Escola Sá de Miranda

Olhar Braga
"Escola Sá de Miranda"

A Literatura, o Património bracarense e a escrita criativa

Em 2017-2018, a Biblioteca Escolar e a Área Disciplinar de Português lançaram o projeto Olhar Braga destinado a alunos do 10º ano, desafiando-os a darem provas da sua criatividade, produzindo histórias que envolvessem espaços museológicos e comerciais que tinham visitado na cidade.

No ano seguinte (2018-2019), o repto lançado a alunos de 10º ano (10º1, 10º3, 10º4, 10º5, 10º7, 10º9 e 10º 10) foi idêntico, associando o conhecimento do património local com a escrita criativa. Para os alunos de 11º ano (11º1, 11º2 e 11º5) foi mais ambicioso: para além de referirem os espaços visitados (sempre numa perspetiva de lhes dar o relevo que a globalização e o desconhecimento ofuscam - e que tantas vezes levam ao seu desaparecimento!), os alunos deveriam também estabelecer um diálogo entre os textos a produzir e as obras literárias estudadas[1] no programa de Português do 11º ano que lhes serviriam de hipotexto. Para além de fomentar o gosto pela leitura dos grandes autores, este trabalho de intertextualidade permitiu-lhes também uma reflexão e abordagem atualizada de questões transversais e intemporais da condição humana referidas na literatura. Para o efeito, foi dada aos alunos a possibilidade de escolherem um ou mais dos espaços visitados em Braga, uma ou mais obras e de reinventarem ou darem continuidade aos enredos, às personagens ou às temáticas.

Queremos agradecer a colaboração, dada na fase de preparação, do Dr. António Mendes, que proporcionou aos alunos de 10º ano a "Oficina de Escrita Criativa". Agradecemos, também, a simpatia com que os responsáveis dos diferentes espaços receberam os grupos de jovens e, finalmente, realçamos a excelente oportunidade que a Câmara Municipal, na pessoa da Dra. Lídia Dias, nos proporcionou ao disponibilizar a impressão destas brochuras.

E, mais uma vez, os trabalhos produzidos pelos nossos alunos de 10º e 11º anos revelam a capacidade criativa dos nossos jovens e são motivo de imenso orgulho para todos nós - para a Escola/Agrupamento, para os espaços visitados e para a "personagem principal" - a cidade de Braga!

Delicie-se, caro leitor!

[1] Frei Luís de Sousa, Almeida Garrett; Amor de Perdição, Camilo Castelo Branco; Os Maias, Eça de Queirós;

O Livro de Cesário Verde, Cesário Verde

A loucura do Amor

Catarina Gonçalves
Mafalda Silva

Dez de janeiro de 1994, as sirenes da polícia ecoavam pelas ruas de Braga. Ouviam-se os gritos de uma mulher no fim de um beco sem saída e o rádio da PJ alertava para o 187. Homicídio.

Cinco meses antes, Christian Barnard (um famoso cirurgião) emigrou para Portugal com a sua mulher Margaery, e o seu filho de dez meses, Charlie, devido a uma proposta de trabalho.

Na noite do aniversário de Margaery, depois de uma partida animada de bowling, no caminho de carro para casa, os três iam a cantar Backstreet Boys, a sua banda favorita, quando Charlie começa a chorar compulsivamente. A sua mãe baixa o volume, tira o cinto e tenta acalmá-lo. Christian vira-se para trás na tentativa de a ajudar e quando se vira de volta, um cão atravessa a estrada junto deles. Instintivamente, Christian vira o carro para a direita, batendo contra um camião, causando um acidente e consequentemente a morte da sua mulher e do seu filho.

A culpa consumiu-o, levando-o a realizar inúmeras experiências para os trazer de volta. Construiu o seu próprio laboratório e dedicou o seu tempo à investigação da criação de clones. No seu desespero, percorreu o mundo em dois meses à procura de respostas, encontrando-as apenas no Brasil, onde descobriu que a clonagem já teria sido realizada um ano antes por um grupo de cientistas. Porém, esta só foi bem sucedida após 277 tentativas em animais. Roubou todos os processos confidenciais da investigação e voltou para Portugal, onde usou os corpos da morgue do hospital onde trabalhava para iniciar as suas experiências.

Passaram-se dois meses e a sua revolta e culpa evoluíam com o insucesso de rever a sua família, colocando-o num estado de loucura psicótico. Estava na altura de testar os procedimentos em corpos mais recentes, tendo uma maior probabilidade de êxito.

-Queria uma navalha e um leitor de cassetes, por favor.

Marta Pereira seria a sua próxima vítima e talvez a última. Christian decorou cada passo seu no último mês sabendo precisamente a sua rotina diária com um único objetivo, matá-la. O cirurgião sabia que, às 20h24, esta passaria junto de um beco onde poderia seduzi-la e encurralá-la. Como previsto, a mulher não se atrasou e Christian cortou-se de propósito para insinuar que tinha sido atacado. O rádio com as músicas dos Backstreet Boys toca ao fundo, relembrando o dia do acidente. Marta corre até ele quando ouve os seus gritos, e em movimentos rápidos, este amarra-a e puxa-a para dentro da ruela. O que o cirurgião desconhecia é que Marta praticava Box, sendo uma mulher com reflexos rápidos, conseguindo defender-se e pedir ajuda. Christian levanta-se rapidamente e consegue feri-la no abdómen com uma facada, fazendo-a cair no chão. Este preparava-se para lhe dar o último golpe quando Marta lhe dá um soco na garganta, deixando-o sem fôlego. Consegue levantar-se e alcançar a navalha, perfurando Christian no peito, que de imediato se esvai em sangue...

Os vizinhos teriam ouvido os gritos e o pedido de ajuda de Marta e ligado imediatamente para à polícia... Quando esta chegou, Christian já estava sem vida e a sua vítima gritava em pânico.

Foram feitas buscas em casa do cirurgião onde foram encontradas todas as suas notas assim como os corpos envolvidos nas suas experiências. Em sua memória, foi colocado um frasco com um dos cadáveres de um recém-nascido que, se acredita, tenha sido uma das tentativas mal sucedidas de reaver Charlie, o seu filho. Esse frasco pode ser encontrado, nos dias de hoje, no Museu da Escola Sá de Miranda, em Braga.

A magia do livro

Renata Oliveira

Numa tentativa de salvar a sua valiosa e raríssima coleção (no total doze mil volumes), Pereira Caldas distribuiu a sua herança por algumas bibliotecas de Braga, entre elas a biblioteca do Liceu Sá de Miranda.

Além destes doze mil volumes, havia um livro que Pereira Caldas passava horas a ler, sendo que por isso não era sua intenção torná-lo público já que tinha uma grande importância e também receava os estragos que este poderia sofrer. Contudo, esta sua vontade era desconhecida e por isso o livro foi transferido para a biblioteca do Liceu Sá de Miranda sendo acompanhado por outros 539 livros.

Apesar destes livros serem bastante importantes para Pereira Caldas, neste novo lugar eles não encontraram alguém que fosse capaz de lhes dar a atenção que este lhes dava. Principalmente o livro "Poetarum omnium seculorom longe principis" de Homero que Pereira Caldas passava horas a ler. Estava abandonado num canto sem conseguir captar a atenção de ninguém, ao contrário dos outros que, à medida que o tempo ia passando, eram cada vez mais requisitados.

Este livro, bastante antigo, continha em si uma magia muito antiga quase tão remota como o aparecimento dos primeiros homens. Ninguém sabe bem como ele apareceu ou quem o poderá ter escrito, a única coisa que se sabe é que foi encontrado por Homero que alterou o nome original deste, tal como referiu nos seus diários. Todavia algo que Homero não sabia era da existência dos poderes que este livro tinha, poderes estes que eram capazes de dar vida a outros livros.

Em contrapartida, Pereira Caldas conhecia estes poderes, já que durante uma noite em que acordara subitamente se deparou com estranhos barulhos vindos da sua biblioteca privada. Inicialmente, com bastante receio do que podia encontrar ali, pôs como primeira hipótese a possibilidade de serem assaltantes a roubar os seus livros mais valiosos, contudo quando abriu a porta ficou extremamente chocado, sem palavras! Doze mil livros a conviver entre si quase como se aquela sala fosse uma pequena cidade em que as prateleiras eram os prédios, os tapetes com rosas que pareciam jardins, os candeeiros eram como candeeiros de rua e o soalho já gasto do caminho percorrido pelos livros eram as estradas utilizadas por eles. Nessa altura Pereira Caldas pensava que estava a ter alucinações, tudo o que via a ocorrer ali com a maior das normalidades ia contra tudo aquilo em que ele acreditava. Apenas se questionava "Como é que isto está a acontecer?".

Após aquela noite, Pereira Caldas passou várias noites em segredo a tentar descobrir a razão daquele fenómeno, até que finalmente descobriu que a raiz daquela vida toda estava no livro "Poetarum omnium seculorom longe principis". Infelizmente para ele, esta descoberta ocorreu numa fase já final da sua vida, não podendo concluir a sua leitura. Todavia este pouco tempo serviu para entender a sua importância e o seu risco, já que caso caísse nas mãos erradas o seu conteúdo era bastante perigoso, pois além da sua magia para dar vida aos livros, este ainda tinha o poder de controlar toda a informação contida neles e até mesmo alterá-la ou apagá-la.

Passados alguns meses da chegada dos livros à biblioteca, os livros continuavam parados até que um dia um rapaz decidiu explorar estas novas aquisições da escola. Ele faltava às aulas para ler, passava noites na escola, fazendo por isso de tudo para conseguir passar a maior parte do seu tempo a ler. Lia um pouco de tudo, desde as descobertas mais recentes do mundo da ciência até às histórias mais incríveis que havia na época, foi através desta sua evolução cultural que sofrera ao longo destes anos que se encontrava com uma capacidade de visão muito superior aos demais tanto em relação a assuntos mais simples do quotidiano como até mesmo em assuntos mais complexos como descobertas recentes. Os livros eram agora felizes. Se outrora eram muito pouco requisitados (quer por serem novos, falta de coragem...) hoje sentiam-se úteis devido a este rapaz.

Demorou quase dois anos a concluir a leitura daqueles mais de quinhentos livros que haviam chegado à escola até que numa noite, quando estava sozinho no liceu, olhou para o fundo da estante e reparou num livro com bastante pó onde o nome não era legível. O rapaz, apressado, limpou aquele pó todo que se encontrava sobre o livro e ansioso por saber que género de livro era e qual a sua história, reparou espantado que o livro que segurava nos braços era muito mais antigo que todos aqueles que o rodeavam. Ainda mais espantado ficou quando abriu o livro e viu tudo dentro naquela sala a ganhar vida... A verdade é que este livro só revelava os seus poderes na presença daqueles que verdadeiramente gostavam de ler e que gostavam da companhia dos livros e os tratavam como seus amigos, tal como este rapaz e Pereira Caldas faziam. Enquanto aquela sala continuava a ganhar vida, o rapaz sentou-se e começou de imediato a ler o livro. Porém, qual não foi o seu espanto, quando aquele livro, com uma grossura ainda considerável, estava cheio de páginas em branco, inacabado.

Pensou durante dias sobre o que fazer. Finalmente chegou à conclusão que estava ali uma oportunidade de poder escrever e concluir aquela obra que por mais que ele tentasse perceber, não entendia o porquê de estar inacabada. Ele já sonhava com essa oportunidade há alguns meses e já sabia como haveria de continuar a história: inspirando-se no primeiro livro que lera.

Pegou na única pena e no único tinteiro existentes naquela biblioteca e então, com um sentimento de euforia a percorrer-lhe o corpo começou a escrever uma história bastante idêntica àquela que tinha lido quando era jovem. Num certo momento, já na conclusão da história, a sua vontade de escrever foi substituída por uma nostalgia de querer ler aquele livro novamente e assim o fez. Procurou o livro na estante em que estava desde o dia em que chegou àquela biblioteca e abriu-o muito rapidamente para voltar a lembrar-se do quão bom tinha sido desde a primeira vez que o tinha lido. Acontece que ficou chocado quando reparou que aquela história que lhe tinha deixado grandes memórias já não era a mesma...Era outra parecida. Assim, num momento de pura reflexão viu que aquelas palavras que agora estavam no papel eram as mesmas que se encontravam no livro que tinha descoberto há algum tempo. Assim entendeu que para além do poder de dar vida a outros livros este livro alterava o conteúdo dos mesmos, sendo que agora podiam ter histórias diferentes daquelas escritas pelo seu autor original.

O rapaz passou o resto da noite a pensar numa solução para resolver o problema que tinha em mãos: impedir que aquele livro caísse nas mãos erradas e mudasse completamente as palavras que os livros tinham para nos dar. Decidiu por fim, quando os primeiros raios de sol começaram a aparecer, destruir aquele livro, entendendo que, por vezes, é necessário um ato de um super-herói, como daqueles que lera em alguns dos seus livros fantásticos, de modo a que todos os livros fiquem a salvo, mas também com o intuito de a história dos livros e os autores estarem também salvaguardados.

Deste modo, acendeu algumas velas existentes naquela biblioteca e colocou o livro em cima delas, passando assim alguns minutos a ver toda aquela magia tornar-se em cinzas, a ver milhares de histórias alteradas a voltarem à sua forma original, a perceber que, apesar de perder a oportunidade de ver aquela magia em ação e de, no fundo, ver os seus amigos a ganhar vida, ele sabia que tinha tomado a decisão certa. Foi já com o livro transformado em cinzas que o rapaz decidiu sair da biblioteca, e, com os olhos cheios de água fechou a porta, nunca mais tendo a coragem de regressar. Em suma, apenas ficaram as memórias de livros que ganhavam vida.

O Afano

Bruna Apresentação
Guilherme Monteiro
Mariana Cardoso

Caro leitor,

Primeiramente, a história de cada personagem foi inspirada em relatos reais, de conhecidos nossos, contendo alguns episódios que relatam acontecimentos já vividos por essas pessoas, que ajudaram na resolução da história. E desde já agradecemos às pessoas que nos ajudaram, contando os sentimentos vividos perante cada problema da sua vida. Mesmo sendo memórias e pensamentos horríveis de se recordar/lembrar, agradecemos mais uma vez o esforço e a cooperação. Obrigada.

Nesta história, cada personagem tem uma nacionalidade diferente, para representar a variedade de culturas presentes na Escola, e estão patentes problemáticas que os adolescentes vivem intensamente, como o isolamento, a depressão, o bullying, a ansiedade, a bipolaridade, a adaptação num novo país....

Exceto com uma delas, que irá representar o apoio psicológico a que muitos jovens deviam recorrer sempre que precisarem, para problemas simples um amigo já é suficiente, para problemas mais graves ajuda de um profissional da área.

Se souber de algum problema (violência doméstica, bullying...) com um amigo denuncie, não fique calado. Recorra a alguém.

Se tiver algum problema procure ajuda, sempre haverá pessoas para o ouvir, uma amigo que o ajudará, o aconselhará, você não está sozinho, não se isole pois será muito pior, poderá cair, ter problemas psicológicos graves, e depois será mais difícil levantar-se.

Para além de um trabalho, uma história que temos de fazer para a disciplina de Português também queremos passar esta mensagem muito importante.

Atenção: Esta história contém vocabulário que poderá ofender alguns leitores. E nenhuma palavra ofensiva é utilizado por nenhum dos autores.

Os autores

Personagens

Todos os personagens jovens (entre quinze e os dezoito anos) são do 10ºano da turma de Artes da Escola Sá de Miranda.

Carlos- É um menino africano. Com dezasseis anos. Chegou a Portugal, quando tinha dez anos. Carlos tem pele escura, olhos negros e cabelo crespo igualmente escuro. Ele é reservado, devido aos seus problemas do passado.

Kayanie- É uma menina brasileira. Com quinze anos. Vive em Portugal há 11 anos. Ainda tem o sotaque brasileiro, mas já dominava grande parte das palavras e escrita do português de Portugal. Ela é morena, olhos azuis, os seus cabelos são loiros com madeixas azuis. Kay, como sempre foi tratada pelos amigos, tem uma personalidade extrovertida, muito simpática e muitas vezes doida. Ela é o tipo de pessoa que está sempre disposta a ajudar os amigos, é muito conselheira.

Matias - Um português. Com dezasseis anos. Tem olhos verdes, cabelo castanho, pele morena e sem esquecer a sua roupa colorida, parecendo uma arara, que o diferencia e destaca de todos. A sua tendência homossexual causou-lhe muitos infortúnios, mas mesmo assim é simpático, educado e extrovertido. Não se deixou abalar pelos seus problemas. É chamado de Matt pelos mais próximos.

Yumi - É uma menina coreana. Com quinze anos. Chegou a Portugal há menos de um ano e ainda não se adaptou à língua, nem aos costumes do país. Tem uma pele tão clara quanto a neve, cabelos castanhos e olhos castanhos acinzentados. É muito tímida, de poucas palavras e muito inteligente devido aos métodos de estudo aplicados na Coreia do Sul. É muito "fofa", não gosta de usar roupas muito vistosas. Devido a não saber comunicar em português ela tem de o fazer em inglês.

Sasha - Tem dezassete anos. Nasceu na Rússia, mas com 8 anos veio para Portugal. É uma menina pálida, olhos azuis e o cabelo muito diferente, metade rosa e a outra metade preta. Sasha é muito tímida, mas para os amigos ela liberta-se e poderá tornar-se uma menina muito extrovertida, animada e engraçada. Foi-lhe diagnosticado, aos onze anos, um problema mental, bipolaridade.

Jorge - É um português de dezassete anos. Tem cabelo ruivo, olhos castanho ocre, pele bronzeada, com 1,90 de altura, musculado. É o tipo de aluno problemático. Com uma personalidade calma, relaxada, quando não está a praticar bullying com os mais fracos. Tem uma personalidade psicótica e misteriosa.

Telma - Bibliotecária da Escola. Ela é uma senhora de sessenta e dois anos, baixa, cabelos sempre apanhados num coque, e sempre com as suas saias abaixo do joelho, com o típico corte na parte de trás, e as suas simples camisas. Telma não é simpática quando está com os alunos, mas perto de professores é uma pessoa completamente diferente, torna-se muito simpática e prestativa.

Jeremias - É o funcionário mais antigo e mais estranho da escola. Tem 64 anos, cabelos muito brancos e pele muito enrugada, o que o torna um funcionário muito assustador, e fazendo com que grande parte dos alunos tenham medo dele. Sempre com as chaves de todas as portas da escola no bolso, quando anda fazem um barulho que é reconhecido por todos.

Igor - É o novo Diretor da escola, tem 35 anos. É muito simpático, dá o seu melhor para ajudar todos os alunos e para melhorar o ambiente escolar. Na sua vida pessoal, é padrasto do Jorge.

Narrativa

Uma pequena luz invadia o meu pequeno quarto ao qual eu era tão fiel. Remexi-me várias vezes por entre os cobertores, resmungando de vez em quando. Procurava conseguir abrir os olhos já que iria ter o meu primeiro dia de aulas depois das calorosas férias de verão que havia tido. Com dificuldades abro um dos meus olhos e o mesmo respondia "resmungosamente" à luz. Dou por mim a abrir rapidamente o outro quando ouço a voz furiosa da minha mãe que me chamava já há bastante tempo.

- Tô indo. - Respondi e levantei-me rápido, até demais, o que me fez ter até uma tontura.

Eu sou a Kayanie e desta maneira já começa o meu dia.

Vesti-me o mais rápido possível e fui ao andar de baixo onde os meus pais já me esperavam bastante ansiosos.

-BOM DIA, GALERA. - Eu disse dando um beijo na bochecha da minha mãe enquanto, muito animada, pegava um pão da cesta.

-Bom dia. - os meus pais responderam achando estranho toda a minha animação. - para quê tanta empolgação? - Disse finalmente um deles.

-Não é óbvio? É meu primeiro dia de aulas depois das férias - respondi ainda animada.

-Verdade, e já está atrasada, hein? - Reclamou minha mãe.

Revirei os olhos e fixei-os na minha comida.

-Sasha e Matias já devem estar esperando por você. - Disse meu pai virando a página do jornal de notícias que possuía em mãos, mostrando uma notícia que me chamou especialmente a atenção, acabando por não ouvir o que ele acabara de dizer.

-Espere, vire a página. - Disse vendo mais de perto o jornal com os meus olhos, fiquei cada vez mais admirada. - Isto foi lá na minha escola.

-Ao que parece este livro foi roubado, e parece ser bem importante.

-Eu tenho que ir. - Disse, saindo e correndo dali com o jornal nas mãos pegando na minha mochila e quase caindo.

-Ei! O meu jornal, garota! - Ouvi o meu pai gritar mas continuei correndo encontrando assim Sasha e o Matt um pouco mais à frente.

Aproximei-me de Sasha e Matt correndo de braços abertos para eles, até que senti os nossos corpos se apertarem cheios de saudades.

-E aí galera? Como vocês estão? - digo super animada por ver os meus amigos.

-Bem e tu? - Disse Sasha amigavelmente.

-Ai amiga sua loucaaaa. - lá vem o Matt a abraçar-me fortemente a mim e à minha amiga, fazendo com que fiquemos amaçadas.

-Aiiiii me larga. - Digo, me separando deles com dificuldade, pois Matt não desgrudava.

Acabara de matar as saudades quando me lembro do que se havia passado na escola.

-Vocês viram as notícias?

-Que notícias? - Perguntou Matt.

-As do jornal.

-Achas que eu leio o jornal? - Disse Matt fazendo uma pose como as mães às vezes fazem quando os filhos respondiam a algo errado.

-Ah hein, só você mesmo. - Reclamo.

-Estás a falar do que se passou no Sá de Miranda? - perguntou a Sasha.

-É isso mesmo.

-O que se passou? Não vai haver aulas? A escola pegou fogo ou algo do tipo? - disse Matt com esperanças de não ter aulas.

-Nada disso, Matt. - Respondeu Kay pondo a mão na cabeça, perguntando-se onde ela havia errado.

-Um livro muito importante foi levado da escola e não sabem quem é o culpado.

-Ohh... - respondeu Matt, desiludido.

-Exato, eu li a notícia toda, mas não dava muitas informações.

-Podem ter a certeza de que não se vai falar de outra coisa pelo menos nesta semana. - disse Sasha.

-Concordo. - Eu e Matt concordamos em coro.

-Esta é nossa oportunidade de nos divertirmos.

-Como assim, Kay? - Perguntou Sasha.

-Nós não fizemos nada durante as férias e isto pode se tornar uma diversão só para não ficarmos sempre no tédio. Nunca fazemos nada...

-Cê tá louca, garota? - Disse Matt imitando o sotaque brasileiro.

-Nós vamo-nos meter em problemas se nos intrometermos, Kay. É melhor deixar isso para os adultos. - Disse a russa a tentar-me convencer a desistir da ideia.

-Mas a gente não fez nada de interessante durante as férias, poderíamos pelo menos dar uma olhada pela biblioteca. - Disse vendo a cara da amiga a ceder.

-Eu acho que não nos devemos envolver, esquece isso. - disse Matt a mordiscar a sua sandes.

-Ah vocês não se sabem divertir... - digo amuada.

Os três continuaram a caminhar tranquilamente sem voltar a tocar no assunto, até que avistaram de longe a grandiosa escola.

Chegaram mais perto e já estavam perto do grande portão, local onde a partir daquele momento se iriam voltar a encontrar todos os dias.

-Chegamos... - reclamou Matt - só espero que aquele idiota do Jorge não me chateie este ano. - Acrescentou lembrando-se dos acontecimentos passados anteriormente.

-Eu juro que se ele te tentar atirar de novo das escadas abaixo, te seguro! - brincou Sasha.

-Ah...Ah...Ah..., tu ainda gozas... - respondeu o rapaz com tom irritado ao ver a gargalhada abafada da amiga.

-Não vai voltar a acontecer, vamos-te proteger! - digo confiante interrompendo o riso de Sasha.

-Exato. - Apoiou a mesma que ainda tentava controlar o riso só de se lembrar do amigo a cair.

-Eu nem me importo com ele... - Afirmou o rapaz que ainda comia a sua sandes.

Quando eu ia responder a Matt, avisto o Jorge com um papel e o diário gráfico nas mãos, enquanto parecia ocupado à procura de alguma coisa pelos corredores. Toquei os meus amigos e apontei para o rapaz ruivo, bronzeado que possuía grandes olhos castanho ocre.

-Galera, aquele não é o Jorge? - Pergunto apontando para o rapaz.

-Fujam! - Diz Matt , quase que num grito ,quando o ruivo musculoso olhou para eles.

-Ei! E a parte do "não me importo?" - Disse Sasha enquanto era puxada pelo braço.

Nós corremos, parecia até que estávamos a fugir de um assassino, e só descansamos quando chegamos no pátio da escola longe do agressor.

-Acho que não nos viu. - Disse Sasha, ofegante.

-Claro que não! Só me olhou com cara de morte... - Respondeu Matt pondo a mão no seu lado esquerdo do peito.

-Parece que se safou desta. - Digo por fim olhando ainda para todos os lados.

-Eu juro que se ele me tivesse tirado ou me tivesse feito cair a minha linda e preciosa sandes, ele ia ver. - Respondeu a dar uma mordida grande na sandes acariciando o papel de alumínio.

Matt sentiu um abanão na mão que segurava a sandes e... Puff!

Lá estava a preciosa sandes no chão.

-Então, bichinha, como correram as férias? - Disse o ruivo a olhar para o chão onde se encontrava a sandes toda destruída.

Naquele momento os olhos do mais novo encheram-se de ódio, mas logo voltaram ao normal quando olhou para o bully.

Quando nós demos um passo à frente para defender o nosso amigo, fomos imediatamente impedidas por um grande braço que se atravessou na nossa frente.

-O gato comeu-te a língua? - Todos arregalaram os olhos quando viram um rapaz de pele escura a aproximar-se.

-E quem és tu? - Questionou Jorge com ar de raiva.

-Prazer, o meu nome é Carlos. - Disse a levantar a mão para um cumprimento.

-Ninguém te chamou, ó preto!

-Ninguém precisa ser chamado quando é para se defender alguém de pessoas como tu!

-Como eu? Que queres dizer, idiota? - Questionou Jorge ao aproximar-se do outro com as mãos cerradas.

-Não querias lutar comigo. - Disse também, a aproximar-se.

-O que se passa aqui? - Ouviram um berro e chaves a fazer barulho, que vinham do fim do corredor. Era o senhor Jeremias, um homem que devia ter os seus 64 anos, com pele muito enrugada o que o tornava assustador aos olhos dos alunos.

Quando finalmente o senhor se aproximou dos adolescentes, estes baixaram as cabeças com medo do "sermão".

-Eu vou precisar de repetir? - Insistiu o senhor de cabelos brancos.

-Não... senhor. - Responderam todos.

-Espero bem, não quero problemas logo no 1° dia. - Dizendo isto voltou as costas observando-os ainda, e desapareceu no meio do corredor.

O bully para não arranjar confusão fez o mesmo.

Quando Carlos foi para se virar e sair também, sentiu uma mão no seu braço e viu Matt a olhá-lo com olhos tímidos.

-Obrigado. - Disse tímido, mas Carlos apenas ignorou e foi embora sem responder.

Depois do acontecimento, nós fomos para as aulas, o resto da manhã estava a correr bem, e não havia sinal do Jorge. Até que chegou a aula de Português onde iríamos visitar a biblioteca antiga da escola mais conhecida por "Biblioteca Pereira Caldas".

Ao ouvir isto lembrei-me imediatamente do livro que havia sido roubado. Formámos um grupo, e pusemo-nos em fila, quando vi uma garota que limpava a mesa com um pano branco.

-Conhecem aquela? - Perguntou Kay curiosa.

-Não. - Responderam a olhar para a rapariga que parecia bastante delicada. - Vamos falar com ela! - Disse um deles

Quando chegaram à frente da pequena, acenaram meio envergonhados, e ela fez o mesmo timidamente.

-Olá. - Disse Kay a tentar meter conversa.

A asiática, de cabelos castanhos e olhos castanhos acinzentados que possuía um grande par de óculos fofos, apenas respondeu com um "não entendi" abanando a cabeça.

-Fala em inglês pode ser que ela entenda. - Disse Sasha

-OK. - Disse voltando se para a asiática de novo. - Hi, what's your name? (Olá, como te chamas?)

-Hello, I'm Yumi. (Olá, eu chamo-me Yumi.)

-Where are you from? (De onde és?)

-South Korea. (Coreia do Sul)

-"Annyeonghaseyo"( "Olá", em coreano)

Como resposta Yumi dá um sorriso e curva-se, fazendo com que os outros três fizessem o mesmo.

Eles ficaram a falar mais algum tempo até que foram para a biblioteca.

Eu estava super animada e os meus dois amigos reviravam os olhos. Entramos na biblioteca e ficámos deslumbrados com a quantidade de livros que a sala tinha, era um ambiente bastante

grande e antigo, porém bastante limpo e asseado. Sobressaíam enormes prateleiras com livros de todos os tamanhos e grossuras, estando os mais importantes envolvidos por uma cobertura de vidro que realçava o valor dos mesmos, porém entre todas aquelas capas coladas em folhas, faltava uma obra prima em especial, o mais valioso entre os restantes. Uma tradução de grego para latim da "Odisseia" de Homero, do ano de 1500.

Aquela pequena abertura causou logo uma grande curiosidade e interesse pelo seu desaparecimento, não só aos três amigos como também ao resto dos alunos.

-Meninos, atenção por favor. - Pediu a professora, vendo todos os olhares a virarem-se para ela. - Vamos prestar atenção à Telma, a bibliotecária mais antiga da escola.

-Silêncio, crianças. - Diz Telma com voz autoritária. - Vocês já devem conhecer a lenda desta biblioteca, certo.

-Que lenda? - Disse um dos alunos lá de trás

-Que incultos. - Diz ela de forma quase inaudível.

-Pode explicar, por favor. - Pede a professora.

A bibliotecária contou que naquela biblioteca, à noite, se ouviam vários ruídos e a madeira a estalar, e que também havia relatos de vários funcionários que diziam ter visto o falecido ex-diretor da escola. Falou também que não havia muitas informações sobre o livro que havia sido roubado.

-Dona Telma pode-nos falar sobre o Livro que foi roubado? - Pergunta um dos alunos.

Ela pareceu ficar bastante desconfortável com a pergunta. Ela deve estar a esconder algo. Mas mesmo assim responde:

-Ainda estamos a investigar o assunto.

-Estou pronto para investigar! - Disse Matt às duas raparigas e elas responderam lhe com um sorriso.

Finalmente tinha tocado para o final das aulas... Todos saíam a correr das salas como se um tsunami estivesse para chegar, na verdade era apenas a alegria de poder voltar para casa depois do 1°dia. Sasha, eu e Matt também saímos da sala, porém não tínhamos pressa nenhuma e caminhávamos bastante calmos.

Sem se aperceber, Matt esbarrou-se contra alguma coisa, o que fez com que o rapaz imediatamente pedisse desculpas em quem tivesse acertado. Quando o rapaz reparou quem era, viu um homem bastante alto à sua frente, era o novo diretor da escola.

-Peço imensas desculpas por ter ido contra o senhor. - Lamentou Matt.

-Não há problema, jovem, estas coisas acontecem. - Disse com o sorriso mais alegre do mundo.

De seguida, fomos até ao pátio. Seguimos juntos para a quinta na qual havia gamos, e decidimos aguardar lá pelo encerramento da escola. Como desculpa para ficarmos, decidimos ligar aos nossos pais dizendo que iríamos dormir todos na minha casa, o que era mentira.

O sol caiu, o silêncio abateu-se sobre a quinta e nós permanecíamos escondidos num arbusto perto da sala de Artes.

Os três amigos dirigiram-se cuidadosamente até ao andar da biblioteca, depois do horário das limpezas ter terminado, e ficaram diante da porta.

-E agora? - Questionou Sasha.

-Precisamos de uma chave. - Respondo a tentar abrir a grande porta.

-Pessoal, ouviram isto? - Disse Matt a agarrar-se a nós.

-Ouvimos o quê?

-Veio dali. - Disse o rapaz, a tremer, apontando para o canto das escadas.

-Tenham calma, não deve ser nada. - Digo, a tentar acalmar os meus amigos.

Tentei acalmá-los, mas não surtiu efeito porque no mesmo momento ouviu-se um barulho de novo. Nós acabamos por dar um salto juntamente com um gritinho em coro, até que duas sombras apareceram do escuro, o que fez com que gritássemos de novo.

-Não gritem! - Disse uma voz que parecia familiar.

Carlos e Yumi surgem do escuro e aproximam-se.

-São só vocês... - disseram os três a pôr as mãos no peito depois do susto.

-O que estão aqui a fazer? - Perguntou o mais escuro.

-Nós.... Nós estávamos com curiosidade sobre o livro e resolvemos vir cá......e vocês?

-O mesmo.

- Well actually I found the story of the book and the rumors very interesting and I met Carlos, and we decided to stay here to investigate... (eu achei a história e os rumores sobre o livro interessantes e conheci o Carlos, então decidimos ficar aqui e investigar...) - Disse Yumi.

-Maybe we can investigate together... (Talvez possamos investigar juntos...) - Disse Kay, e todos concordaram.

Carlos põe as mãos nos bolsos, tira de lá uma chave e vai com ela em direção à fechadura.

-Como tens a chave? - Perguntou Matt.

-Tenho os meus truques... - Disse ao destrancar a porta num tom engraçado.

Por fim, eles entram no mesmo local onde haviam estado naquela manhã, encontraram-no igual, mas desta vez mais assustador devido ao escuro da noite.

-Ai! - Reclamou com medo Sasha.

-O que foi? - Perguntaram os outros baixinho.

-Toquei em alguma coisa.

Olhou para baixo e apanhou um pequeno caderno que se encontrava coberto com um pouco de pó, até que um deles reconheceu aquele objeto.

-Esse não é o diário gráfico do Jorge?

-Agora que estás a falar, parece que sim... - Digo virando o caderno.

Do nada são interrompidos pela Yumi que apontava para uma figura sentada numa das cadeiras da silenciosa sala. Quando repararam quem era ficaram admirados e assustados.

-Jorge!!?

O rapaz, ao ouvir o seu nome, olhou rapidamente para o grupo, virou a cabeça e olhou fixamente nos olhos de cada um.

Levantou uma das suas mãos e apontou um dedo para o livro. Num ato sobrenatural o livro rapidamente já se encontrava nas mãos de Jorge que caminhava lentamente até nós.

De repente, todos começaram a ouvir vozes e gritos, pondo imediatamente as mãos nos ouvidos para isolar o som, mas sem sucesso. Até que cada um deles começou a fechar os olhos, vendo apenas a escuridão.

Mente do Carlos: Abriu os olhos e apenas viu a escuridão, uma vez mais ficou desesperado por não saber onde estava e começou a chamar o nome dos outros, mas não obtinha resposta. Repentinamente, ouviu uma voz muito baixa. A voz foi aumentando de volume até que sentiu um empurrão que o fez cair. Foi então que reconheceu a voz do pai. Juntamente com essa voz juntaram-se mais e mais vozes dentro da cabeça do rapaz.

-És preto devias morrer... - Dizia uma das vozes

-Tu vais ser o meu escravo... - Dizia outra

Mais vozes continuavam a surgir até que o rapaz se rendeu e abraçou o chão da escuridão.

Mente da Sasha: Via os meus amigos... Aqueles que já me abandonaram... Aqueles que vi partir.... Aqueles que se afastaram.... Aqueles que não me compreenderam... Talvez nem eu me entendesse a mim mesma... Mas mesmo assim vi-os a ir.... Devido à minha instabilidade emocional....

Durante a minha infância, não digo que fui uma criança com várias personalidades, mas fui várias crianças numa. Reagi à vida das mais diferentes formas possíveis.

Isto era o que Sasha pensava enquanto olhava para uma tela que mostrava as suas tristes lembranças.... Uma tela no meio do nada coberta pela escuridão.

Mente da Yumi: Vi uma menina de cabelos loiros, cujas pontas possuíam madeixas azuis, o que realçava o seu rosto bronzeado, essa menina aproximou-se de mim, e foi aí que eu me encolhi uma vez mais.... Devido à minha solidão e a obrigação de ser uma rapariga perfeita, acabei por me fechar num mundo só meu.

Quando finalmente a loira se aproximou tive medo que ela reparasse demasiado em mim, e na minha obsessão por limpeza que tinha adquirido desde muito cedo, mas ela apenas ignorou o

facto e sorriu amigavelmente para mim, fazendo-me corar... Kay era o nome dela, e aí eu pude ver o quão ela parecia feliz...

E eu? Estava abandonada mais uma vez num lugar que nunca vi... nem amigos tinha, só o meu TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) por limpeza, as minhas excelentes notas, o primeiro lugar de melhor aluna em todas as escolas.... mas sempre sozinha, sem ninguém e agora num lugar novo do qual não sei nada, não conheço a cultura, o idioma, como iria eu comunicar?

Mente do Matias: - Bicha.... Gay.... Maricas.... Olha aquele ali gosta de rapazes.... És uma vergonha para a tua família, como é que os teus pais não têm vergonha de ti?

E o que tem? Só por ser o que sou, ou melhor, quem sou, resumo-me a uma pessoa pior? Por ter sentimentos dos quais não tenho culpa.... Por isso sou inferior aos outros? Sempre me tentei convencer disto, mas sempre havia alguém que me fazia travar o pensamento. Ao pé dos outros eu fingia um ar feliz e de satisfação, mas sozinho... Sozinho era onde eu acabava, solitário, sentindo apenas o frio dos lençóis assim que chegava a casa... A depressão ajuda também e puxava-me cada vez mais para o poço sem fundo, mesmo não dando a entender....

E o bullying? Que tinha que sofrer quase todos os dias.... Acompanhado com empurrões, chutos, palavras e muito mais.... E eu nem me conseguia defender, e isso deixava-me com raiva de mim mesmo...

Avistei uma lâmina, podia pegar nela como das outras vezes e acabar com esta dor psicológica, pois a dor física ajuda a suavizar a psicológica, mas acabo por ouvir a voz da Kay a chamar por mim e percebo que não estou sozinho, posso superar, desabafar com os meus amigos... Porque eles estão ao meu lado.

Mente do Jorge: - Eu já entendi que é errado.... Mas não é da minha vontade... Eu simplesmente olho para eles e tenho esses pensamentos... Por mais que eu saiba que é errado... O bullying é apenas a minha forma de magoar os outros para me sentir bem comigo mesmo....

Posso fazer coisas erradas, mas apenas estou a causar o mal que me tornaram num ser de natureza mais fraca.

Tudo começou na escola, como eu a odiava, todos os dias voltava com uma nova lembrança, mas não as lembranças que eu esperava, estas eram más, repugnantes e sujas.... Eram acompanhadas por feridas que tentava limpar enquanto as lágrimas me corriam durante as madrugadas....

Chorava sozinho... Bem, ainda choro, mesmo não sabendo o motivo para tal reação.

Volta ao mundo real.

Fico pasmada a olhar para o resto do grupo, enquanto os via paralisados cada um com uma lágrima no olho, estavam imóveis, não se mexendo, apesar dos abanões que lhes dava. Foi aí que reparei que a voz que pairava na sala e que fazia os meus amigos ficarem assim, era a voz do falecido diretor da escola.... Porque é que só eu não me tinha entregue aos meus sentimentos como os outros? Mas tinha que os libertar dos seus pensamentos.... Foi aí que resolvi abrir o meu coração e dizer alguma coisa que os ajudasse....

Fui ao pé do Carlos e disse:

- Eu amo a tua cor....

Dirigi-me aos outros por ordem e disse:

-Prometo não me afastar nunca....

Aproximei-me de Yumi -....

- Vamos sair...

Para Matt apenas disse

- És perfeito....

Só faltava Jorge, mas nem foi preciso chegar-me ao pé dele, já que no mesmo instante uma sombra branca com forma humana saiu a voar pela sala, deixando o livro roubado cair no chão, juntamente com o Jorge.

Isto resultou na libertação dos meus amigos, fazendo com que cada um voltasse ao normal. Entretanto, Jorge acabou por desmaiar durante o processo.

Todos correram até ele, mas foram interrompidos pelo espírito do ex-diretor, que grunhia parecendo estar a sofrer.

-Temos que acabar com aquela coisa. - Disse Carlos.

-E como? - Questionei.

-Talvez haja alguma pista no caderno do Jorge, já que ele é viciado por este tipo de assuntos. - Matt deu a ideia

Eles procuraram e acabaram por encontrar vários símbolos estranhos e começaram a mostrá-los ao espírito, mas nenhum funcionou.... Tentavam desesperadamente acabar com a coisa, mas nada funcionava, enquanto que os outros escondiam o livro que antes fora roubado.

-Here... (Aqui...) - disse Yumi a apontar para o caderno onde estava o desenho do ex-diretor.

-Temos que tentar, é a nossa única hipótese - Disse Kay a tremer .

Ela mostrou o caderno uma vez mais ao fantasma, que se contorceu de dor ao mesmo tempo que olhava a imagem ilustrada, caindo no chão da biblioteca com um grito. Do nada, o caderno explodiu fazendo uma grande quantidade de fumo e pó. O grupo encontrava-se tonto e com falta de visão..

-Acham que desapareceu? - Perguntou Matt

-Eu não estou a ver nada, acho que sim. - Respondeu Sasha.

Ouviram um barulho atrás deles, o que fez rapidamente com que ficassem com arrepios na espinha, viraram-se e viram Jorge já levantado a caminhar para fora da sala.

-Ei meu, onde é que vais? - Perguntou Carlos a levantar-se, puxando os outros consigo.

-I think that's not Jorge. (Acho que não é o Jorge.) - disse a coreana.

-Why are you saying that? (Por que estas a dizer isso?)

-Because he is squirming a lot... (Porque ele está se a contorcer muito...)

Eles olharam para ele e repararam o mesmo.

-A coisa não morreu, ainda está no corpo dele... - o corpo contorcia-se mais e mais à medida que subia as escadas.

-Vamos atrás. - E começaram a correr atrás da coisa até que chegaram ao telhado da escola.

Jorge aproximava-se cada vez mais da beirada ficando a balançar lá. O vento forte batia neles, o que dificultava a visão, até que um relâmpago deu visibilidade ao grupo. Continuaram a aproximar-se do rapaz que se encontrava na iminência de cair, caso fizesse algum movimento brusco. Um novo relâmpago permitiu-lhes ver a figura fantasmagórica do diretor, que, de repente, gritou:

-Se eu não tiver o livro, mais ninguém vai ter! (Risos maléficos)

E com isto Jorge acabou por ser puxado para trás caindo de costas para o ar.

Gritei e ao puxar por ele cai também ...

Abri os olhos com dificuldade e finalmente pude ver o que se encontrava à minha volta. Paredes brancas carregadas de avisos de saúde e também uma televisão próxima.

Olhei para o meu lado e vi a minha mão presa a uma seringa enquanto recebia soro.... Estou num hospital? Pensei...

Tentei chamar por alguém, mas a minha garganta estava tão seca que doía, impossibilitando-me assim a fala.

Tentei lembrar-me do porquê de estar naquele local, até que a imagem de Jorge surgiu na minha cabeça, o que se teria passado, afinal? Onde estavam os outros e porque estava ali.... ?

Fui interrompida por uma enfermeira que entrou, subitamente, na sala.

Ao reparar que eu tinha acordado disse:

-Ah, a senhora finalmente acordou, estávamos todos a ansiar a sua volta. - Disse a enfermeira trocando o soro.

-Onde estou? E onde estão o Jorge e os outros?

-A senhora deve estar confusa devido ao seu problema de saúde.

-Problema de saúde? - Pergunto cada vez mais confusa com aquilo tudo.

-Sim, a senhora sofre de uma doença, esquizofrenia, que a faz imaginar coisas e vê-las, e como você falava sozinha nós tivemos que a manter aqui neste quarto fechada para lhe podermos aplicar o tratamento, peço desculpas mas as pessoas pelas quais a senhora me está a perguntar não são reais.....

-Então...... Isto aqui não é um hospital?

-Não.... Isto é um manicómio.

-Você está internada aqui há muitos anos... Desde os dez anos...

-Quantos tenho agora?

-Fez vinte e três anos o mês passado

Aquilo abalou-me, afinal... Tudo o que havia passado... Não tinha acontecido....

-Eu vou chamar o médico, com licença... - Disse e saiu

-Como é possível.... Como pude acabar de novo sozinha? A dor no meu coração voltou.... Talvez haja uma forma de acabar com ela... - disse pensando em voz alta.

A visita a Braga

Daniel Pereira
Carlos Dias

Havia dois rapazes que nasceram no mesmo ano que se chamavam André e Valentim. Os dois eram vizinhos e já se davam bem desde muito novos, sempre brincavam juntos, andavam sempre na mesma turma desde o primeiro ano e todas as vezes que tinham de mudar de escola obrigatoriamente iam juntos. Os dois já tinham quinze anos (próximos os dois de fazer dezasseis) e andavam no décimo ano no Sá de Miranda. Logo que chegaram lá ficaram acanhados e isolaram-se dos colegas. Na primeira aula apresentaram-se com os seus nomes e a antiga escola que era a EB2/3 Palmeira. Passada uma semana, já tinham feito amigos e amigas na turma e escola e assim divertiam-se todos juntos.

Estavam em aula e veio uma funcionária bater à porta anunciando que dali a uma semana a turma iria fazer uma visita guiada por Braga para conhecer todos os monumentos. Todos ficaram felizes, provavelmente por não terem aulas. Então uma semana passou rapidamente e já era no dia seguinte que eles iriam fazer essa visita. No dia marcado, saíram da escola e foram visitar todos os monumentos. Passaram pela Igreja de S. Vicente que tinha como características o seu estilo barroco, a fachada com elementos maneiristas e catalogada como o primeiro edifício do barroco bracarense. A fachada fazia lembrar um retábulo que se levantava, harmoniosa, ornamentada com elementos claramente barrocos. Depois da Igreja de S. Vicente, foram à doçaria de S. Vicente e ficaram surpreendidos com a dimensão que aquela doçaria tinha e a riqueza da sua história. Logo a seguir, foram visitar a Capela de Guadalupe que tinha como características o seu parque fechado e protegido com um muro, a sua planta circular, com uma entrada por um vestíbulo de três arcos. Sobre o arco principal, abre-se um nicho com a imagem da Nossa Senhora de Guadalupe e a inscrição epigráfica "Protegam vrbem intam 1747". Entretanto, depois da Capela de Guadalupe, foram descansar um pouco nos bancos dos jardins da Avenida Central e falaram sobre a sua visita guiada a Braga.

Para acabar esta visita, dirigiram-se para a Sé de Braga, foram acompanhados por um guia que lhes relatou a sua história e particularidades. De repente, ouviram uns barulhos estranhos e logo se puseram a investigar o ocorrido. Perceberam que o barulho vinha do altar, dirigiram-se de imediato para esse espaço, mas quando lá chegaram já não encontraram ninguém, apenas a certeza de que alguém tinha lá estado porque deixara um papel. Ao abri-lo, viram que era a planta da Sé e com um " X" marcando o local onde eles se encontravam. O André e o Valentim concluíram que podia tratar-se de um assalto. A visita acabou e ao voltarem para casa foram à doçaria S. Vicente examinar melhor o papel. Aí descobriram uma data escrita na parte de trás e essa data remetia para dois dias depois. Eles trocaram olhares e chegaram à conclusão que nesse dia iriam lá estar. Dois dias depois, chegaram bem cedo pois não sabiam a que horas iriam estar lá os tais assaltantes e também ignoravam o que havia ali de tão importante para roubar. De repente, eles ouviram duas pessoas a chegar e logo que eles se aproximaram, o André e o Valentim saíram do seu esconderijo e surpreenderam os assaltantes. Mas qual não foi a surpresa dos dois ao verificar que os supostos assaltantes eram dois alunos do Sá de Miranda com quem eles já tinham falado. Os quatro falaram e na verdade os supostos assaltantes só queriam as hóstias da Igreja, pois nunca tinham provado. André e Valentim começaram-se a rir e assim descobriram o tal assalto. Os quatro despediram-se e André e Valentim foram para suas respetivas casas. No dia seguinte, André e Valentim encontraram-se com os outros dois rapazes e ficaram muito amigos. Depois desta aventura, voltaram às suas vidas normais. Mas o mais incrível é que até hoje nunca ninguém soube desse assalto.


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