação do toque das mãos suaves de Malia, o cavalo ganhou vida e, com voz grave, disse-lhes o seguinte: "O sapato metálico é a chave. Agora, um valor mais alto se alevanta!". Neste momento já nada as impressionava, nem mesmo animais falantes. "Ah! É com isto que temos de entrar!" - exclamou Miriam, apontando para a ferradura, após ter ouvido a voz rouca daquele cavalo.

E entraram. O ruído suave e misterioso provocado pela abertura da porta aumentou o nível de ansiedade interior das três raparigas. Afinal, estavam num local desconhecido e nunca antes frequentado por elas, sem saber o que deveriam fazer e até onde iriam chegar, embarcando numa aventura sem rumo conjugada com uma mistura de sentimentos e emoções incrível.

O espaço era magnífico. À esquerda da porta de entrada estava uma sala repleta de obras artísticas, predominando, em cada uma delas, cores e expressões diferentes. À frente, um corredor escuro que não parecia ter fim e, à direita, encontravam-se umas escadas de mármore tom de pérola e em forma de caracol onde brilhavam pequenos pigmentos, o que evidenciava o elevado valor da pedra de que eram feitas. A casa estava limpa e arejada - não havia teias nas paredes nem tão pouco pó nos móveis de decoração, facto que confirmava que, possivelmente, seria habitada por alguém. Todos estes elementos, até mesmo os mais irrelevantes captados pelos atenciosos olhos de Melissa, pareciam tornar aquele lugar cada vez mais único.

Mas, e agora? O que as esperava? Ao mesmo tempo que procuravam uma razão que explicasse a sua presença naquela casa esperavam, atenciosamente, um outro sinal que as guiasse. Foi então que repararam, por ventura, numa estátua junto às escadas, anteriormente passada despercebida. A mulher retratada era formosa e esbelta, como tudo o que decorava aquele espaço.


Quando se aproximaram da obra de arte, esta rodou automaticamente como se tivesse detetado a sua proximidade, tal como os alarmes acionados num abrir e piscar de olhos com que Melissa estava habituada a lidar. Parecendo, por momentos, ter adquirido vida, apontou com a sua mão pálida para as escadas, dando-lhes a indicação de que tinham de subir. Os seus corações começaram, mais uma vez, a palpitar mais depressa e as pupilas dos seus olhos dilataram. No entanto, apesar de sentirem medo e receio de que alguma coisa de mal pudesse acontecer, em momento algum ponderaram ir embora. Sentiam que deviam estar ali. Que sensação estranha! Assim que acabaram de subir as brilhantes escadas entraram no enigmático segundo piso, onde descobriram tudo.

Dado que queriam conhecer todos os cantos daquela que seria a casa de Nogueira da Silva, começaram por deslocar-se para a divisão de que estavam mais próximas - o escritório, um espaço sinistro e sombrio. As paredes eram escuras e uma delas estava completamente tapada por uma estante repleta de livros. Ali, a única fonte de luz era um candeeiro que se encontrava numa grande secretária, situada no centro daquela divisão. Numa das três paredes livres estava fixado um quadro que lhes chamou à atenção. Era o retrato de um militar que parecia viver economicamente bem, ideia evidenciada não só pelo seu vestuário e modo de estar, mas também pelo que segurava com as suas mãos, grandes e firmes - dois grandes dentes de marfim, provavelmente adquiridos numa ida à caça. Ao atentar nos diversos pormenores do quadro, Miriam reparou que este estava acompanhado de uma descrição que ela leu em voz alta: Tudo vale a pena quando a alma não é pequena. Logo que se ouviu a frase na sua voz doce mas sonora, as paredes da casa repetiram as suas palavras num fenómeno de eco intenso.

No decorrer de toda esta situação, eis que algo surreal e extraordinário acontece, quebrando a análise que estava a fazer do quadro. Repentinamente, Nogueira da Silva, representado no quadro segurando os dentes de marfim, perdeu o controlo sobre eles e, como se tivessem ganho vida, alongaram-se para fora do quadro quase como se fossem os tentáculos de um polvo gigante que estaria prestes a aprisioná-las. Melissa, a mais velha e mais ponderada do trio, alertou-as para que fugissem rapidamente para outra divisão e assegurarem as suas vidas. Contudo, Malia, pondo em prática a sua coragem e força, tentou enfrentar os dentes de marfim, mas sem sucesso. A solução seria mesmo fugir. Ao fazerem-no, repararam que existia uma marca no chão do escritório, provavelmente originada pela queda do livro que faltava na prateleira de cima da estante. Deduziram que tinham que o recolocar no sítio e, abrindo as gavetas e revirando o escritório todo, descobriram que, na gaveta da secretária, se encontrava o livro-chave, que encaixaram na estante.

De repente, a parede começa a abrir, produzindo um ruído arrepiante e uma luz muito forte e branca obrigou-as a tapar os olhos. Passando para o outro lado estavam, agora, num corredor frio e escuro, avistando um pequeno ponto de luz no seu fim, tal como se fosse uma luz ao fundo do túnel. Estaria lá a resposta para a sua presença naquela na casa de Nogueira da Silva? Seguindo essa luz, depararam, ao fim de alguns minutos, com uma sala. Este seria talvez o espaço mais imponente que elas tinham visto naquela casa até ao momento - várias cadeiras, mobiliário antigo e aparentemente valioso e, ainda, uma harpa e um piano de cauda antigo.

Fascinadas pela imponência daquela acolhedora sala, decidiram descansar um pouco para recuperar o folgo após o susto aterrador que tinham acabado de experienciar. Mas esta sensação de repouso não durou muito. De repente, o piano que se encontrava no centro da majestosa sala começou a tocar. Felizmente Miriam, que prestava extrema atenção nas aulas de música e que sabia as melodias todas, reconheceu aquele doce som e associou-o rapidamente a uma composição intitulada "As flores do meu jardim", que tinha aprendido a tocar recentemente e cuja letra lhe indicou o destino para onde as três deveriam ir, que agora se tornava bem mais evidente - o jardim.

No entanto, pequenas questões se alevantavam entre as três jovens - "Onde será o jardim?", "Haverá uma porta para entrar?" - foi então que Melissa decidiu pôr à prova os seus dotes de investigadora e reparou que existia, por baixo de um grande cortinado, uma luz diferente daquela que iluminava a sala. Assim, afastou-o e deparou-se com uma enorme parede envidraçada na qual se erguia uma porta com passagem para o jardim, um lugar paradisíaco, repleto de flores de todas as cores e de estátuas que se impunham naquela linda paisagem. No centro encontrava-se uma arca dourada que lhes despertou a atenção. Dirigiram-se para junto dela e repararam que se encontrava fechada por um cadeado formado por um puzzle complexo, para o qual ficaram a olhar pensativas, até que Malia tomou a iniciativa e o conseguiu resolver. Com a expectativa de encontrarem algo de muito valioso, abriram-na sem hesitação, mas dentro dela havia apenas alguns queijos, tecidos, café e um velho e degradado manuscrito no qual constavam três diferentes moradas onde se deveriam deslocar à mesma hora do dia seguinte.

E assim, as três jovens descobriram o maior tesouro de todos: a família. Este é, portanto, o exemplo de como uma aventura inesperada conduzida pela ansiedade e a diversão conseguiu unir três jovens até então desconhecidas entre si!

Quando lá chegaram, olharam perplexas umas para as outras e foi então que descobriram um tesouro perdido no tempo - mas não um como os das histórias, filmes ou lendas; não era ouro ou qualquer pedra preciosa; não era uma grande descoberta arqueológica ou uma coleção de arte que já tinha sido esquecida, mas sim algo ainda melhor... Agora, elas sabiam que afinal eram netas de Nogueira da Silva, informação que lhes tinha sido transmitida na Queijaria Central, na retrosaria Pereira das Violas e na casa A Negrita, os locais indicados no manuscrito. Nogueira da Silva tinha sido cliente assíduo de todos estes estabelecimentos comerciais e, em cada um deles, havia funcionárias atraentes e preclaras... Como se tinha tornado amigo de cada uma delas e dos próprios proprietários das diferentes lojas, tinha-lhes confiado os segredos da sua vida, incluindo o que as três jovens tinham acabado de desvendar com a sua ajuda.

Esta ambígua notícia tinha abalado os corações das três jovens, mas ao mesmo tempo também os aquecia, pois entre elas havia nascido uma amizade confortante... Naquele momento, elas sentiam uma mistura de emoções contraditórias e inexplicáveis. Sem dúvida que era muita coisa para assimilar em tão pouco tempo, mas isso não era o mais importante. Agora, o que realmente interessava era elas terem descoberto o tesouro mais valioso que alguém lhes poderia oferecer: uma família adorável!


Uma memória para ser relembrada

Izabela Conti
Letícia Azevedo
Tânia Dias


«Finalmente!» era a única coisa que eu conseguia pensar enquanto arrumava a minha mala para regressar a Portugal. As saudades que eu tinha da minha avó já me apertavam o peito, já não estava com ela desde a minha primeira viagem a Portugal. Apesar da idade, recordo-me de tudo como se fosse hoje, o cheiro floral das roupas que secavam perto do jardim de rosas, a melodia da caixa de música que tocava todos os dias a partir das 17h, enquanto tomávamos chá.

Com tanta ansiedade, nem consegui dormir. Sinto-me como uma criança que está a viajar de avião pela primeira vez, sentindo um misto de emoção, euforia e entusiasmo. Após uma noite em branco, cansada, acabei por adormecer, nem dei pelas horas a passar e, quando acordei, para minha surpresa, já estava em Portugal.

Que alegria! lá estava minha avó à minha espera, com aquele grande sorriso encantador, incomparável. Durante a viagem de regresso a casa da minha avó, aproveitei para contar algumas das aventuras no Brasil.

Chegamos. Que nostalgia, tudo continua como antes! Até mesmo os desenhos que eu pintava com a minha avó continuam na parede da entrada.

Ouvi passos a descer rapidamente a escada de mármore. Era Maria Eugénia, uma grande amiga da minha avó. Depois da morte do meu avô, a minha avó passou a morar na casa do comendador Nogueira da Silva, marido de Maria Eugénia, que também havia falecido. Assim, ambas evitavam a solidão da viuvez.

Devido à diferença do fuso horário e como já estava tarde aqui em Portugal, fui-me deitar ao som daquela melodia que a minha avó me costumava pôr para adormecer.

No dia seguinte, abri a janela do meu quarto e.... que maravilha!, que lindo estava o jardim, cheio de vida e cor, parecia um mar de rosas! Avistei minha avó e Maria Eugénia a conversarem, às gargalhadas e decidi descer as escadas marmorizadas e juntar-me a elas. Aproximei-me da mesa decorada com um belo tabuleiro com chávenas de prata. Enquanto tomava o pequeno-almoço, o meu olhar fixou-se no exterior, naquele lugar escondido que me parecia misterioso, com as paredes cheias de heras.

Após o almoço, fui dar uma volta para visitar o centro de Braga, para assim relembrar os velhos tempos de quando eu caminhava todos os dias com a minha avó.

Tudo mudou! Foi a primeira impressão que tive quando olhei ao meu redor e percebi que estava tudo diferente, muitas lojas mudaram de aspeto, outras mudaram de ramo e de proprietário. Apenas três lojas continuavam no mesmo lugar, nada nelas aparentemente mudara desde que viera a Portugal pela primeira vez. A Queijaria Central conservava a mesma montra onde os inúmeros queijos punham uma tonalidade amarelada, a Casa Pereira das Violas exibia vários artigos de retrosaria de diversas cores e a loja de café A Negrita marcava a sua presença emanando um intenso, mas agradável cheiro de café.

Decidi fazer uma breve visita a essas lojas e relembrar os velhos tempos. A minha primeira paragem foi a Queijaria Central. Entrei e decidi explorar o local como fazia quando era criança. Que surpresa! haviam mudado o interior, as paredes estavam cheias de painéis de azulejos representando locais emblemáticos de Braga, o que fez com que a loja parecesse maior, com mais vida. Mas, apesar de o local ter tantos anos e passar de geração em geração, continuava tradicional na qualidade e acolhedor no tratamento. Aproveitei para comer o queijo que eu tanto adorava em criança e depois agradeci ao proprietário pela hospitalidade e segui para a Casa Pereira das Violas.

Reencontrei Carlos Pereira, um grande amigo de infância da minha avó, que hoje é o proprietário da loja. Para meu espanto, disse-me que a casa havia completado 100 anos havia pouco tempo, no dia 3 de janeiro de 2018. A loja permanecia recheada de lãs de várias cores, novelos de linha, fitas, rendas o que lhe conferia um carácter de vitalidade. Aproveitei para conversar com o Sr. Carlos, que é um bom contador de histórias, que acabou por narrar uma aventura com a minha avó. Nessa aventura, ele mencionou que Lena ( a minha avó) e ele tinham por hábito ajudar o pai do Carlos na loja e, em determinados dias, colaboravam também com ele, fazendo solidariedade. Davam, então, a parte interna do pão, o «violo», aos mais necessitados. Com o tempo, a palavra alterou-se e, atualmente, diz-se "miolo". Será essa a origem do nome da loja.

Adorei conhecer a origem do nome da Casa Pereira das Violas, e saber um pouco mais sobre as peripécias da juventude da minha avó e de Carlos Pereira.

Após este bom momento de convívio, dirigi-me à loja A Negrita, uma loja de comércio tradicional que vende café de vários países desde S. Tomé ao Brasil e à Colômbia. Senti-me atraída pelo intenso cheiro a café e perguntei de onde provinha aquele aroma. O proprietário mostrou-se disponível para me acompanhar numa visita guiada ao armazém. No armazém, o cheiro a café era ainda deliciosamente mais intenso. Com toda a amabilidade possível, demonstrou-me como se moía o café e com que critérios se faziam as misturas. Foi então que me lembrei da minha avó e comentei que ela era uma grande amante de café. O senhor acabou por me oferecer umas amostras de café brasileiro para degustar com minha avó num belo fim de tarde.

De repente, olhei para o meu relógio e vi que já era bastante tarde. O tempo tinha passado a voar, despedi-me do proprietário e agradeci-lhe pela gentileza de me mostrar a loja. A caminho do lugar a que chamo casa, fui percebendo como tinha sido reconfortante recordar o que vivenciei quando era pequena. Tinha sido uma tarde de muitas emoções.

Cheguei a casa ao anoitecer, a minha avó estava a tocar harpa na sala e resolvi preparar-lhe o café que tinha trazido da loja. A melodia guiou-me ao seu encontro. Quando cheguei perto dela, fui surpreendida pela harmonia da mistura de sensações que era ouvir a música que ela tocava e observar a imensa beleza do jardim iluminado, visível através da grande parede envidraçada. Não podia estar mais maravilhada, o momento era único: a serena beleza do jardim, o som da harpa e o gosto do café brasileiro.

Espero voltar brevemente a Portugal, criar novas memórias e trazer a minha família ao lugar que me cativa cada vez mais.


O Sonho

Yuri Quinhões 
António Gonçalves


Em meados do século passado, ele nasceu,

Um dia, resolveu tentar a sorte,

Trazendo na mala os produtos que a terra amada lhe deu,

De lá, da Serra estrelada, pra Braga ele partiu

Com um negócio nos sonhos que construiu

Vendendo seus queijos, foi assim que cresceu.

Uma cafetaria depois se ergueu

Ali, num espaço estreito, seus sonhos cabiam

Lá estavam os produtos que ele fazia

Trabalhando até tarde conseguiu

Trazer a Serra da Estrela para a loja que abriu;

Queijaria Central a batizou

E, no centro de Braga, famosa ficou

A queijaria que todas as manhãs

seus clientes alimentou;

Na vitrine discreta, queijos diversos

Convidam quem passa

E é só transpor dois degraus

Que logo surge uma área abençoada

Por todas as maravilhas de Braga

Em painéis de azulejos retratadas.

Da Queijaria Central a fama se mantém

Desde que há 70 anos Manuel ...partiu

Partiu, mas o seu legado não se extinguiu.

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