Mercearia Meira da Silva

"OLHAR BRAGA" - Património local e escrita criativa

Estes trabalhos, integrados nas Jornadas Europeias do Património 2018 - "Partilhar Memórias", em parceria com a Câmara Municipal de Braga, encontram-se editados em Brochuras.


Mercearia Meira e Silva

A Aliança

Alice Moraes
Patrícia Melo
Paula Rodrigues
Vera Gomes


No ano de 1952, o Dr. Felicíssimo do Vale Rego Campos, presidente da Junta da Província do Minho e o comendador António Augusto Nogueira da Silva, fizeram uma aliança com o objetivo de promover o comércio tradicional de Braga, de que era exemplo a Mercearia Meira e Silva, situada na esquina da Rua dos Capelistas com o Campo da Vinha.

A Mercearia Meira e Silva era uma casa com uma oferta única de produtos diversificados e de excelência, dos quais são exemplo o café, o feijão, os frutos secos, as especiarias e a mercearia, produtos de que estes ilustres bracarense eram clientes habituais. Como se tinham tornado amigos dos proprietários e apreciavam a proximidade e delicadeza com que tratavam todos os seus clientes, consideraram que deveriam contribuir para que este estabelecimento comercial fosse mais conhecido dos habitantes de Braga. Eles próprios tinham memórias de infância das idas àquela tradicional e honesta Mercearia que não queriam esquecer.

Numa tarde de verão, reuniram-se na casa do comendador Nogueira da Silva para decidir o que fazer para promover a Mercearia. O escritório do comendador Nogueira da Silva era um espaço pequeno, acolhedor, mas sofisticado, cheio de obras e objetos que documentavam a sua fortuna material. Por toda a casa, havia autênticas relíquias, desde obras de arte e peças de prata a pequenos amuletos de marfim trazidos dos lugares que visitara. Após uma longa conversa, decidiram fazer um acordo com os donos da Mercearia. Este acordo teria dois momentos distintos: primeiro, eles próprios financiariam umas obras para além da aquisição de mais produtos tipicamente portugueses, como as alheiras ou as ameixas de Elvas; num segundo momento, os proprietários da Mercearia comprometiam-se a restituir o investimento, de acordo com os lucros recebidos. Depois foram falar com os donos da Mercearia Meira e Silva e apresentaram a sua proposta que, no exato momento, foi muito bem recebida. Decidiram colocar de imediato o contrato em prática para que as obras e a aquisição de novos produtos não se atrasassem.

Para comemorar este contrato, o Dr. Felicíssimo decidiu realizar uma festa em sua casa, no Palácio dos Biscainhos, para a qual convidou imensas pessoas de renome. O facto é que este foi um de muitos acordos que o Dr. Felicíssimo e o Nogueira da Silva estabeleceram, com o intuito de ajudar a comunidade e não na busca de reconhecimento como muitos poderiam achar. Ambos eram pessoas empenhadas na promoção do bem não só para as pessoas, mas também para a cidade de Braga. Com esta iniciativa de promoção do comércio tradicional, que começava com a Mercearia Meira e Silva, mas que se estenderia gradualmente a outros estabelecimentos, toda a cidade e todos os bracarenses sairiam beneficiados.

O imenso jardim do Palácio dos Biscainhos estava todo florido, com cores chamativas, aromas de Verão e a água das fontes corria límpida. Todos estavam entusiasmadíssimos com a beleza daquele jardim e com a razão de estarem ali.

Dando início à estratégia de promoção da Mercearia, iam oferecer aos convidados presentes uma ceia no palácio, que seria confecionada com muitos dos produtos mais apelativos da mercearia de modo a promovê-los e chamar a atenção dos convivas.

Durante a ceia, apesar de se encontrarem naquela sala imensos convidados, havia um que se destacava, Alberto Soares, um grande republicano que havia sido retirado do seu cargo de diretor da Biblioteca Pública de Braga, facto que o deixou despeitado. Alberto um homem ambicioso e ganancioso que procurava aumentar a sua fortuna, utilizando qualquer meio para tal.

Alberto Soares ouviu a comunicação que o Dr. Felicíssimo e o Comendador Nogueira da Silva fizeram acerca do seu projeto e percebeu que aquele plano poderia render bastante lucro porque a Mercearia iria tornar-se numa loja cheia de potencialidades. Logo concebeu um plano para ser ele a firmar contrato com a Mercearia Meira Silva: teria que fazer com que as pessoas pensassem que o objetivo de Nogueira da Silva e do Dr. Felicíssimo era obter proveito próprio e não beneficiar a comunidade. Para poder concretizar o seu plano, decidiu pôr rumores a circular (sem sujar a sua própria imagem, apenas insinuando e comentando com conhecidos), consciente de que esta mensagem se iria espalhar de boca em boca e que, à medida que o rumor se fosse espalhando, as pessoas iriam acrescentar sempre uma nova "prova" das segundas intenções que teriam levado Nogueira da Silva e Dr. Felicíssimo a procederem à realização deste contrato com a Mercearia.

Na verdade, à medida que o rumor se ia espalhando, ia aumentando de proporções e, naturalmente, acabou por chegar aos ouvidos não só dos donos da Mercearia como também dos promotores da iniciativa. Os donos da Mercearia não queriam acreditar naquilo que ouviam, no entanto, eram tantos os comentários, que eles já se questionavam se não era mesmo possível ser verdade. Perante os factos, os dois beneméritos questionavam-se sobre o que era correto fazer para garantir que a Mercearia nunca ficasse prejudicada com estes rumores. Nogueira da Silva e o Dr. Felicíssimo pretendiam não só provar que o que as pessoas diziam estava errado, mas também descobrir quem era o responsável, de onde tinha surgido tal rumor. Os dois já andavam desconfiados de Alberto Soares desde o dia da ceia, pois este demonstrara um enorme interesse pela Mercearia, interesse que se tornou mais evidente quando Nogueira da Silva e Dr. Felicíssimo apresentaram o contrato que iriam realizar em conjunto com a Mercearia. Decidiram confrontar Alberto Soares e acabaram por descobrir que ele agira assim, movido pela revolta que sentia por ter sido afastado do cargo que exercia.

Como homens honestos e magnânimos que eram, decidiram dar uma nova oportunidade a Alberto Soares para se redimir dos seus atos, passando este a ter que trabalhar na Mercearia Meira e Silva sem qualquer benefício, tendo que ajudar em tudo o que fosse necessário, tanto na Mercearia como no Palácio dos Biscainhos ou na casa de Nogueira da Silva, até que a sua dívida para com eles lhe fosse perdoada.

Os bracarenses podem estar gratos a estes dois ilustres cavalheiros . Graças a eles, a Mercearia Meira e Silva e outros comércios e instituições, com o benefício destes beneméritos, continuaram a proporcionar aos cidadãos produtos e serviços de qualidade.

UM AMOR PROIBIDO, PENSAVA EU

Maria Inês
Mariana Ferrete
Teresa Veiga

Após 300 primaveras, sou hoje parte da madeira comum destinada a acender as vossas lareiras ao longo do inverno. E antes que caia no esquecimento das gerações antigas e nem venha sequer a ser conhecido pelos novos vou contar-vos uma das histórias que presenciei ao longo da minha vida.

Surgi do nada, sem saber como nem porquê, provavelmente por obra do vento cheguei até aqui, a um lugar lindo conhecido, antigamente, por Palácio dos Biscainhos. Posso dizer que, desde que me conheço, sempre fui um menino muito sociável e acariciado por toda a gente, tanto pelos humanos como pelos seres idênticos a mim, as outras árvores e plantas deste jardim maravilhoso: japoneiras, magnólias, castanheiros, buchos... Enquanto criança, fui tratado da melhor maneira possível, tive todos os cuidados que todos ainda na sua fase dependente precisam de ter. Acho que todos ficaram rendidos à beleza das minhas folhas e às minhas flores em forma de tulipa. Por isso, sou apelidado de Tulipeiro da Virgínia. Foi fácil habituar-me à ideia de que a minha vida seria aqui, não podia pedir um lar melhor e, acreditem, apesar da minha felicidade constante, questionei-me muitas vezes sobre o porquê de ter vindo aqui parar. Afinal de contas, nada tinha feito para isto.

Ao longo destes anos, presenciei momentos inesquecíveis como o nascimento dos filhos do Conde Meneses, Maria Angélica e João Maria, fruto do casamento com Teresa Teles e Meneses. Foram eles quem mais brincou na minha fresca sombra sem nunca me deixar cair na solidão. Não apenas eles, mas também a pequena Alice, cuja progenitora era empregada de cozinha no Palácio. Alice era uma menina de cabelos loiros, longos, com caracóis perfeitos e tinha olhos tão azuis como o céu limpo numa manhã de verão. Era uma menina muito especial não só pela sua beleza física, mas também pela sua beleza interior pois, acima de tudo, era humilde, trabalhadora e delicada. Infelizmente, teve de crescer cedo para poder ajudar a sua mãe que, por tristes razões, também fazia o papel de pai. O pai de Alice, um elemento da nobreza bracarense cuja identidade ela nunca revelou, não assumiu a sua responsabilidade e tinha-as abandonado e deixado à sua sorte porque não podia mostrar à sociedade que havia tido um filho com uma pobre camponesa. Para continuar a ter um teto para dormir e comida para sobreviver, Alice tinha, então, de ajudar a mãe no que ela precisasse e fazia-o com a maior perfeição e alegria, pensando ela, na sua inocência de criança, que um dia viria a ser tratada como as outras crianças que habitavam o Palácio dos Biscainhos. Porém, demorou anos para que isso acontecesse.

A rotina em casa foi sempre a mesma até ao dia 11 de junho de 1820. O dia começava de madrugada com o canto do galo, sendo as empregadas as primeiras a levantarem-se. A D. Maria era a responsável por ir buscar queijo à Queijaria Central para o pequeno-almoço. O senhor Mário, o proprietário, fazia sempre um preço especial (aqui só entre nós, acho que ele sentia algo pela Maria, mas a dúvida ficou sempre por esclarecer). A Queijaria Central era um lugar muito movimentado e muito conhecido pelos seus maravilhosos queijos caseiros, uma delícia! A D. Julieta estava encarregue de ir comprar o café à Casa Negrita, lugar de onde era impossível sair triste pois o senhor António animava toda a gente com as suas anedotas matinais enquanto a encomenda era preparada. Era um espaço amplo, acolhedor e tinha o melhor perfume da cidade: o aroma do café acabadinho de torrar! Ainda ao passar pala Mercearia Meira e Silva, na esquina da Rua dos Capelistas e do Campo da Vinha, a D. Julieta comprava o pão, frutos secos e as alheiras que o Sr. Conde não dispensava para começar o dia cheio de vitalidade. Com todos estes produtos comprados no comércio local, se fazia o pequeno-almoço e se enchia a enorme mesa das refeições do Palácio.

Depois do pequeno-almoço, Maria Angélica e o seu irmão mais velho, João Maria, iam para a escola, que era ainda uma novidade naqueles tempos. Enquanto isso, o Conde e a Condessa faziam a ronda ao palácio para verificar se todos os deveres estavam a ser realizados e, logo depois, partiam para os mais variados sítios das suas propriedades, orientando as diferentes atividades.

A vida no palácio sempre foi assim, apenas umas "guerras" de vez em quando, mas nada de extraordinário, até que no dia 11 de junho de 1820, Teresa Teles de Meneses, faleceu, aos 40 anos, devido a um vírus que terá apanhado numa das suas viagens a África. A partir deste dia tudo mudou, as crianças ficaram muito abatidas, como era de esperar, mas, ao longo do tempo, foram superando. Pior ficou o conde que não conseguiu lidar com a situação e acabou por cair numa grave depressão, pois o amor que sentia pela sua mulher era inexplicável.

Entre 1820 e 1822, os dias naquela casa foram vividos na maior angústia e tristeza. O conde não saía do quarto onde apenas entrava Camila, a mãe de Alice, empregada da cozinha, para lhe levar as refeições pedidas e as mezinhas para a sua recuperação. Aos poucos, a recuperação do Conde Meneses foi-se tornando visível e Camila passou a ser mais bem tratada. Frequentemente, passava por mim a cantarolar, mais alegre, parecia até uma jovem apaixonada!

Comecei a desconfiar ...

Passados uns tempos, a minha teoria comprovou-se. Camila estava mesmo apaixonada, mas era um amor que nunca seria aprovado, pensava eu, preocupado... O romance era com o Conde Meneses e eu sabia que Camila era correspondida, pois um tulipeiro do meu tamanho (cresci muito ao longo de 300 anos!) conseguia ver através daquela janela olhares meigos e gestos cúmplices que mais ninguém conseguia observar. Com o passar dos meses, o Conde já parecia outro, longe de depressões e outras doenças. Já comia à mesa junto da família e, num desses momentos, perante todo o palácio, assumiu a sua nova paixão.

Os seus familiares não reagiram bem, mas o Conde não deixou que nada afetasse aquela relação que todos se viram obrigados a respeitar e aceitar.

Camila deixou de ser uma simples empregada de cozinha e passou a ser a mulher mais importante daquele Palácio. Alice, como nos seus sonhos de criança, foi finalmente aceite pelo conde (claro, já tinham adivinhado, era ele o pai dela!) e, daí em diante, foi tratada como uma verdadeira princesa tal como os outros filhos.

No jardim do Palácio dos Biscainhos, mesmo junto do meu tronco e debaixo dos meus ramos protetores e cúmplices, houve o mais bonito e romântico pedido de casamento de Braga. Quase chorei! O Conde e Camila casaram seis meses depois.

As rotinas antigas voltaram e esta família ganhou uma nova mãe que se manteve humilde e carinhosa com todos na casa como quando era uma empregada sem esperança num futuro mais risonho.

Querem saber mais histórias? Venham daí, que eu, o Tulipeiro da Virgínia, conto!

Autores: Maria Inês; Mariana Ferrete e Teresa Veiga

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