Espaços com Arte

Olhar Braga
"Espaços com Arte"

A Literatura, o Património bracarense e a escrita criativa

Em 2017-2018, a Biblioteca Escolar e a Área Disciplinar de Português lançaram o projeto Olhar Braga destinado a alunos do 10º ano, desafiando-os a darem provas da sua criatividade, produzindo histórias que envolvessem espaços museológicos e comerciais que tinham visitado na cidade.

No ano seguinte (2018-2019), o repto lançado a alunos de 10º ano (10º1, 10º3, 10º4, 10º5, 10º7, 10º9 e 10º 10) foi idêntico, associando o conhecimento do património local com a escrita criativa. Para os alunos de 11º ano (11º1, 11º2 e 11º5) foi mais ambicioso: para além de referirem os espaços visitados (sempre numa perspetiva de lhes dar o relevo que a globalização e o desconhecimento ofuscam - e que tantas vezes levam ao seu desaparecimento!), os alunos deveriam também estabelecer um diálogo entre os textos a produzir e as obras literárias estudadas[1] no programa de Português do 11º ano que lhes serviriam de hipotexto. Para além de fomentar o gosto pela leitura dos grandes autores, este trabalho de intertextualidade permitiu-lhes também uma reflexão e abordagem atualizada de questões transversais e intemporais da condição humana referidas na literatura. Para o efeito, foi dada aos alunos a possibilidade de escolherem um ou mais dos espaços visitados em Braga, uma ou mais obras e de reinventarem ou darem continuidade aos enredos, às personagens ou às temáticas.

Queremos agradecer a colaboração, dada na fase de preparação, do Dr. António Mendes, que proporcionou aos alunos de 10º ano a "Oficina de Escrita Criativa". Agradecemos, também, a simpatia com que os responsáveis dos diferentes espaços receberam os grupos de jovens e, finalmente, realçamos a excelente oportunidade que a Câmara Municipal, na pessoa da Dra. Lídia Dias, nos proporcionou ao disponibilizar a impressão destas brochuras.

E, mais uma vez, os trabalhos produzidos pelos nossos alunos de 10º e 11º anos revelam a capacidade criativa dos nossos jovens e são motivo de imenso orgulho para todos nós - para a Escola/Agrupamento, para os espaços visitados e para a "personagem principal" - a cidade de Braga!

Delicie-se, caro leitor!

[1] Frei Luís de Sousa, Almeida Garrett; Amor de Perdição, Camilo Castelo Branco; Os Maias, Eça de Queirós;

O Livro de Cesário Verde, Cesário Verde

Museu do Traje

Rui Oliveira
Diogo Pinheiro
Rodrigo Pereira

Um dia, três amigos, Vasco, Eva e Matias, estavam a passear por Braga, quando passaram na Rua do Raio e viram o Museu do Traje.

- Que interessante! - Disse o Vasco - Podíamos entrar!

- Vamos! - Disse Eva - Até pode ser interessante!

- Sinceramente não acho que vá ser interessante, afinal de contas é só roupa velha! - Exclamou o Matias.

- Mas tu és sempre do contra. - Disse a Eva - Entra e vais ver que vais gostar.

Eles entraram no museu e viram uma placa com o seguinte escrito:

O museu Dr. Gonçalo Sampaio, mais conhecido como Museu do Traje, foi inaugurado em Setembro de 2013, na Rua do Raio, em Braga. É um espaço dedicado aos diversos trajes do século XIX das diferentes zonas de Braga e do Baixo Minho. Contém também um pouco da história popular de Braga e possui uma exposição dos instrumentos de música populares nesta região minhota, como, por exemplo, o cavaquinho. O museu também ajuda na fixação de conhecimentos e cultura geral.

Após Vasco ter lido a placa para todos, Matias ironicamente diz:

- Uau, estou super interessado neste Museu.

- Cala-te, Matias! - Disse Eva irritada - Já toda a gente sabe como és!

- Ah! - Suspirou Matias.

Entretanto, quase a terminar a visita, os três amigos estavam a admirar os trajes.

- Uau, que lindo, quem me dera ter podido usá-los - disse Eva.

- E podes. - Disse Vasco segurando um folheto.

- Como? - Perguntou Eva.

- Se entrares neste grupo de folclore - disse o Vasco enquanto dava o folheto à Eva.

- Eu gostava, mas se for para ir sozinha não quero! - Partilhou Eva.

- E se formos todos? - Interrogou Matias.

Admirados, Eva e Vasco olham para Matias.

- Estou a falar a sério! - Exclamou Matias - Vocês tinham razão, eu adorei visitar este museu e queria poder fazer parte da história dele.

- Vamos lá! - Exclamaram Eva e Vasco.

Passados dois anos, os três amigos, vestidos com os trajes característicos de Braga, participaram, orgulhosamente, numa atuação de grupos folclóricos.

"Museu da Sé de Braga"

Academia Amara

Julia Hartke
Laura Pereira

Na semana passada, o museu da Sé de Braga foi alvo de uma tentativa de assalto.

Neste incidente estão envolvidos quatro assaltantes, dos quais dois já foram presos. Graças a uma entrevista a um dos assaltantes, conseguimos descobrir mais acerca desta tentativa de furto. Foi revelado que estes homens tiveram ordens de um superior com identidade não revelada.

Naquela noite, os assaltantes tentaram roubar os objetos mais importantes lá expostos, a pedido do seu chefe, tais como, uma cruz que foi levada por Pedro Álvares Cabral para o Brasil e usada na primeira missa ali celebrada, o cálice e a Patena de S. Geraldo, a mitra e as luvas do Arcebispo, D. Gonçalo Pereira, mas não conseguiram concretizar os seus objetivos.

Apesar de ter sido um susto enorme para a população, o sentimento mais saliente era a alegria quando repararam que o furto tinha sido evitado por cinco jovens vestidos de preto e azul que aparentavam ter quinze anos. Após terem evitado o assalto, estes adolescentes foram entrevistados, de imediato, pois todos estavam muito curiosos e ansiosos para conhecer mais a sua história.

Estes jovens eram apenas irmãos que diziam terem nascido com capacidades especiais, e, bastou isso para que a curiosidade dos habitantes de Braga crescesse ainda mais. Então, continuaram a revelar mais detalhes acerca deles, a saber, aparentemente, Amara, a sua mãe, tinha sido amaldiçoada por um feiticeiro local, no seu décimo oitavo aniversário. Eles afirmaram que a sua mãe sempre quis ser uma mulher poderosa, o que a tornava demasiado ambiciosa. Então, como consequência, esse feiticeiro ofereceu-lhe duas hipóteses: a primeira era continuar a viver a sua vida normalmente sendo uma mulher como as outras e a outra era obter poderes mágicos mas com uma consequência, quando completasse os seus trinta anos algo terrível iria acontecer. Com as duas hipóteses do feiticeiro propostas, ela, sem pensar duas vezes, escolheu a segunda.

Dois anos já se tinham passado e não houve um dia em que Amara não demonstrasse o quão feliz e orgulhosa estava pela decisão que tinha tomado. No entanto, sempre desabafava com os amigos e conhecidos que havia algo em falta na vida dela. Então decidiu ter cinco filhos e cada um representaria um poder que lhe tinha sido dado. Contudo, Amara nunca pensou que os seus dons especiais iriam ser passadas para os filhos, mas foi exatamente isso que aconteceu.

Faltavam três dias para completar trinta anos, porém, Amara, não se sentia preocupada pois achava que estava completamente segura e protegida pelos seus poderes. Os três dias passaram e exatamente à meia-noite, Amara perdeu a vida devido a uma paragem cardíaca.

Mesmo órfãos, aqueles cinco irmãos sempre se mantiveram unidos. Desta família fazem parte Elisabeth, que tem a capacidade de ler e influenciar a mente das outras pessoas, David, que consegue teletransportar-se, o Ethan com o poder da super força, Crystal com a habilidade de iludir todos com a sua beleza e, por fim, o mais novo, Nick, que através dos seus problemas com a raiva, descobriu que conseguia obter todos os poderes que os seus irmãos possuíam. Logo após a morte da mãe, esta família de cinco membros decidiu criar a academia Amara em homenagem ao sacrifício que a mãe fez pelos seus filhos. Este estabelecimento tem como fim ajudar órfãos, tal como eles.

Ainda estão a ser analisadas mais informações sobre esta família, mas uma coisa é certa, a partir daquela noite, eles já não eram considerados apenas uma simples família mas sim super heróis, visto que, sem eles, quinhentos e dez anos de história teriam sido perdidos porque, apesar de serem poucos assaltantes e admitindo que quase nada poderia ter sido roubado, todos os objetos lá presentes são importantes pois fazem parte da história da nossa cidade e do nosso país.

Encontro com o passado

Joana Araújo

Era uma segunda-feira muito fria, não havia registo de temperaturas tão baixas há mais de trinta anos. Estava programado o encontro à porta do Palácio dos Biscainhos para o jantar habitual de amigos.

A Maria e a Beatriz foram as primeiras a chegar. Já passava das oito horas e nem sinal dos amigos. Enquanto esperavam, repararam que a porta do palácio estava entreaberta e, como estava frio, resolveram entrar. Sentaram-se num banco e chamou-lhes a atenção um quadro enorme e sinistro. Esse quadro era do tamanho de uma porta, o que deixou as amigas bastante intrigadas. Ao aproximarem-se, movidas pela curiosidade, tocaram no quadro que depressa se transformou numa porta que as levou para outra dimensão. A Maria e a Beatriz mergulharam nas tradições do século XIX. Foram acolhidas por um simpático mordomo que as tratou como umas verdadeiras princesas. Tiveram direito a tudo desde vestidos, penteados, passeios a cavalo. Depois de toda a preparação, chegou a hora do banquete real que decorria no majestoso salão do palácio. As amigas não estavam à espera de encontrar pormenores tão luxuosos. O salão tinha grandes cortinados trabalhados com os mais pequenos detalhes, tapetes gigantescos que cobriam todo o chão, candeeiros em cristal que iluminavam toda a mesa do banquete permitindo a observação de todos os detalhes. A mesa estava coberta com uma grande variedade de iguarias, muitas delas nunca antes vistas. Depois do belo banquete, as amigas foram encaminhadas para os jardins. Quando lá chegaram, deparam-se com uma bela paisagem, jardins com as mais variadas e coloridas flores, fontes, árvores de fruto, bancos de pedra e esculturas. Estavam maravilhadas, foram-lhes apresentadas as mais diversas personalidades da época, incluindo o Visconde Paço de Nespereira, antigo governador civil de Braga. Contudo, o sonho estava prestes a terminar, quando o mordomo as informou que teriam de abandonar o palácio porque os seus amigos já estavam inquietos à porta.

Quando elas chegaram ao pé dos amigos contaram tudo o que viveram. Porém, ninguém acreditou, mas as duas amigas, muito cúmplices, sabiam aquilo que tinham vivido dentro do palácio dos Biscainhos.

Um amor folclórico

Paula Rodrigues
Luísa Rodrigues

Vê-lo aqui deitado nesta cama sem saber se algum dia vai acordar e voltar a dizer o quanto gosta de mim faz-me voltar atrás no tempo e relembrar o início da nossa história.

Tudo começou numa das minhas muitas visitas ao Museu do Traje Dr. Gonçalo Sampaio. O folclore é uma das minhas grandes paixões e aquele museu tem os trajes mais bonitos que eu alguma vez vi e, por isso, já fazia parte da minha rotina visitá-lo.

Tinham chegado os meus tios da Bélgica e não descansei enquanto não os levei a visitar aquele que era um dos meus lugares favoritos. O meu tio partilhava comigo esta paixão pelo folclore, de maneira que não foi muito difícil convencê-lo a ir. Quando chegamos, perguntei pela dona Maria, uma senhora já com alguma idade que costumava estar na receção, mas fiquei surpreendida quando verifiquei que, em vez da dona Maria, estava um rapaz encantador no seu lugar. Soube mais tarde que a Dona Maria se tinha reformado. Não seria a mesma coisa visitar aquele museu sem ela, sem as suas explicações pormenorizadas sobre cada traje e sem o seu carinho. O rapaz apresentou-se, chamava-se Miguel. Era alto, tinha uns olhos castanhos muito brilhantes e era lindo. Durante a visita ao museu, senti uma empatia enorme por ele, parecia que já nos conhecíamos há anos. Quando chegou o final da visita, convidou-me para fazer parte do rancho que ensaiava na cave do museu. Para mim era novo, de todas as conversas que tinha tido com a Dona Maria nunca tinha sido referido que ensaiava ali um rancho, mas aceitei o convite. Nunca tinha dançado antes e na minha cabeça só pensava que não queria passar vergonha à frente do Miguel por não saber dançar, afinal eu só gostava dos trajes que eles usavam.

O Miguel explicou-me que o ensaio era à sexta-feira à noite e eu estava ansiosa que esse dia chegasse para o poder ver outra vez, pois com a escola tornava-se mais difícil visitar o museu à semana. Finalmente chegou o tão esperado dia. Saí de casa sem os meus pais saberem, pois não me deixavam sair à noite, diziam que era muito novinha para tal, mas eu não aceitava isso, tinha 16 anos e já me sentia uma mulher. No local estava gente que eu nunca tinha visto antes, e estava completamente sozinha. Passado pouco tempo, apareceu a Dona Maria ao braço do Miguel. Veio logo dar-me um beijinho, cumprimentei também o Miguel e a Dona Maria ficou espantada por eu já o conhecer. Acabou por me dizer que era o seu neto.

O ensaio começou e eu estava só a observar até que o ensaiador me veio buscar para dançar. No início não queria ir até que cedi e, por mais incrível que pareça, gostei, apesar de ainda não ter o passo certo. O Miguel disse-me que eu tinha jeito e com o tempo ia ao ponto. A partir desse dia fui ao ensaio todas as sextas às escondidas, andava sempre com o coração apertado com medo que os meus pais descobrissem, mas era tudo por uma boa causa.

As semanas foram passando e gostava cada vez mais de estar com ele. Numa sexta-feira, o meu dia preferido da semana, estava particularmente ansiosa por saber que era dia de ensaio e, com tanta ansiedade, acabei por cair nas escadas da escola. Levaram-me ao hospital: tinha partido o pé e disseram-me que tinha que ficar um mês em gesso. Quando o médico me deu essa notícia, eu desabei a chorar, mas não era por causa da dor, pois isso quase já nem sentia, era pelo simples motivo de não poder dançar. O médico disse que podia ir para casa e a minha mãe fazia de tudo para me consolar, mas sem efeito. Cheguei, deitei-me na cama e liguei ao Miguel a contar-lhe o que se tinha passado. Ele insistiu para eu ir na mesma ao ensaio que ele ficava comigo. Primeiro não quis aceitar a proposta, porém, ele insistiu tanto que acabei por ceder, com a sensação de que não era sensato. Não resisti e fui.

Cheguei ao museu e lá estava ele à minha espera com aquele seu sorriso encantador e, em vez de irmos para a sala do ensaio, fomos para a minha sala preferida do museu, uma sala pequena com umas vitrines a toda à volta e uma grande no meio com todos os fatos maravilhosos que lá existem. Tinham acabado de pôr um traje novo e era o mais lindo que eu já tinha visto. Pedi que ele me explicasse tudo sobre aquele traje. Era um traje de capotilha, usado predominantemente no vale do Cávado e considerado o traje mais representativo da cidade de Braga. A cor viva caracterizava-o, sendo usado nas romarias. Era constituído por uma capotilha em vermelho vivo, enfeitada de veludo, cordões, cetim e vidrilhos, com grandes pontas que cruzavam sobre o peito. A capotilha deixava adivinhar a grande gola de renda da camisa branca de linho, bordada a branco no peito, nos ombros e nos punhos. Sobre a camisa destacava-se um colete de tecido de linho, bordado a cordões. A saia, de baetilha preta, possuía uma grande roda, enfeitada de veludo lavrado, fitas, cetim e vidrilhos; sobressaía o colorido do avental em tecido de cores vivas, com tirados de lã, debruados a veludo. Na cabeça, estava um lenço branco, em cambraia, bordado, cujas pontas se prendiam ou atavam sobre o colo. As meias de linho eram brancas e rendadas. Como era hábito da região, o ouro abundante adornava as orelhas e o peito. Preso na cintura, trazia o "lenço dos namorados", marcado a ponto de cruz, com quadras amorosas.

Após ter-me explicado tudo sobre aquele traje, o Miguel disse que eu poderia usar um dentro desse género e essa ideia encantou-me. Fomos sentar-nos no chão, no fundo da sala, a conversar até que ele ganhou coragem e me pediu em namoro. No momento, fiquei sem reação, mas, claro, aceitei. Ficamos tanto tempo a falar que nem sequer reparamos que o ensaio já tinha acabado e que tínhamos que ir embora. Como de costume ia a pé sozinha para casa, mas o Miguel insistiu para me levar, pois estava magoada.

Quando chegamos ao início da minha rua, vi um aparato enorme de gente. Aproximamo-nos para ver o que se passava e percebi que estavam todos à minha procura. Mal me viram com o Miguel, ficaram muito aliviados, embora danados por vê-lo. Eu não sabia, mas a nossa família não se dava bem e por isso o meu pai estava furioso. Ao verem que eu estava bem, os meus vizinhos foram todos embora, apenas ficaram o Miguel e os meus pais. O meu pai estava tão furioso que quase o insultava e eu só pedia para ele ir para casa e deixar-me a falar com eles. A conversa não foi boa, eles proibiram-me de namorar com o Miguel.

Contudo, nós não estávamos dispostos a que isso acontecesse, pelo que continuamos a estar juntos e a falar às escondidas, até que combinamos fugir.

Chegou o dia pelo qual tanto esperava, o dia da fuga. Eu estava muito nervosa, parecia que tudo ia correr mal. Deixei uma carta aos meus pais a contar-lhes tudo o que sentia pelo Miguel. O meu namorado chegou à minha casa e estava na hora de partir. Mal saímos de casa, estavam os meus pais à porta, eles já desconfiavam, mas não tinham dito nada. No momento em que os vi, desatei a chorar e fiz-lhes um ultimato: ou eles me deixavam namorar com o Miguel ou nunca mais me viam. Muito contrariados, acabaram por aceitar o nosso namoro e assim começou a nossa linda história de amor.

Estou ainda perdida nos meus pensamentos quando sinto o Miguel apertar-me a mão. Não paro de chorar, parece um sinal de que tudo vai ficar bem.

O Assombrado Theatro Circo

Henrique Veiga

Certo dia, Leonardo decidiu ir visitar o emblemático "Theatro Circo", pois fascinava-o a sua história e também gostava muito da cidade de Braga.

Enquanto faziam a visita ao teatro, o guia, de seu nome Joaquim, disse coisas interessantíssimas, como por exemplo, que o "Theatro Circo" foi inaugurado a 21 de abril de 1915 e que o seu nome se justificava pelos inúmeros espetáculos de circo que lá se realizavam, para diversificar a vida cultural da cidade.

Contudo, o que mais despertou o interesse de Leonardo foi a história assombrada que o guia contou, afirmando que, na altura da sua remodelação, em 1999, enquanto os trabalhadores se azafamavam, ouviam-se barulhos bizarros como vozes de pessoas a cantar ópera. Esses mesmos barulhos eram também captados pelos seguranças, durante a noite. Sempre que as paredes eram pintadas, apareciam no dia seguinte, com marcas vermelhas e símbolos aterradores. Eram vários os objetos que caiam dos tetos, sendo que, numa das vezes, um dos trabalhadores foi atingido. Eram essas e muitas outras coisas que permitiam concluir que o Theatro Circo era mais especial do que o que era humanamente explicável.

Efetivamente, se estas histórias eram verdade, ou apenas usadas pelo guia para captar a atenção dos visitantes, Leonardo nunca saberá, a realidade é que esta estratégia com ele funcionou, porque, no resto da visita, Leonardo captou ao máximo toda a informação que Joaquim ia revelando sobre aquele momento.

Finalmente, no final da tarde, a visita terminou com o guia a afirmar que, atualmente, o Theatro Circo se distingue pela diversidade da programação e pela exaltação à arte que lá é apresentada. Quanto a Leonardo, este irá regressar, certamente para assistir a uma boa ópera ou, quem sabe, para assistir a uma peça de terror.

O tesouro do Theatro

Joana Ferreira

Estávamos no dia 21 de abril de 1915, um dia histórico para a cidade de Braga. Era a inauguração de um dos maiores e mais belos teatros portugueses, o Theatro Circo. Eram imensos os convidados que se aproximavam da entrada principal para descobrir todas as novidades que este espaço poderia trazer à cidade. Homens e mulheres trocavam olhares entre si e sussurravam comentários, impacientemente. O dia amanheceu com grande desordem no céu, uma grande intempérie estaria prestes a iniciar, provocando grande perturbação nos convidados que se amontoavam na porta principal. Manuel estava de mão dada com a sua mãe quando, de repente, se ergueu esforçadamente e gritou muito alto:

- Olhem ali no céu, tantos pássaros aqui ao pé de nós! Com este grito todos dirigiram o olhar para o céu que mais parecia uma cortina de névoa que se foi dissipando com toda a rapidez. No mesmo minuto e quase como cronometrados, outro bando sobrevoou a cabeça dos convidados, acompanhado por um melodioso chilreio que causava medo. Não muito longe, a sinfonia do trânsito automóvel soou a alarme... No chão, por baixo dos nossos pés, manifestaram-se tremores e o solo começou a deslocar-se. Homens e mulheres corriam de um lado para outro, faziam o que tinham a fazer, fugindo, gritando como se qualquer criatura tivesse chegado para espalhar o terror. As portas do teatro, como que por magia, abriram-se e os convidados empurravam-se, estendendo mãos para ajudar quem podiam. Rapidamente se percebeu que se tratava de um terramoto. Uma série de circunstâncias causaram pânico total e foram poucas as pessoas que tiveram oportunidade de entrar, pois como que por magia, as portas do edifício fecharam-se.

No exterior, continuava uma chuva insuportável, um vento assustador e tudo parecia devastado como se a terra estivesse com soluços. Passaram-se três minutos intermináveis, imponentes e que mostraram a força da natureza. De um sino distante veio uma série de rápidas badaladas que ao mesmo tempo fizeram despertar aqueles que estavam no interior. Manuel tinha o rosto pálido, repleto de lágrimas. Ele e a mãe conseguiram permanecer vivos e isso parecia ser a coisa mais importante. As pernas bambolearam quando se puseram de pé. Era uma criança muito curiosa, culta, empenhada, inteligente e sagaz nos conhecimentos sobre a sua cidade. Era também o aluno mais estudioso da sua turma e, por isso, era a única criança presente nesta inauguração. Parecia que vinha numa missão, e, talvez, ele tenha de a cumprir sozinho. Afastou-se do grupo, afastou-se da mãe e andou aos tombos naquele espaço escuro que lembrava uma densa floresta que era nada mais nada menos que a sala principal deste teatro, com cerca de 800 lugares, que agora estavam resumidos a quase nada. Pouco depois, ao fundo de um corredor, nasceu uma chamazinha nos seus olhos. Não era um caminhante muito experiente, mas sentia coragem em continuar, seria esta a missão do Manuel? Chegou a um pequeno auditório que por sua vez deu acesso a uma sala, sala esta com vários compartimentos, seriam camarins? E que histórias guardavam estes camarins? O rosto de Manuel adquiriu um sorriso trémulo quando viu uma luz que o empurrou, como se fosse mergulhar num mar de letras. A toda a velocidade, abriu de rompante um baú, de onde saía uma luz cada vez mais forte. Ficou uns segundos estupefacto, maravilhado e ao mesmo tempo invadido pelo pânico. Queria partilhar este momento, mas não tinha com quem. A descoberta era magnífica e reconfortante. Com uma infinita sensação de euforia, Manuel encontra algo que para ele era um tesouro! Uma vasta coleção de obras, inéditas, manuscritos nunca encontrados nem nunca publicados, de autores prestigiados daquela época. Naquele momento, a sensação era de pequenas gotas de veneno que lhe corriam pela pele.

- Ah, quem diria, não consigo imaginar um sítio melhor para estar! - disse Manuel com uma voz repleta de emoção. Como se fossem crises de fúria de leitura, Manuel passou horas enfiado nestas obras sentindo-se honrado e inspirado por estes livros. Fez um esforço para não adormecer, mas adormeceu a pensar que seria esta a sua missão.

- Manuel, Manuel, meu filho, onde estás? - Gritava a mãe, aflita. A voz estridente acabou por despertar Manuel que, num salto desarticulado, o conduziu à sua mãe, que dizia:

-Manuel, o que terá acontecido? Está tudo a reconstruir-se novamente, como se fosse magia! Admirado, apercebe-se que o edifício estava totalmente novo. Demonstrando sensatez, manteve-se em silêncio sem revelar o que acontecera naquela tarde. Percebeu, neste momento, qual era a sua missão. Manuel confiou em si próprio e nas suas habilidades de leitura para salvar um espaço de cultura, onde a magia e a força inspiradora dos livros lhe deram poder para tal.

E assim nasceu o Theatro Circo

Valéria Yuzinkevych

Numa cidade com séculos de História, com uma forte presença de monumentos que o comprovam, habitada por milhares de jovens empreendedores com histórias fascinantes e revolucionárias, sobressai na linha da frente a filha do Presidente da Câmara Municipal, Artur José Soares, que recebe como herança o património do avô materno, um espaço muito disputado por vários empresários pela boa localização na principal avenida da cidade.

Maria, uma jovem com uma visão cultural da sociedade e com uma ligação muito forte à sua cidade e aos bracarenses, quer proporcionar aos seus conterrâneos a vivência de experiências culturais inesquecíveis. O poder económico suscita-lhe a ambição de fundar uma casa de espetáculos no espaço que herdara. Para levar a cabo o seu projeto, planeou uma reunião com o Presidente da Câmara que, após a exposição da sua filha e na qualidade de munícipe, discordou de imediato da sua proposta. Depois de muitos meses de luta, conseguiu convencer o pai que se tornou, em 1906, o líder do grupo de bracarenses que idealizou o Theatro Circo.

O arquiteto mais conhecido pela sua competência e inovação, na época, João de Moura Coutinho, iniciou o projeto em 1911. Em 1915, inaugurou-se o edifício numa cidade em pleno desenvolvimento económico e social, expandindo-se, assim, a vertente cultural impulsionada por Maria.

Esta continuou a desenvolver o seu projeto dinamizando o espaço com sessões diárias, não sendo, no entanto, uma jornada fácil, numa sociedade em que as ideias liberais e feministas eram rejeitadas. Maria tenta inverter este ideal machista através da arte, da cultura e os seus espetáculos começaram a ser alvo de muitas críticas negativas na comunicação social e os maridos proibiam as esposas de frequentarem o teatro. O público não aderiu muito a esta "revolução sociocultural" e as receitas não davam para cobrir as despesas.

Desesperada, Maria pede auxílio a uma amiga de infância que tinha um dom para o entretenimento e que lhe sugeriu criar uma sessão de índole popular, aos fins de semana, à noite. Apesar de contrariada, Maria aceitou esta sugestão, mas, apenas por razões financeiras, instituiu a noite do karaoke, do folclore e das danças. As sessões foram um estrondoso sucesso, o público acorria para ver os espetáculos e a situação económica restabeleceu-se.

Maria não se sentia realizada porque o seu projeto inicial se alterou significativamente, no entanto, a sua obra ainda permanece viva na cidade de Braga.

O Theatro Circo, ao longo dos tempos, tentou readaptar-se a novas necessidades, mas não conseguiu resistir à concorrência de novas salas de cinema, sendo, hoje, a maioria do capital acionista da Câmara Municipal de Braga que oferece aos seus munícipes uma programação diversificada.

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