Café Vianna

"OLHAR BRAGA" - Património local e escrita criativa

Estes trabalhos, integrados nas Jornadas Europeias do Património 2018 - "Partilhar Memórias", em parceria com a Câmara Municipal de Braga, encontram-se editados em Brochuras.

Café Vianna

Miles

Cláudia Pereira
Guilherme Barbosa
Joana Araújo

Era noite de lua cheia. Estávamos, como combinado, à entrada do Palácio Dos Biscainhos que pertencia aos condes de Bertiandos, uma família aristocrata, célebre na cidade pela sua riqueza. Faltava um quarto para as dez e esperávamos a chegada dos guardas-noturnos. Assim que chegaram, tratamos logo de dar início ao nosso plano.

Logo que entrámos no Palácio, ficamos deleitados com tanta beleza, desde os tetos luxuosos às paredes decoradas com imponentes painéis de azulejos. Subimos a escadaria até ao segundo andar e seguimos o corredor estreito e sombrio que nos levava à capela. Estávamos a poucos momentos de concretizarmos o nosso objetivo.

Estava ali mesmo, à nossa frente: o móvel Oratório! Era decorado a talha dourada, tendo no seu interior a Custódia, tal e qual como a tínhamos idealizado.

Com celeridade, pegamos na Custódia e corremos em direcção às escadas exteriores que nos levavam aos jardins, um vasto espaço, de aproximadamente um hectare, enriquecido com diversas fontes e esculturas barrocas. O espaço era tão deslumbrante que não era de admirar que, no reinado de Luís I de Portugal, tenha merecido a honra de ser visitado pela família real. Avançamos a vedação e corremos em direcção aos nossos cavalos.

Mais um assalto bem sucedido! Arrisco-me a dizer que foi dos nossos melhores ataques. Certamente, o país não se esquecerá de nós, o Grupo Miles.

Um século passou e hoje sou eu a tomar as rédeas do Grupo Miles, criado pelo meu bisavô. Confesso que o bem da herança que mais me desperta atenção é a Custódia dos condes de Bertiandos, roubada ao Palácio dos Biscainhos num assalto primoroso. Na tarde chuvosa de quinta- feira, tínhamos marcada uma reunião do Grupo Miles na nossa sede, o Café Vianna, um café na Arcada, muito requintado e frequentado pela alta burguesia bracarense. O café, que até já foi uma espécie de banco, funciona como clube social e salão de jogos e há noite como bar. A seguir à 1ª Guerra Mundial, não havia trocos em Braga e o café Vianna dava senhas que as pessoas trocavam por artigos, por exemplo, na mercearia. O seu interior é ainda mais fascinante que a sua história, desde as enormes portas de ferro espelhadas que dão entrada ao café, aos amplos espelhos rebocados a dourado que cobrem as paredes. O chão forrado a azulejos com insígnias, as mesas de design clássico e as inúmeras poltronas encarnadas, tudo oferece um maior conforto aos clientes. À hora combinada, todos os elementos foram chegando. Misturados com os restantes clientes, ninguém suspeitaria que éramos o Grupo Miles, um grupo perigoso e "famoso" pelos seus assaltos, que fazia do café Vianna a sua sede.

Sem levantar suspeitas, sentamo-nos numa mesa ao fundo da sala, fizemos sinal à D.Carla, a empregada mais simpática da "casa "; com a cortesia usual, de imediato se dirigiu até nós e anotou o nosso pedido, como já era habitual.

Finalmente saciados, demos início à reunião.

- Entrou em contacto comigo um contrabandista especializado em antiguidades e fez-nos uma proposta tentadora para a compra da Custódia.- Informou Verónica aos restantes membros.

Apesar de algumas caras de espanto e indignação inicial, todos acabaram por concordar com a proposta feita pelo contrabandista a Verónica.

A Custódia acabaria por ser leiloada na fronteira espanhola, no mercado negro.

Nesse leilão, só pessoas do alto estatuto social estariam presentes. Entre elas, António Augusto Nogueira da Silva, descendente de uma família da burguesia bracarense, ligada ao comércio e à área financeira. Nogueira da Silva era um grande apreciador de arte, fortemente ligado ao estado salazarista.

No dia do leilão, Nogueira da Silva ficou imensamente interessado na Custódia. Logo que teve oportunidade, ofereceu uma exorbitante quantia de dinheiro. A sorte acabou por estar do seu lado e conseguiu ficar com ela.

Nogueira da Silva era casado com Maria Eugénia há 20 anos a quem oferecia muitas das peças de arte que comprava. Unia-os um amor puro, sincero e harmonioso e poucos são aqueles que vivem um amor assim.

A notícia que Nogueira da Silva tinha adquirido uma nova peça de arte religiosa correu a cidade bracarense e a sua periferia. Quando o Grupo Miles percebeu que a "sua" Custódia tinha sido comprada por aquele ilustre bracarense, todos tiveram o mesmo pensamento: Nogueira da Silva era o alvo certo para o Grupo Miles pois era possuidor de uma grande fortuna e de uma mansão com objetos valiosos importados de todo o mundo, avaliados numa enorme fortuna. No mínimo, conseguiriam "reaver" a Custódia ...

Nogueira da Silva iria ausentar-se da cidade por uns dias, em virtude de uma reunião com o executivo português na Capital; era a altura perfeita para o Grupo Miles atacar. Com Nogueira da Silva ausente, a casa seria fácil de assaltar visto que, quando ele se ausentava, levava consigo todos os seus empregados e seguranças pessoais. Logo, a casa ficaria desabitada. Tudo favorecia o Grupo Miles, até que surgiu uma notícia avassaladora que poderia alterar os planos: Maria Eugénia não iria acompanhar o marido nesta visita à Capital.Com Maria Eugénia em casa, o Grupo não poderia atacar.

Depois de se reunirem e pensarem no assunto, chegaram a consenso. Maria Eugénia era uma "pedra" demasiado grande no caminho do Grupo Miles e teria que ser retirada para que o plano decorresse conforme pretendiam. Não foram precisos muitos dias para que da teoria se passasse à prática. Maria Eugénia teria de ser eliminada de forma misteriosa - um envenenamento seria perfeito. Para isso, Verónica encarregou-se de ir comprar umas saquetas de chá à mercearia Meira e Silva, do Sr. Manuel, no Campo da Vinha. Lá podiam-se comprar chás importados de todo o mundo, principalmente do Oriente e de que Maria Eugénia era apreciadora.

Adulterando a composição do chá, adicionando gotas de um veneno fatal, Maria Eugénia teria morte imediata logo que o ingerisse. Verónica e o restante grupo com os seus truques e manhas conseguiram entrar na cozinha de Nogueira da Silva e substituíram o chá habitual, que seria servido a Maria Eugénia, pelo chá adulterado com veneno. O chá foi servido a Maria Eugénia e foram precisos apenas dez minutos para que ela sucumbisse. O caos instalou-se na casa de Nogueira da Silva.

Dias depois da morte da sua amada e depois de lhe ter prestado o seu luto, Nogueira da Silva partiu para a capital, como estava previsto.

Era nessa noite que o Grupo Miles iria atacar. Marcaram encontro, junto à entrada da mansão de Nogueira da Silva. Faltava um quarto para a meia noite. Estava tudo a postos para dar início a mais um assalto que tinha tudo para ser genial.

Com Maria Eugénia eliminada, a casa estava vazia, só se ouvia o som do vento a soprar nas árvores e arbustos que decoravam o majestoso jardim.Com aceleradas passadas, o grupo entrou na mansão, com Verónica a indicar o caminho aos restantes.

Quando estavam quase a concluir o assalto e se dirigiam à última divisão da casa, uma sala perto da biblioteca com um móvel de castanho envernizado da época de Luís XIV. Qual não foi o espanto do grupo quando viram um objeto em cima do venusto móvel: era a majestosa Custódia e, por alguns segundos, todos a admiraram até que um súbito barulho os sobressaltou...

Era Nogueira da Silva acompanhado por militares armados e pela PIDE (policia militar de defesa do estado). Como nos teriam descoberto?

Rendemo-nos de imediato, não tínhamos escapatória possível. Depois de anos de experiência a planear e a efetuar extraordinários assaltos, fomos apanhados!

Será o fim do Grupo Miles? Não! a nossa história não acaba aqui, ainda temos muitos golpes para dar e ataques para planear.

Estejam atentos!


O AMOR PROIBIDO DE CONSTANÇA

Ana Cardoso
Fátima Gonçalves
Joana Ramos


Quero contar-vos a história da minha vida. Chamo-me Constança e, na altura dos factos, tinha cerca de 20 anos e vivia com os meus pais, os condes Afonso e Beatriz de Bertiandos, num palácio conhecido em Braga, o palácio era enorme, talvez o maior palácio de Braga, com grande número de divisões: átrio, escadaria azulejada, sala de entrada, salão nobre, capela, salão de música e de jogos, sala de jantar, claustro, cozinha, cavalariças, entre outras, sendo rematado por um grande jardim externo.

Numa tarde de Primavera, dia 21 de abril, estava a preparar-me para um jantar que iria ser muito importante para o meu futuro, mas mais para a frente saberão do que se tratará...

- Dilda! Podes chegar aqui por favor?

Dilda era a minha dama de companhia, ela ajudava-me em tudo, a vestir, a pentear, fazia até o papel de conselheira, era uma segunda mãe para mim.

-Sim, querida, de que precisas?

-Ajudas-me a escolher o vestido ideal para logo?

Enquanto escolhíamos o vestido, idealizávamos como seria o duque.

Duque?! Perguntam vocês; sim ia jantar com o escolhido pelos meus pais para se casar comigo e não conseguia parar de imaginar como ele seria.

-Como achas que ele será, Dilda? Imagino um rapaz, lindo, educado, gentil ... achas que ele terá olhos azuis? Castanhos? Será loiro, ou um moreno charmoso?

-E se ele for totalmente o contrário do que estás a imaginar? Feio, arrogante, sem classe e desinteressante...

Escolhida a roupa, segui para o Salão de Música e de Jogos para a minha aula de piano. Depois da aula fui ler um livro para o jardim. O jardim do palácio era o meu espaço favorito: flores variadas e coloridas em todas as épocas do ano, algumas árvores exóticas, e até uma casa na árvore que eu frequentava para dedicar à leitura. Todas as manhãs, passeava no jardim para respirar o ar puro cheio de aromas que a natureza envolvente me oferecia. Ali, sentia um grande conforto interior.

Nesse dia, a leitura foi interrompida por Zacarias que se dirigia às cavalariças com os nossos cavalos (o meu pai gostava muito de cavalos).

-Menina já viu as horas? Já deveria estar nos seus aposentos.

Percebi que já estava a anoitecer e apressei-me. Dilda já deveria estar à minha espera.

-Despacha-te, Constança, já estás atrasada!

Apressadamente coloquei o vestido e os sapatos enquanto Dilda me fazia um lindo penteado.

Ouvi a carruagem a chegar e desci, para receber o duque juntamente com os meus pais.

A minha mãe, a condessa Beatriz, era uma mulher linda, com um forte cabelo ruivo ondulado e olhos verdes; o meu pai, elegante também, tinha um olhar intenso, cor mel, e um cabelo liso escuro. Mal abriram o portão, senti um nervosinho, pois estava curiosíssima para ver como seria o duque.

Entrou, apresentou-se e fixou o seu olhar em mim. Fisicamente era alto, tinha os olhos verdes como esmeraldas e o cabelo era castanho claro; chamava-se Filipe e eu adorava aquele nome.

Já na sala de lazer, como um cavalheiro devia ser, gentilmente, ofereceu-me a cadeira para eu me sentar. Agradeci-lhe, com um leve gesto de cabeça.

Seguidamente, o duque sentou-se também com uma postura formal. Estivemos a falar, mas ... a sua conversa não me despertou interesse. Comecei a perceber que tínhamos personalidades distintas, ele só falava de si mesmo e adorava engrandecer os seus bens e o império do pai.

-Ao longo do tempo, o meu pai foi construindo uma vasta fortuna devido aos negócios que estabeleceu na Índia e nos novos mundos.

-Já vi que a minha filha e os meus futuros netos estão bem entregues ... - sussurrou o meu pai ao ouvido da minha mãe.

Depois de um curto diálogo, pedimos licença para nos levantarmos, eu e Filipe. Fomos passear para o jardim. Como acompanhava muitas vezes o seu pai de negócios, Filipe tinha aprendido a gostar de ritmos musicais diferentes, mais modernos. Sabendo que uma banda que apreciava ia tocar nessa noite, no café Vianna, convidou-me a acompanhá-lo. Os meus pais ficaram algo constrangidos, mas, depois do jantar, chamaram Zacarias para nos levar.

Era a primeira vez que entrava naquele café pois raramente saía de casa. Era amplo, repleto de espelhos de talha dourada nas paredes que os sofás vermelhos e os reposteiros punham em destaque; era um espaço agradável frequentado por muitos jovens. Também havia uma sala de jogos na parte de trás. Sentamo-nos, fomos bem recebidos e fizemos o pedido...

Para não variar, Filipe continuava a gabar-se ... então, farta da sua conversa, disse-lhe que ia apanhar ar. No momento em que abri a porta, um dos músicos esbarrou comigo e houve uma troca de olhares difícil de descrever e uma química inexplicável ...

Quando voltei para dentro, a sala estava na penumbra e os músicos tocavam algo romântico pelo que percebi. Já era tarde e decidimos voltar; Filipe deixou-me no palácio e despedimo-nos.

Mal me deitei, não parei de pensar no músico. Dilda apareceu para saber como tinha corrido a noite.

- Então, menina, como correu o encontro?

-Podia ter corrido melhor... Filipe não é, com toda a certeza, a pessoa com quem quero passar a minha vida!

-Mas ... essa cara ..., vejo que estás muito contente! Afinal, o que se passou?

-Ah... não te escapa nada, não é?

-Conta-me lá o motivo dessa felicidade.

Resumidamente, contei-lhe o que se passara:

-Senti algo inexplicável quando me esbarrei com um dos músicos: era lindo, de cor negra, um olhar simpático, possuía um sorriso franco, cativante que me deixou sem palavras!

-Ai, ai! Os teus pais não vão gostar da decisão, menina Constança ...Mas, agora dorme que amanhã vão ser um dia longo. Boa noite!

-Boa noite, Dilda.

No dia seguinte, levantei-me, vesti-me, prendi os meus longos cabelos louros e dirigi-me à sala para tomar o pequeno-almoço. Entretanto chegaram os meus pais e conversei com eles acerca da desilusão que o duque tinha sido para mim e que não sentira qualquer afinidade por ele. O meu pai não aceitou muito bem, porém a minha mãe compreendeu perfeitamente. Nesse dia à noite, não resisti à tentação e, sem os meus pais saberem, fui ao Café Vianna para o ver. No fim do concerto, trocamos olhares e ele decidiu sentar-se a meu lado para conversarmos.

- Olá, por aqui de novo? Desde já, peço desculpa do nosso pequeno "encontrão"...

Rimos, descontraidamente.

- Gostei bastante das vossas músicas e decidi voltar.

-Já agora, como se chama?

- Constança ... e o "senhor distraído"?

-Ah! Ah! - Gargalhou - Chamo-me Inácio. Não veio com o seu namorado?

- Qual namorado?!

- Aquele que estava consigo ontem à noite.

-Ah! Sei a quem se refere, mas ele não é meu namorado... para lhe contar a verdade, estávamos a ter um encontro, que foi decidido pelos meus pais.

- Mas, então não pretende ficar com ele?

Expliquei-lhe o porquê de não o querer para noivo. Falamos durante algum tempo e, como já estava a ficar tarde, decidi regressar e Inácio ofereceu-se para me acompanhar até casa.

Quando chegámos, despedimo-nos e entrei. Voltei-me para trás quando ouvi Inácio chamar-me.

-Amanhã, podemos encontrar-nos na Fonte do Ídolo?

-Claro que sim ... então, até amanhã!

-Boa noite!

Agradeci, sorri-lhe e voltei para o palácio. Subi as escadas e dirigi-me ao quarto para dormir; tinha sido uma noite cheia de emoções. Na manhã seguinte, fiz a minha rotina habitual, mas, de tarde, decidi praticar mais tempo de piano, sentia-me inspirada para a música! Passado algum tempo, jantei, e porque não podia estar sempre a sair (era uma jovem condessa e tinha que ter um comportamento como tal), pedi a Dilda ajuda para "fugir", sem que os meus pais notassem. Mais uma vez, fui ter com ele.

Inácio já se encontrava na Fonte do Ídolo. A lua iluminava o recinto; conversamos algum tempo e, inesperadamente, ele foi buscar a viola que estava por detrás da fonte e fez-me uma serenata. Foi um momento encantador: Inácio, a serenata, o silêncio daquele monumento milenar em pedra ... Mas eu tinha que regressar. Decidimos ir para o meu jardim, entramos pelas traseiras e ficamos lá mais um pouco, até que me apercebi que Zacarias estava a colocar os cavalos nas cavalariças e podia apanhar-nos ali. Então, Inácio disse que era melhor retirar-se e ... de repente, só me lembro de sentir aqueles lindos lábios. Beijamo-nos e, a partir daquele beijo, percebi que era ele que eu queria para o meu futuro. Fui-me deitar e não parei de pensar nos acontecimentos daquela noite; cada vez tinha mais vontade de estar com ele.

A partir desse dia, continuamos a encontrar-nos e, numa noite de verão, ele convidou-me para ir assistir a mais um concerto que ia fazer no Café Vianna. Dedicou-me uma música juntamente com asua banda e a mascote (a mascote era um boneco que o Café Vianna adotou e com a qual procurava homenagear a banda: era de cor negra e vestia igual aos membros da banda de Inácio). No final, a banda parou e Inácio pediu-me que chegasse mais perto e ajoelhou-se para pedir a minha mão. Confusa, saí a correr; Inácio veio atrás de mim, pegou-me no braço, abraçou-me e nesse momento, não contive as minhas lágrimas.

-Desculpa, os meus pais não vão aceitar esta relação. Não devíamos ter continuado com estes encontros ....

-Constança, eu amo-te! Independentemente de os teus pais não aceitarem a nossa relação, nós temos de tentar.

- Tens razão. Quando estiver preparada, falo com os meus pais, até lá mantemos a relação em segredo...

Inácio concordou e estivemos dois meses assim.

No dia 15 de setembro, no meu aniversário, Inácio fez-me uma visita, à noite, no jardim do palácio. Zacarias espiou-me e contou o que tinha visto aos meus pais, mas eu só o soube no dia a seguir. Na manhã seguinte, os meus pais disseram que queriam falar comigo. Ambos estavam com sérias e fortes expressões, o que me fez perceber logo do que se tratava. Nesse momento, parecia que o meu mundo tinha desabado. Tive uma forte discussão com eles, o meu pai estava totalmente em desacordo com a nossa relação.

- O que achas que vão pensar de nós ao ver a filha do conde de Bertiandos com alguém que nem pertence sequer à burguesia? Para além do mais, é negro! Onde já se viu tal disparate?

- Pai, o senhor está a ser injusto! Só quer saber do que pensam acerca de si e não quer saber da felicidade da sua única filha! Acha isso correto? Quer ver-me casada com alguém que me deixe infeliz? Parece que sim...

Saí dali a correr e fui chorar para o meu quarto. Ao jantar, já estávamos mais calmos e pedi-lhe uma oportunidade para conhecer Zacarias. Podia ser que mudasse a sua opinião acerca dele e que se apercebesse do quanto ele me fazia feliz. O meu pai nem me respondeu, estava muito zangado comigo.

Andei uma semana completamente desolada, sem chão, não falava com ninguém, nem mesmo com Dilda. Já não passeava de manhã no jardim para respirar o ar puro da natureza e quando olhava pela janela ainda me lembrava do local onde estivera com Inácio. Não parava de pensar nele, os nossos momentos não me saíam do pensamento, estava cheia de saudades, mas o que me entristecia mais era o facto de o meu pai não querer saber da minha felicidade e estar apenas preocupado com o que os outros iriam pensar. Evidentemente, o meu pai reparou que eu andava bastante triste e, um dia, apareceu no meu quarto para conversarmos.

- Bom dia, filha, podemos conversar?

- Se for por um bom motivo, sim... - disse eu, desinteressada.

- Reparei que tens andado muito em baixo e penso que possa ser pela ausência de Inácio... Estive a pensar bastante e vou dar-te a oportunidade de trazeres Inácio cá a casa para o conhecer.

- Muito obrigado, pai, vai adorá-lo. Tenho a certeza!

Parece que o meu sorriso contagiou até o ambiente ao meu redor, um sol nasceu no meu quarto, desci as escadas e pedi a Zacarias que me levasse à cidade para contactar com Inácio e convidei-o para jantar em casa com os meus pais. Ele ficou muito contente.

Nessa noite, fui eu própria abrir o portão a Inácio. Ele estava lindo, com um fato azul escuro, camisa e borboleta branca a sobressair. Abracei-o de imediato. Seguimos para a sala de jantar, apresentei-o aos meus pais e sentamo-nos todos. A conversa estava a fluir muito bem sobre viagens, política, música ... o meu pai estava a adorá-lo (tal como eu tinha previsto), até já estavam às gargalhadas! Os meus pais gostaram bastante dele e perceberam que era um bom partido para mim.

Passado cerca de um ano casámos e os meus pais não podiam estar mais felizes ao ver-me feliz também. Hoje temos dois filhos lindos, a Leonor e o Dinis, ambos bastante parecidos com os avós paternos e maternos e são uns meninos muito adoráveis. Se não tivéssemos ultrapassado os preconceitos e as dificuldades, não teríamos chegado à verdadeira felicidade.

Ah! Já me esquecia de vos dizer que, todos os anos, festejamos o aniversário do nosso abençoado "encontrão" no acolhedor Café Vianna, sob o olhar cúmplice da mascote ...

© 2018 Laura & Henrique. Todos os direitos para um dia bonito reservados
Desenvolvido por Webnode
Crie o seu site grátis! Este site foi criado com a Webnode. Crie o seu gratuitamente agora! Comece agora