As Frigideiras do Cantinho

As Frigideiras do Cantinho

"OLHAR BRAGA" - Património local e escrita criativa

Estes trabalhos, integrados nas Jornadas Europeias do Património 2018 - "Partilhar Memórias", em parceria com a Câmara Municipal de Braga, encontram-se editados em Brochuras.

As Frigideiras do Cantinho

Liandro Cruz
Marta Silva
Matilde Velo
Miguel Coelho

Era dia 25 de maio de 1997. Ao contrário dos últimos dias, o tempo estava triste: enublado e com chuva. Mesmo assim, o inspetor Válter não tinha outra opção senão enfrentar mais um dia de trabalho. Quando se preparava para sair de casa, recebeu uma chamada. Era a Paula, a sua colega de trabalho.

- Então? Doze horas sem mim e já tens saudades? - Ironizou ele.

-Vai sonhando! Temos um novo caso, vai ter ao Largo de São João do Souto, às Frigideiras do Cantinho. - Disse Paula.

- Mas eles não estão em obras?

- Exato, eu depois explico. - Afirmou Paula.

Válter saiu de casa e dirigiu-se às Frigideiras do Cantinho. Quando lá chegou foi ter com a colega que já estava no local. Válter ficou chocado quando se deparou com o corpo de uma vítima que tinha sido encontrado nas ruínas que as obras de reconstrução tinham posto a descoberto - tudo o que restava eram ossos.

Depois de analisar o local, mandaram os restos mortais para o laboratório para serem analisados.

Apenas uma semana depois, receberam os resultados. Válter e Paula ficaram a saber que a vítima era Álvaro Areias, o filho mais velho dos proprietários das Frigideiras do Cantinho, José Areias e a mulher, Maria João. A vítima tinha sido dada como desaparecida em 1953.

Decidiram pôr-se em campo: Válter iria tentar descobrir pistas no antigo apartamento da vítima, enquanto Paula iria falar com o irmão, Joaquim Areias.

Quando Paula chegou a casa de Joaquim, contou-lhe o que encontraram e perguntou-lhe se podia fazer algumas questões. Joaquim, apesar de muito transtornado, respondeu que sim.

- Quando foi a ultima vez que viu o seu irmão? - Perguntou Paula.

- A última vez que vi o Álvaro foi no dia 3 de junho de 1953, quando ele me deu as chaves da pastelaria e pediu-me para a fechar porque ele precisava de sair.

- E tem alguma ideia de onde o seu irmão possa ter ido? - Perguntou Paula.

- Não sei. - Disse Joaquim.

- Tu disseste-me que ele poderia ter ido para aquele café... não me estou a lembrar do nome... - ouviu-se uma voz vinda do fundo do corredor - Eu sou a Célia, a mulher do Joaquim. - Disse uma mulher, aproximando-se para cumprimentar Paula.

- Boa tarde. Com que então o Álvaro dirigia-se a um café?

- Sim, localiza-se a dois quarteirões daqui e é o único dessa rua, portanto não precisa do nome para o encontrar. - Disse Célia.

- Está bem, eu vou averiguar. E vocês já namoravam na altura em que o Álvaro desapareceu?

- Sim, eu fui o apoio do Joaquim. A única coisa que o punha feliz nessa altura era eu estar grávida. - Disse Célia.

- Estava grávida do...

- Salvador. - Acrescentou Célia.

- Muito bem! E o Joaquim, como é que conseguiu continuar o negócio?

- Antes de o meu pai se afastar por questões de saúde, ele deu-me a receita das frigideiras. - Disse Joaquim.

- Sempre tive curiosidade em saber que ingredientes utilizam! Qual é o segredo que as torna tão apreciadas? - Exclamou Paula.

- Nada de especial! Usamos vários tipos de carne, cebola, dentes de alho, limão, uma folha de louro, sal e pimenta.

- Obrigada! Tenho que[P1] as tentar fazer um dia... - acrescentou a Paula, sorrindo.

Paula viu que não lhe podiam dar mais informações e, por isso, agradeceu e foi-se embora.

Mais tarde, Válter ligou à Paula e disse-lhe que tinha encontrado um diário no apartamento da vítima e que achava que era de Álvaro. As páginas estavam um pouco degradadas e, portanto, ia demorar algum tempo até o conseguirem ler. Por sua vez, Paula informou que tinha ido verificar o café onde Álvaro, supostamente, teria ido, mas não descobrira nada...

Tinham passado semanas e ainda não havia mais pistas sobre o caso, até que o laboratório pediu a Válter e a Paula para irem ler algumas páginas que tinham conseguido recuperar do diário do Álvaro.

Depois de lerem algumas páginas sem informações relevantes, encontraram uma página que falava da altura em que o pai de Álvaro e Joaquim se afastara do negócio. Na página dizia:

Hoje, o pai deu-me a famosa receita das frigideiras que tem passado de geração em geração. Ele disse que já estava na hora de se reformar, que se ia afastar do negócio e que não conhecia ninguém melhor do que eu para confiar a receita. Ele disse-me para não a dar ao Joaquim, porque, embora lhe custasse dizê-lo do seu próprio filho, não confiava nele, não saberia gerir a casa.

Na mesma folha do diário, Álvaro transcreveu a receita que o pai lhe dera e a seguir estava escrito:

O que o meu pai não soube é que eu decidi acrescentar uma folha de louro à receita original. Acho que fica com mais sabor. É o meu toque pessoal. E tem feito sucesso.

Ao ler isto, Paula ficou perplexa e Válter perguntou-lhe o que se passava.

- O Joaquim disse que utilizavam uma folha de louro nas frigideiras, e que foi o pai que lhe deu a receita. Sabes o que isso significa? - perguntou a Paula de modo expressivo.

Com esta descoberta, Válter e Paula perceberam que tinham completado o puzzle; foram ter com a Célia e Joaquim.

Quando chegaram a casa deles, a Paula nem lhes deu tempo para cumprimentos:

- Nós descobrimos que vocês roubaram a receita ao Álvaro. E também estivemos com o Salvador e analisamos o seu ADN.

- O que é que quer dizer com isso? - Perguntou Célia.

- Quero dizer que o Salvador é filho do Álvaro. - Disse Válter.

- O Salvador não é meu filho? - Perguntou Joaquim, chocado.

- Não, não é. E nós temos uma ideia acerca do que pode ter acontecido, mas é melhor vocês contarem-nos a vossa versão. - Disse Válter.

- Não era suposto ter acabado assim. Nós só queríamos a receita para obrigar o Álvaro a colocar o Joaquim na empresa. Então, combinamos que eu teria que seduzir a Álvaro ao ponto de ele me dar a receita. E foi o que eu fiz. - Disse Célia.

- Não tinhas nada que dormir com ele! Eu só te pedi para conseguires a receita. Quando descobri o que se estava a passar, fiquei ciumento e fiz o que tinha de ser feito! - disse, rancoroso, Joaquim.

- E o que é isso exatamente? - Perguntou Paula.

- Ele matou-o, e depois escondemos o corpo num sítio que só nós conhecíamos, nas ruínas. - Disse Célia.

Válter e Paula não precisaram de ouvir mais nada, levantaram-se e prenderam Célia e Joaquim.

Meses depois, Paula e Válter encontram-se nas Frigideiras do Cantinho e são atendidos pelo Salvador que assegura a continuidade do negócio. Apesar do ocorrido, o Cantinho continua a ser famoso e procurado pelos bracarenses e pelos turistas, atraídos pela fama e pelo sabor das suas frigideiras.


Histórias Passadas

Inês Coelho
Inês Barbosa
Maria Eduarda Azevedo


Era uma vez uma família de grande sucesso que, graças à sua receita de frigideiras, tinha conseguido prosperar significativamente.

Contudo, depois de várias gerações terem passado pela gerência do espaço, o café, devido a problemas económicos, viu-se obrigado a fechar. Esta situação levou os donos a emigrar, levando consigo os filhos e deixando-o o café fechado e a ficar em ruinas. Com o passar do tempo, a receita das frigideiras caiu no esquecimento.

Muitos anos depois, o neto dos gerentes, Gustavo, num dia de sol do início da primavera, foi ao posto dos correios onde encontrou uma carta da Câmara Municipal de Braga, Portugal, dirigida aos seus avós. Gustavo era muito curioso. Então, decidiu ler a carta onde dizia que o café "Cantinho das Frigideiras" iria ser demolido pela Câmara Municipal.

Depois de ler a carta, Gustavo decidiu falar com o seu irmão Lúcio e contar-lhe o que tinha descoberto. Depois disto, os dois irmãos decidiram ir falar com os avós e contar-lhes o que dizia a carta. Com a saudade a pairar no olhar, os avós contaram-lhes o que os tinha obrigado a emigrar e disseram-lhes também que o que tinha dado fama à casa era a receita de frigideiras que foramuito bem-sucedida. Contudo, devido ao vício do avô pelas apostas, ficaram sem dinheiro e tiveram de emigrar. A receita? Ah, já nenhum dos dois se lembrava dela... Gustavo e Lúcio ficaram muito curiosos e quiseram recuperar a receita que tinha pertencido à família durante algumas gerações. Depois de conversarem, decidiram ir a Braga, Portugal, e procurá-la.

Quando chegaram, foram ao Largo de S. João do Souto e logo viram o café dos seus avós em ruínas. Curiosos, resolveram fazer uma inspeção ao local e aperceberam-se de que havia uma passagem com escadas para a parte subterrânea. Como estivesse muito escuro, mas mesmo muito escuro, no princípio ambos estavam receosos em descer aquelas escadas velhas, desgastadas e sem saber o que iriam encontrar. Lúcio arriscou-se e foi à frente, devagar, porque a cada degrau, ouvia-se uma chiadeira tremenda. Imaginou-se nos filmes de terror e que a qualquer momento alguém poderia aparecer à sua frente. Logo atrás, o seu irmão Gustavo tremia de medo, descendo cuidadosamente as escadas.

Ao fundo das escadas, havia um comprido corredor que estava imerso numa escuridão tremenda; mesmo assim, decidiram prosseguir o caminho. Enquanto percorriam o corredor, começaram a ver imagens do passado, como se fosse um filme. Ao início, achavam que estavam a ter alucinações, mas não era isso. Era um corredor imenso de memórias... Avistaram a memória do tempo em que o café era muito popular e tinha muito lucro. Ao tocarem nessa imagem foram teletransportados para lá, pois uma memória era como um portal. Sendo assim, perceberam que tinham hipóteses de, regressando ao passado, recuperar a receita. Mas tinham que se apressar a encontrá-la, caso contrário podiam ficar presos no passado.

Quando entraram no portal em que o café vivia tempos de prosperidade, fizeram-se passar por clientes e entraram. Após isto, avistaram os seus avós como nunca os tinham visto: jovens, dinâmicos, alegres... Entusiasmados com o que tinham acabado de avistar e fingindo-se de turistas, foram meter conversa com eles para saberem mais sobre o café e a famosa receita.

Decidiram provar aquilo que os clientes tanto pediam, a especialidade da casa, que eram as frigideiras. Provaram e ficaram com água na boca com aquele folhado de carne tão saboroso. A qualidade daquele petisco fez com que ficassem ainda mais excitados com a ideia de encontrarem a receita.

Depois da hora do fecho, seguiram os avós, proprietários das Frigideiras do Cantinho, até casa e, pela janela, avistaram a receita pousada na mesa da cozinha. Sem os avós notarem, entraram, e leram a receita. Surpreenderam-se com a simplicidade com que, afinal, um lanche tão saboroso era feito. Com receio de serem apanhados, saíram dali rapidamente e voltaram para onde estava localizado o portal. Repararam que o portal já estava quase a fechar e já não dava tempo para passarem os dois. Gustavo não queria sair sem o irmão e teimou em ficar. Lúcio não podia deixar que isso acontecesse e empurrou o irmão para o tempo presente, ficando ele preso no passado.

Lúcio deu a vida pelo irmão, pois sabia que se não o fizesse, iria ficar com um grande peso na consciência. Gustavo, angustiado pelo facto de ter ficado sem o irmão, prometeu a si próprio nunca o desiludir e fazer tudo o que tinha de ser feito no presente para recuperar o negócio e, assim, fazer renascer o antigo edifício da família. Fá-lo-ia não só por ele, mas também pelo irmão e pelos avós. Desta forma, decidiu seguir com o plano que ambos tinham traçado. Restaurou o edifício e, no primeiro dia da reabertura do café "Frigideiras do Cantinho", fez um discurso em que homenageou o seu irmão pela valentia e determinação que revelara.

Nesse mesmo dia, depois de fechar o estabelecimento, avistou, ao longe, um senhor já de alguma idade, que lhe despertou a atenção e lhe lembrou o seu querido irmão. Gustavo esboçou um sorriso e ele respondeu-lhe de volta. O senhor virou costas e foi-se embora, tendo sido aquela a última vez que o viu.


Braga, cidade com história e amor

Ana Rita Duarte
Diana Silva 
Mafalda Barbosa


No mês de junho de 1965, uma jovem, de nome Amélia, de olhos verdes, cabelos loiros e bastante elegante, decidiu, com os seus amigos, ir conhecer as festas populares do S. João, em Braga. Desta forma, poderiam, além de aproveitar para conhecer os festejos em honra do santo, matar as saudades dos amigos que tinham de Braga e que já não viam há bastante tempo.

No dia de S. João, o grupo rumou à "cidade dos arcebispos", onde se encontrou com os amigos bracarenses, entre os quais Hélder, um rapaz encantador e bem constituído. Como tinha passado muito tempo desde o último encontro, Hélder apercebeu-se de que Amélia estava diferente, mais bonita e mais interessante pelo que passou a noite sempre ao seu lado. Acabada a festa, Amélia e os amigos que a tinham acompanhado regressaram a Castelo Branco, confessando que tinham gostado muito da cidade e que iriam voltar logo que possível.

O tempo ia passando, mas Hélder não esquecia Amélia, o seu interesse por ela não diminuía, antes pelo contrário. Sentia necessidade de lhe falar, de comunicar com ela e, tomando coragem, enviou-lhe uma carta onde exprimia os seus sentimentos e a convidava a voltar a Braga para que ele pudesse mostrar-lhe melhor a cidade.

O primeiro impulso de Amélia foi aceitar o convite, porém não o pôde fazer por causa das aulas que já tinham começado. No entanto, os dois jovens foram comunicando e, mal ela acabou o secundário, deslocou-se a Braga, considerando que, para além de ficar a conhecer alguns pontos de interesse, também poderia ver se lhe agradaria fazer os seus estudos superiores na Universidade do Minho.

Hélder esperava ansiosamente a chegada de Amélia, pois ainda não conseguia acreditar que iria poder passar alguns dias com a rapariga dos seus sonhos. Quando a foi buscar à estação de comboios, estava muito nervoso, questionando-se "Será que ela vai gostar de mim, como eu gosto dela?"

Começaram a fazer a visita à cidade, no dia seguinte. O primeiro local escolhido por Hélder foi a Correaria Moderna. Resumidamente, contou a história daquela loja: fora criada há cerca de 140 anos e, inicialmente, apenas fabricava bolas para todos os clubes de futebol nacionais. Entretanto, a loja foi-se especializando em material de equitação e de marroquinaria. Enquanto falava, Hélder mostrava a Amélia vários produtos, desde roupa para equitação, selas próprias para a tourada à portuguesa, selins, material de caça e ainda a oficina onde tudo isto era produzido. Amélia ficou encantada ao ver as máquinas antigas que ainda estão a ser usadas, pois os proprietários gostam de manter a tradição no processo de manufaturação dos seus artigos e negam-se a ser absorvidos pela globalização que torna os produtos todos iguais e sem identidade própria.

Continuando o passeio pela velha Bracara Augusta, dirigiram-se ao Museu Nogueira da Silva onde Helder contou a história de amor dos seus pais, afirmando que tinha sido naqueles jardins que ambos se tinham conhecido durante uma visita de estudo das escolas que frequentavam. Como Amélia adorou o jardim, o rapaz decidiu levá-la a conhecer o Museu dos Biscainhos e o seu magnífico jardim. Embora tenha gostado de conhecer o interior daquele palácio barroco, a jovem ficou encantada com a diversidade de espécies vegetais do jardim. Como tinha um grande interesse pela área da biologia, decidiu "presentear" o seu companheiro com algum do seu conhecimento e falou-lhe, então do tulipeiro, originário da Virgínia, que deve o seu nome às suas flores em forma de tulipa, das japoneiras que, como o nome indica, são originárias do Japão, das magnólias de flores grandes e exuberantes .... Hélder estava cada vez mais fascinado por Amélia.

Como a fome já apertava, ele decidiu que o lanche seria nas Frigideiras do Cantinho, um café fundado em 1796 e que é o estabelecimento de restauração mais antigo da cidade. A casa é conhecida pelas suas famosas frigideiras, uma empada de carne e massa folhada cuja receita centenária passa de geração em geração mas não é divulgada ao público. Ambos confirmaram a justiça da fama de que este petisco goza. Sabendo da história da casa, depois do lanche, Helder pediu ao dono do café que lhes mostrasse melhor o local. Então, puderam visitar as ruínas, que são visíveis através do vidro que reveste o chão, mesmo por baixo da área onde os clientes são servidos e que são importantes achados arqueológicos da época romana (séc. II e III) quando Braga era conhecida por Bracara Augusta. Ouviram da boca do proprietário toda a história do edifício.

Tinha sido um dia fantástico e Amélia estava grata a Hélder por ter sido o seu cicerone na cidade. No entanto, este era apenas um dos muitos dias que iriam passar juntos. Hoje, decorridos já sete anos, continuam juntos e a pensar em casamento que gostariam de realizar no belo jardim do Museu dos Biscainhos.

O que seria dos museus, dos jardins e até das casas de comércio tradicional se não existissem olhos curiosos e amantes da História?

Autores: Ana Rita Duarte; Diana Silva e Mafalda Barbosa

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