Em Diálogo com a Literatura

Olhar Braga

"Em Diálogo com a Literatura"

A Literatura, o Património bracarense e a escrita criativa

Em 2017-2018, a Biblioteca Escolar e a Área Disciplinar de Português lançaram o projeto Olhar Braga destinado a alunos do 10º ano, desafiando-os a darem provas da sua criatividade, produzindo histórias que envolvessem espaços museológicos e comerciais que tinham visitado na cidade.

No ano seguinte (2018-2019), o repto lançado a alunos de 10º ano (10º1, 10º3, 10º4, 10º5, 10º7, 10º9 e 10º 10) foi idêntico, associando o conhecimento do património local com a escrita criativa. Para os alunos de 11º ano (11º1, 11º2 e 11º5) foi mais ambicioso: para além de referirem os espaços visitados (sempre numa perspetiva de lhes dar o relevo que a globalização e o desconhecimento ofuscam - e que tantas vezes levam ao seu desaparecimento!), os alunos deveriam também estabelecer um diálogo entre os textos a produzir e as obras literárias estudadas[1] no programa de Português do 11º ano que lhes serviriam de hipotexto. Para além de fomentar o gosto pela leitura dos grandes autores, este trabalho de intertextualidade permitiu-lhes também uma reflexão e abordagem atualizada de questões transversais e intemporais da condição humana referidas na literatura. Para o efeito, foi dada aos alunos a possibilidade de escolherem um ou mais dos espaços visitados em Braga, uma ou mais obras e de reinventarem ou darem continuidade aos enredos, às personagens ou às temáticas.

Queremos agradecer a colaboração, dada na fase de preparação, do Dr. António Mendes, que proporcionou aos alunos de 10º ano a "Oficina de Escrita Criativa". Agradecemos, também, a simpatia com que os responsáveis dos diferentes espaços receberam os grupos de jovens e, finalmente, realçamos a excelente oportunidade que a Câmara Municipal, na pessoa da Dra. Lídia Dias, nos proporcionou ao disponibilizar a impressão destas brochuras.

E, mais uma vez, os trabalhos produzidos pelos nossos alunos de 10º e 11º anos revelam a capacidade criativa dos nossos jovens e são motivo de imenso orgulho para todos nós - para a Escola/Agrupamento, para os espaços visitados e para a "personagem principal" - a cidade de Braga!

Delicie-se, caro leitor!

[1] Frei Luís de Sousa, Almeida Garrett; Amor de Perdição, Camilo Castelo Branco; Os Maias, Eça de Queirós;

O Livro de Cesário Verde, Cesário Verde

Amor de gerações

Ana Rita Duarte
Diana Silva
Mafalda Araújo
Pedro Rodrigues

Tendo descoberto que eram irmãos e que o destino lhes pregara uma tremenda partida, Carlos da Maia e Maria Eduarda não tinham outra hipótese senão fazer de conta que nunca se tinham conhecido, esquecerem-se e seguirem com as suas vidas.

Maria Eduarda casou-se com um senhor francês, Mr. de Trelain, com quem ficou a viver em Paris. Carlos viajou pelo mundo, regressando a Portugal dez anos depois, onde refez a sua vida com um novo amor. Não houve, e nem poderia haver!, qualquer outro encontro ou manifestações do intenso amor que os unira.

Passaram-se cento e cinquenta anos. Passaram-se três gerações. O amor, o contacto entre os dois irmãos ficou perdido no tempo, ficando as gerações futuras sem saber da existência da outra parte da família.

***

Salvador de Trelain era um homem moderno, divertido, sendo ao mesmo tempo um autêntico cavalheiro, um homem amável, com quem era fácil simpatizar. Era alto, moreno, de olhos verdes, corpo atlético e de bom porte. No antebraço via-se ainda uma tatuagem de espinhos que realçava o seu charme. Ele era capaz de conquistar quem queria com um simples olhar e, se este não chegasse, com a sua conversa.

Tinha uma vida calma, ou melhor, controlada. Era formado em medicina e o pouco que já trabalhara, devido ao seu alto profissionalismo, chegava para ter uma vida abastada já para não falar da fortuna que, anos mais tarde, iria herdar da sua família.

Devido à sua experiência em medicina, Salvador recebeu uma proposta irrecusável para ir trabalhar para Portugal. Apesar do seu bem-estar financeiro, a proposta era mesmo irrecusável pelo reconhecimento que ganharia e, sobretudo, por estar farto da sua vida monótona, uma vez que os seus amigos estavam espalhados pelo mundo. Então, decidiu aceitar a proposta de trabalho no Hospital de Braga.

Quando Salvador chegou, devido ao seu renome, foi organizado um grande jantar de boas-vindas. No jantar, Salvador reparou numa mulher encantadora entre os convidados. Gabriela, mulher de estatura mediana, olhos castanhos cor-de-mel, uma adorável rapariga de aparência doce, acabava de deixar Salvador completamente encantado. Decidiu então perguntar a Arnaud, um médico seu amigo e o responsável pela sua vinda para Braga, quem era aquela mulher. Arnaud informou logo Salvador que Gabriela era uma mulher complicada e, embora ele tivesse a arte de derreter vários corações, ela era uma mulher difícil de ser conquistada. No entanto, Salvador, convicto das suas capacidades, audaciosamente passou à ação e chegou perto dela:

- Estás a ver esta tatuagem? ̶̶ Perguntou ele, apontando para o seu antebraço onde se via nitidamente a tatuagem de espinhos.

- Sim ... Olá para ti também - disse Gabriela do modo mais frio que se pode imaginar.

- É da barreira de espinhos que tive que atravessar entre nós os dois para quebrar o gelo - disse Salvador com o seu sorriso confiante e provocador.

Gabriela, embora não o quisesse admitir, sentia que Salvador tinha despertado uma chama dentro de si. No entanto, decidiu deixá-lo plantado, dizendo-lhe apenas boa noite e foi-se embora sem qualquer hesitação, mas com um pequeno sorriso que procurava disfarçar.

A festa acabou. Salvador não conseguia tirar Gabriela do pensamento nem o rosto dela que ficara bem gravado na sua mente.

Arnaud convidou Salvador para, no dia seguinte, conhecer a belíssima cidade de Braga, conhecida mundialmente pela arte barroca. Arnaud mostrou a Salvador monumentos como o Bom Jesus e a Basílica do Sameiro, que se localizam na periferia de Braga, deixando para último o centro da cidade: a Avenida Central e a Arcada, o Arco da Porta Nova, o Jardim de Santa Bárbara e a Sé de Braga. Salvador ficou fascinado com a grande beleza da cidade.

- Uau, Arnaud! Estive em grandes cidades, venho de Paris, mas esta cidade encanta-me... sei lá porquê...

- Quem te encantou foi a cidade, ou as "mulheres" que nela encontraste? - questionou logo Arnaud em tom irónico.

Salvador apenas esboçou um sorriso discreto.

Continuaram o passeio. Salvador observava cada recanto como quem procura algo. No fundo, tinha a esperança de encontrar aquela mulher que o encantara no dia anterior. Aliás, Braga não era uma cidade assim tão grande, pelo contrário, era uma cidade pequena e acolhedora. Encontrar alguém não seria difícil.

- Vamo-nos sentar aqui e tomar um café no Vianna, junto do chafariz. Estou a começar a ficar cansado.

- Por que não?- acedeu Salvador, olhando à sua volta.

Aproveitaram aquele momento para pôr a conversa em dia e contaram o que haviam feito das suas vidas na ausência um do outro.

- Diz-me, França, Paris... como está tudo por lá? Há cinco anos que deixei aquela cidade e apenas fui lá no Natal. Pouco deu para perceber como as coisas estão.

- Tudo igual, muito movimento, muitos turistas, as mesmas pessoas, os mesmos desacatos, o mesmo ritmo frenético. No fundo, já estava farto! Apesar da sua beleza, Paris não é mais um sítio onde queira viver. - respondeu Salvador, pausando o seu discurso, enquanto bebia um gole do seu café - Nunca entendi o porquê de teres escolhido Braga, Arnaud. Quando me disseste que ias ganhar o mesmo, eu próprio duvidei da qualidade, mas pelo que vejo, Portugal é um país acolhedor e Braga tem uma ótima qualidade de vida, temos tudo o que é preciso perto de nós!

- Sim, de facto é... - concordou Arnaud com um sorriso convicto, enquanto bebia também o seu café - Mas conta-me como está Madame Stéphanie de Trelain?

- A mesma lady de Paris. Ela não ficou lá muito contente com a minha partida. Sou filho único, custou-lhe ver o filho partir...

- Sim, sempre foi uma mãe muito...

O olhar repentinamente fixo de Salvador fez com que Arnaud interrompesse a frase. Voltou-se e avistou Gabriela que ia em direção à rua...

- É a minha oportunidade! - disse Salvador, confiante.

- Salvador, eu sou amigo dela, foi das primeiras pessoas que me acolheu, mas porque sou gay, como sabes, e não tenho nenhum outro interesse nela além da amizade. Para ela, homem heterossexual é sinal de dor. E depois, tu?! Convencido como és...

- Pouco importa, vou conquistá-la ou não me chame Salvador de Trelain!

E lá foi ele. Entrou na perfumaria Yntenzu atrás dela e pôs-se a observá-la sem que ela se apercebesse. Na loja, onde boiavam suaves aromas, decorria numa espécie de apresentação dos produtos da fábrica Confiança, uma marca de sabonetes muito antiga e conceituada, de que eram representantes na cidade.

- Neste espaço, para além de poderem comprar os produtos da Fábrica Confiança e que são usados até por estrelas de cinema, vocês próprios podem criar o vosso perfume, combinar os aromas até terem o vosso aroma ideal - informava a empregada da perfumaria.

Nesse mesmo instante, Salvador aproximou a sua boca do ouvido de Gabriela e sussurrou:

- Sabes que se quiseres o meu perfume, eu posso-te dizer qual é, não precisas de tentar criar um que te faça lembrar de mim...

Ela olhou para trás, sorriu... mas, imediatamente, fez uma cara séria, dizendo:

- Por amor de Deus...! Não tens mais nada que fazer, não?! - protestou ela enquanto se afastava daquela multidão e se dirigia para o local onde estava o seu perfume habitual.

- Não me dás um pouco desse teu perfume para me lembrar de ti? - perguntou Salvador num tom provocador.

- Sabes o que te vou dar? Espera...

Gabriela comprou os seus perfumes, saiu e entrou na loja em frente, a Casa dos Terços. Era uma loja de comércio tradicional onde se podiam encontrar vários artigos religiosos, desde crucifixos, terços, imagens de santos, ...

- Quanto custa um terço?

- Um euro e noventa, por favor.

- Obrigada!

De um modo rápido, Gabriela pegou no terço e entregou-o bruscamente a Salvador.

- Aqui tens, porque para me teres, é melhor esperares sentado e a rezar! A rezar muiiiitooo! ... _ acrescentou em tom de aviso.

Salvador ficou boquiaberto... Nunca outra mulher tinha recusado o seu amor.

Passados uns dias, já no hospital, no bar onde todos os funcionários tomavam qualquer coisa antes de começar a trabalhar, os dois voltaram a encontrar-se. Salvador tinha dito ao coordenador da Cardiologia que gostaria de ter Gabriela como sua "guia", uma vez que ambos eram cardiologistas e ela já tinha feito esse trabalho com Arnaud, pedido ao qual o coordenador acedeu prontamente.

- Parece que vamos ter que passar um tempo juntos!- exclamou Salvador.

- Enfim, devo ter mesmo muitos pecados! - suspirou ela.

A verdade é que isto os fez aproximar. Gabriela descobriu que, por trás daquele homem convencido, estava um homem interessante, um homem que lhe agradava em alguns aspetos. Eles estavam sempre juntos no hospital, trabalhavam na mesma secção, tinham pacientes em comum, chegavam a almoçar juntos, por vezes até jantar. Salvador, com o seu humor, fazia sorrir aquela mulher com um coração de gelo. Já eram amigos. No entanto, ela nunca tinha dado hipóteses para mais do que uma amizade e, apesar de já não ser tão fria como fora no início e de demonstrar algum interesse, ela não confiava nele no aspeto sentimental, achava-o um homem superficial.

Certo dia, no bar do hospital, Arnaud aproximou-se de Gabriela e disse-lhe sorrindo:

- Conheço-te o suficiente para saber que estás interessada no meu caro amigo Salvador!...

- Sabes a minha opinião sobre os homens como ele... - defendeu-se rapidamente Gabriela.

- Homens como ele?!- questionou Arnaud.

- Sim! Um homem que só se importa com ele, com mais ninguém, que por baixo daquele porte, daquele charme, não está nada de mais, eu diria lixo, talvez... é apenas engraçado para me distrair, para ser meu amigo, não vou ter a audácia ou a imprudência de ambicionar mais... - disse ela de modo convicto.

- Queres ver como estás enganada?! - questionou, desafiador, Arnaud.

De imediato, pegou no tablet e mostrou um email a Gabriela: "Agradecemos a Arnaud Lloris e a Salvador de Trelain pelo seu generoso contributo para o Instituto Monsenhor Airosa, sem o qual não teríamos realizado muitos dos nossos projetos de apoio às crianças e jovens que precisam da proteção e orientação que as suas famílias não podem proporcionar".

Aquela revelação provocou uma forte impressão em Gabriela. Um homem como ela descrevera nunca teria atitudes como aquela. Conhecia bem o Instituto Monsenhor Airosa. Aliás, fora graças a essa instituição que tivera um teto, afeto e a formação que lhe tinha permitido trabalhar e ganhar o seu sustento enquanto se formava. Sorriu, interiormente satisfeita, e acabou por se convencer de que poderiam ter uma oportunidade.

O tempo foi passando e o coração dela foi derretendo como manteiga. Estavam cada vez mais apaixonados um pelo outro, mas nenhum dos dois dava o primeiro passo.

Chegou o aniversário de Gabriela. Ele já sabia o que lhe queria dar. Ela era uma cliente assídua da Yntenzu pois, desde que experimentara aqueles perfumes, nunca mais quisera usar outros. Por isso, foi à perfumaria comprar o seu perfume preferido. Ao fim da tarde, levou-a ao ponto alto da cidade de Braga, o Picoto. Fizeram uma espécie de piquenique e ele deu-lhe o presente.

- O meu preferido! - Disse ela surpreendida - faz-me lembrar de quando te dei aquele terço que já deve estar sei lá onde...! - Acrescentou com uma gargalhada.

- Por acaso...

Salvador interrompeu a sua fala, desabotoando dois botões da camisa e mostrando o terço em volta do seu pescoço, por cima de um colar donde pendia um coração partido.

- Guardaste... - dizia Gabriela com o olhar fixo e pensativo naquele outro pendente - esse pendente ... eu tenho um igual, olha! - E mostrou-lhe a sua pulseira; os dois ficaram surpreendidos com aquela coincidência.

- O meu pai contava-me a história de uma tetravó minha que tinha tido uma paixão enorme por um tal Carlos Eduardo da Maia, mas que não a pôde viver e da qual apenas restou este pendente... - disse Salvador enquanto mexia no coração partido.

Carlos da Maia e Maria Eduarda tinham guardado aqueles pendentes, para poderem ficar com uma pequena lembrança um do outro. Queriam que os filhos primogénitos de cada geração os herdassem na esperança de que um dia os seus netos ou bisnetos se reencontrassem e pudessem talvez viver a história de amor que eles nunca puderam concretizar. E o mesmo destino que os separara juntava agora os seus descendentes.

Gabriela e Salvador casaram pouco tempo depois na capela do Instituto Monsenhor Airosa, instituição à qual ambos se sentiam ligados e que continuaram a apoiar na sua meritória ação de solidariedade social.

Pecado de Amor

João Fernandes
Matilde Velo
Marta Silva
Miguel Coelho

7 de dezembro de 2018,

Hoje é o meu primeiro dia no instituto Monsenhor Airosa...

- Isto é mesmo necessário, Lara?

- Óbvio, és dos primeiros rapazes a vir para o instituto! Um dia alguém vai encontrar este diário e vai saber como foi a tua experiência. Acredita, já li a maior parte dos diários das irmãs que estiveram aqui e adoro as histórias delas.

Apesar das palavras da Lara, o João não acreditou que um dia alguém fosse querer perder tempo a ler a sua história. Afinal, ele era apenas um rapaz que não tinha casa nem família.

- Olha, no outro dia encontrei este no meu novo quarto. Estava escondido numa parede por trás da cama. Alguém não queria que o encontrassem. Ainda não o li. Queres fazer as honras?

Lara entregou-lhe um diário com a capa já um pouco descorada mas onde ainda se conseguia ler o nome da pessoa à qual pertencera.

Teresa Angélica, 1897.

O João abriu a primeira página, muito devagar, quase que parecia que receava a saída de um monstro daquele diário, mas a presença da sua nova amiga deu-lhe confiança. Já ansioso e entusiasmado pelo que poderia encontrar naquelas palavras, o João começou a ler em voz alta:

4 de maio de 1897,

Hoje fui à sala de tecelagem mas algo estranho aconteceu. Terça-feira é o dia em que nos juntamos as quatro na tecelagem, eu, a Júlia, a Maria e a Rosa, mas a irmã Júlia não apareceu. Já não a vejo há uma semana e isso não é normal. Algo se passa... As outras irmãs dizem que ela deve ter ido para um retiro mas ela nunca iria sem se despedir. Então resolvi escrever sobre o assunto, conforme me aconselharam, para ver se o esqueço.

- A irmã Teresa estava preocupada com a sua amiga. O que achas que lhe aconteceu? - perguntou o João.

- Não sei, continua a ler!

O entusiasmo da Lara foi interrompido, alguém os chamava para comer, era hora de jantar. Levantaram-se os dois e foram para o refeitório.

Apesar de a hora da refeição ser a hora favorita de ambos, Lara e João estavam ansiosos para voltar à sala de convívio para continuarem a ler o diário da irmã Teresa. Já não conseguiam esconder o entusiasmo, desataram a correr em direção ao seu objetivo. Sentaram-se os dois, já sem fôlego, por isso tiveram que o recuperar para que o João pudesse ler em voz alta.

5 de maio de 1897,

Não consegui esquecer o assunto, ainda hoje estive com o Padre Abel e não me contive. Tive que lhe perguntar se sabia alguma coisa da Júlia. Ele disse-me que, infelizmente, a irmã Júlia tinha adoecido o que explicaria o porquê de não se despedir. Disse também que ele e o Padre António lhe deram autorização para ser levada e tratada e que ela iria voltar quando estivesse melhor. Sendo assim, espero que ela fique melhor e que volte depressa.

Eles continuaram a ler, mas a irmã Teresa começou a descrever os seus dias a partir daí e mais nenhum pareceu fora do normal. Já era tarde e eles foram-se deitar. Lara fez o João prometer que não ia ler nada sem ela estar presente e ele cumpriu a palavra.

De manhã, juntaram-se outra vez para continuar a leitura. Ao ler, ambos sentiam como se tivessem sido transportados para o século XIX e vivessem a vida da irmã Júlia.

17 de maio de 1897,

Hoje a Maria entregou-me uma carta. Perguntei-lhe do que se tratava mas ela disse-me para só abrir a carta quando tivesse a certeza de que me encontrava sozinha. Achei estranho mas fiz o que me pedia. E mais estranho que o seu comportamento só mesmo a carta. Nela dizia que sentia que estava a ser observada e que não estava em segurança. Dizia-me para não confiar em ninguém e que achava que alguma coisa iria acontecer em breve. Amanhã, vou tentar falar com ela para descobrir o que se passa.

A página seguinte não tinha um texto mas sim um desenho, uma freira sentada num dos bancos da igreja sozinha. Lara e João imaginavam que essa freira fosse Teresa mas o que não sabiam é que não estavam preparados para descobrir o porquê de ela se sentir sozinha. Depois de analisarem o desenho, continuaram a ler:

18 de maio de 1897,

Hoje deve ser o pior dia da minha vida. Nunca pensei que me fosse sentir assim. Não sei o que fazer. Tentei encontrar a Maria para esclarecer o que a levava a sentir-se insegura mas não a encontrei. Tive esperança que ela aparecesse na sala da tecelagem visto que hoje é terça- feira, mas apenas apareceu a Rosa. Infelizmente, isto já tinha acontecido e eu não estava a gostar nada daquela sensação outra vez. Fui à procura dela mais uma vez e encontrei o Padre Abel. Ele disse que andava à minha procura, pois queria falar comigo sobre a irmã Maria. Fomos para um local mais calmo e ele sentou-se. "Lamento muito mas a irmã Maria já não está entre nós, encontramo-la de manhã, já sem vida, suicidou-se. Quis dizer lhe em pessoa antes do comunicado de amanhã. Sei que tinham uma boa relação." Foi o que ele me disse. Estas exatas palavras. Nesse momento, parecia que o mundo tinha desabado em cima de mim. Na altura, só me perguntava porquê. Por que é que ela se iria matar? Qual o motivo? Mas agora vejo que não faz sentido, não depois daquela carta que ela me deu. Algo se passou e eu vou descobrir o que foi.

- Espera um momento! A irmã Maria suicidou-se? Aqui ... no instituto?!- perguntou o João, incrédulo.

- Pelos vistos... Aliás, nessa altura ainda era conhecido como Convento da Conceição. Mas a irmã Teresa não acreditava que a amiga tivesse tirado a própria vida! - exclamou Lara.

- Pois ... também não faz sentido que a irmã Maria fosse avisar a irmã Teresa que alguma coisa de errado estava a acontecer e depois acabar com a sua própria vida... - disse o João.

- Vamos, continua, quero saber o que se passou a seguir!

19 de maio de 1897,

Contei à Rosa tudo o que se tinha passado e alertei-a, sei que a Maria disse para não confiar em ninguém, mas eu confio plenamente na Rosa. Ela disse que ia estar atenta e que íamos conseguir descobrir o que se está a passar. Vou fazer o mesmo que ela e espero conseguir perceber o que aconteceu à Maria.

20 de maio de 1897,

Talvez tenha conseguido descobrir o que está a acontecer! Hoje ia a passar quando ouvi uma discussão vinda da igreja. Aproximei-me e consegui distinguir as duas vozes. Eram o Padre António e o Padre Abel. "Não te posso proteger mais! Hoje a irmã Rosa perguntou-me se a irmã Júlia estava melhor, acho que ela está a começar a desconfiar, tal como a irmã Maria desconfiou e tu... Não te posso encobrir se fizeres a mesma coisa !" Esta voz irritada pertencia ao Padre Abel. "Teve que ser, Abel! Não a podia deixar descobrir. Nem ela nem ninguém, especialmente o Francisco." A voz do Padre Abel sobrepôs-se à do Padre António: "Nada disto teria acontecido se não te tivesses envolvido com a irmã Júlia!" Nesse momento, na ânsia de ouvir melhor, encostei-me demasiado à porta, fazendo-a ranger. Os dois padres ficaram alerta e eu tive que fugir.

Mais tarde, contei à Rosa o que tinha ouvido. Combinamos que amanhã confrontaremos o Padre Abel e o Padre António. A Rosa irá chamar o Padre Francisco visto que ele não sabe de nada. Esperemos que ele nos ajude. Entretanto, vou tentar retirar toda a verdade àqueles homens.

- Não diz mais nada! - Exclamou o João.

- Como assim não diz mais nada? - Perguntou a Lara.

- Está em branco! - Exclamou o João.

- Temos que averiguar como terminou toda esta história... temos que perguntar a alguém que esteja aqui há muito tempo ... Ah!, talvez o Dr. Alberto saiba alguma coisa. Vamos ter com ele! - disse a Lara

Foram os dois à procura do Dr. Alberto, o diretor do instituto. Estavam tão ansiosos que parecia que a vida deles dependia disso. Finalmente encontraram-no e encheram-no de perguntas. Quando viram que ele não estava a perceber nada, mostraram-lhe o diário da irmã Teresa.

- Onde encontraram isso? - Perguntou o Dr. Alberto perplexo.

- Estava escondido no meu quarto, mas isso agora não importa! Conte-nos o que aconteceu à irmã Teresa, por favor! - Implorou a Lara.

Depois do choque, o Dr. Alberto começou por explicar que a história que eles queriam saber fora o pior momento na história daquela nobre instituição, que já tinha sido há muito tempo, mas que iria ficar sempre como uma recordação negativa na história do Convento da Conceição.

Nunca ninguém soube a história pela perspetiva da irmã Teresa pois não sabiam que ela tinha escrito um diário. Mas a história que as pessoas conheciam baseava-se nos relatos da irmã Rosa e do Padre Francisco.

No dia 21 de maio de 1897, a irmã Teresa foi enfrentar os padres Abel e António enquanto a irmã Rosa foi pedir ajuda ao Padre Francisco. Quando estes chegaram à igreja onde Teresa e os dois padres estavam a discutir, já não foram a tempo de impedir o pior. Entraram e viram o Padre António empurrar a irmã Teresa que se desequilibrou e bateu com a cabeça num banco. Não se mexeu mais. Ficaram todos paralisados, especialmente Rosa que acabava de ver a sua amiga perder a vida. Finalmente, o Padre Francisco chamou a polícia que deteve os dois padres e levaram o corpo da irmã Teresa.

Mais tarde, veio a saber-se o que realmente se passara para a irmã Teresa os ter ido confrontar. O Padre Abel, arrependido de ter encoberto os crimes, acabou por confessar tudo. Disse à polícia que o Padre António matara a irmã Maria fazendo com que parecesse um suicídio dado que ela tinha descoberto que ele tinha tido uma relação com uma das suas amigas, a irmã Júlia. Supostamente, a irmã foi dada como doente, o que era mentira. A irmã Teresa esteve perto de descobrir e também não teve um final feliz. Acrescentou que o Padre António tinha tentado falar com a Júlia mas que ela lhe terá dito que iria comunicar à Diocese a situação. Já sabemos como isso acabou. Por fim, o Padre Abel disse onde o Padre António tinha escondido o corpo da irmã Júlia, confirmando assim a história toda, pois a autópsia revelou que a irmã Júlia estava grávida.

- Depois deste momento macabro, o Padre Francisco ficou responsável pela instituição e é por pessoas como ele, boas pessoas, que hoje este é um dos melhores institutos de acolhimento para jovens que não têm suporte familiar na sua educação. - Disse o Dr. Alberto.

-É uma sorte estarmos cá, João. É um bom sítio para se crescer! Temos que aproveitar ao máximo! - exclamou a Lara.

João acenou afirmativamente, agradeceu ao Dr. Alberto e saiu com a Lara. Desejaram boas noites e, depois daquele dia tão cansativo e com tanta informação para assimilar, o João foi-se deitar. Fechou os olhos e só conseguia pensar em como iria começar o seu diário na manhã seguinte. Oxalá não tivesse que falar de suicídios ... apenas dos aspetos positivos do Instituto Monsenhor Airosa. Será que, algum dia, alguém o iria ler?

O DILEMA

António Gabriel
Liandro Cruz
Ricardo Cristo
Simão Mateus

N.B. Este texto contém várias referências a determinados vídeos bastante populares na Internet por serem considerados engraçados, principalmente pelas gerações mais jovens. Caso não esteja familiarizado com o conceito, é fornecida, no final, uma lista de links de vídeos cuja consulta consideramos fundamentais para a total compreensão da história.

Esta história passa-se no século XX. Um jovem, Carlos, de cabelos finos e dourados, alto e de aspeto arruinado, acabara de se envolver numa briga com o dono da padaria Nunes. Na origem da briga esteve o facto de Carlos andar a roubar pão ao dono desta padaria há mais de dois meses (para o leitor entender o porquê destes pequenos roubos, temos que informar que Carlos se encontrava sem abrigo há algum tempo, por causa de um ruinoso investimento na bolsa americana que colapsou a 24 de outubro). Carlos tornara-se um ser humano alquebrado, sem motivo nem vontade nenhuma de continuar a respirar. Naquele dia, depois da briga com o Nunes, encontrou um panfleto que mudou a sua vida para sempre... era uma publicidade para inscrições no Instituto Monsenhor Airosa. Para entrar, só tinha de aparecer pessoalmente na instituição e inscrever-se. "Bastante simples" - pensou Carlos... mas havia um enorme obstáculo entre ele e a instituição: a viagem.

Carlos passou a noite em branco a pensar naquele dilema. Enquanto se revirava na dura calçada, questionava-se como poderia ele deslocar-se até Braga. " - Estou sem dinheiro, se quero apanhar um comboio, preciso de comprar um bilhete...qual será a melhor maneira de eu arranjar algum dinheiro e rapidamente?" Naquele momento passou um homem, alto, esguio e de cabelo grisalho, parecia aflito, talvez procurasse por algo.

- Oh "primaço", tens pastilha? É que já são 4:20! - disse o homem.

Carlos, já experiente na vida das ruas de Lisboa, respondeu:

- 'Tás a piar "pah"? Mas estás a piar, meu?! É que vou puxar deste bíceps que nem um maluco!

O homem, embora confuso com aquela reação, insistiu:

- Primo...tens droga que se arranje?

- Droga?!? Bem, disso não tenho, mas posso dar-te um pão, já está meio duro, mas come-se..."

O homem extremamente satisfeito, pensando que pão era nome de código para as substâncias que procurava, voltou-se para Carlos e, estendendo-lhe uma nota de 50€, disse:

- És a minha estimulação, és a my family, "madjé", - e afastou-se com o pão entre as mãos.

Carlos ficou estupefacto com a reação do homem, pegou na nota e guardou-a cautelosamente. Afinal, já tinha como ir para Braga!

No dia seguinte, foi até à Estação do Rossio onde apanhou o primeiro comboio para Braga. Durante a viagem foi sentado ao lado de um homem cuja aparência o intrigava, parecia importante... A conversa entre os dois não tardou e Carlos ficou a saber o nome do misterioso homem:

- José António dos Santos Mendes Cabéu, mas pode-me tratar por "Zé-Cabéu"" - disse ele. Carlos também se apresentou:

- Olá, sou Carlos da Maia, nascido e criado em Lisboa e sou formado em mecânica, mas também já andei no roubo...coisas da vida...

Zé-Cabéu, interessado, perguntou:

- Onde moras, Carlos? Em Lisboa suponho, mas onde?

- In the house of the night -disse Carlos, rindo - Neste momento, não tenho onde morar, fiquei sem abrigo depois de me aventurar na bolsa dos EUA - esclareceu.

- A bolsa...era da Gucci ou da Versace? - perguntou Zé-Cabéu, interessado.

- Não, meu, é da Benetton - disse Carlos sarcasticamente. - Na verdade, a bolsa é uma de ações não uma dessas de senhora, Zé.

Zé-Cabéu, rindo, perguntou:

- Carlos, vais para onde? Para Braga eu sei, mas vais até lá fazer o quê?

Carlos respondeu prontamente:

- Vou até o Instituto Monsenhor Airosa, espero que eles me assegurem abrigo durante uns tempos...

Zé-Cabéu virou-se para a janela e não disse mais nada o resto da viagem.

Horas depois, chegaram a Braga, despediram-se e cada um seguiu o seu caminho.

Ao chegar à instituição, Carlos deparou-se com uma funcionária a falar com a rececionista que segurava uma viola e dizia:

- Queria tocar viola, não é bem tocar, porque eu não sei tocar viola, mas eu gosto de tocar!

Entretanto Zé-Cabéu entrou por uma porta ao lado da rececionista e esta gritou:

- PORRA PÁ, ESTÁS BEM OU QUÊ?!

Zé-Cabéu, desagradado, retorquiu:

- 'Tás-te a passar, Capitulina, 'tás-te a passar?

- Não, não, senhor, peço imensa desculpa - disse Capitulina envergonhada.

Zé-Cabéu viu Carlos na porta e, com um sorriso de orelha a orelha, gracejou:

- Vais ficar aí ou vai uma "garrafada"?

Carlos, com grande agrado, respondeu que estava com alguma sede e, de seguida, perguntou-lhe o que fazia ele no Instituto Monsenhor Airosa. Ze-Cabéu, com um sorriso enigmático, afirmou, perante o ar incrédulo de Carlos, que era ele o diretor do instituto e que iria acolhê-lo com todo o gosto.

Passaram meses e a relação entre Zé-Cabeu e Carlos crescia. Certo dia, Carlos fez-lhe uma pergunta que o incomodava há já algum tempo:

- Ouve lá, Béu, porque é que naquele dia estavas em Lisboa?

- Estava a tratar de negócios por lá...sabes que agora com a série de roubos tornou-se difícil ter dinheiro!

Um tanto curioso, Carlos perguntou:

- É normal haver roubos por aqui?

- Roubos... há sim... e não são poucos!...

Nessa mesma noite, Carlos acordou repentinamente e, ao olhar pela janela, viu Béu a entregar uma estranha embalagem a um pequeno grupo de indivíduos e a receber um pagamento. Intrigado, Carlos deitou-se silenciosamente na sua cama de colchão fofo e murmurou lentamente para si: "- Que cena estranha!...".

No dia seguinte, com uma confiança de leão, Carlos abordou uma empregada de Béu e explicou-lhe o sucedido ao que a empregada respondeu, com a maior das calmas:

- Eu já obtive essa informação....já obtive essa informação...

O rapaz ficou pasmado com a resposta tão tranquila da empregada e decidiu ir confrontar Zé-Cabéu com o que observara.

Quando o fez, o diretor do instituto, consumido pela culpa e farto da mentira em que andava a enrolar Carlos há vários meses, decidiu dizer-lhe o que na verdade se estava a passar:

- Carlos....na verdade a minha ida a Lisboa não foi totalmente à toa...eu fui assumir o quartel de droga lisboeta que cobre toda a parte central do país...sabes, a instituição não rende e eu preciso de alimentar a minha família! Imploro-te, não contes a ninguém!

Carlos agora estava num dilema, faria o correto e ajudava a prender um dos maiores cabecilhas da droga portuguesa ou faria o que o coração lhe pedia e deixava o seu melhor amigo, aquele que lhe dera abrigo, ficar em liberdade? A recordação dos maus momentos vividos na rua tornava a sua gratidão ainda maior.

- Eu vou pensar, Béu...neste momento não tenho certezas. - disse Carlos com a voz embargada.

Naquela longa noite Carlos não dormiu, passou toda a noite de volta do velho telefone da instituição pensando no que fazer. De repente, um jovem aproximou-se dele. "_ É o filho do Zé" - disse Carlos para si mesmo. Mantiveram uma breve conversa e, momentos depois, Carlos pegou no telefone de forma determinada, marcou o número da esquadra e contou-lhes tudo o que sabia.

A manhã seguinte é uma data histórica, 27 de março: o diretor da instituição é preso e o Instituto Monsenhor Airosa fica nas mãos do filho, Tum-tum Santos Mendes Cabéu, que acabou com o mercado de droga que circulava pelas "veias" de seu pai e conseguiu trazer à instituição a glória e o prestígio de que ainda hoje goza na cidade de Braga. Anos mais tarde, um jornalista perguntou a Carlos, que poucos meses após a denúncia deixou a instituição e reconstruiu a sua vida honestamente, como tinha sido o processo de prender o próprio amigo ao que ele respondeu:

- Foi uma decisão muito difícil de tomar, lembro-me muito bem ... a meio da noite em que liguei à polícia, ia-me deitar decidido a esquecer o sucedido, mas foram as palavras do próprio filho do Zé Cabéu que me fizeram tomar a minha decisão final...ele disse-me o seguinte:

- Senhor Carlos, os problemas não o deixam dormir? Nada melhor do que enfrentá-los... na vida, quando viramos as costas a um obstáculo, ele aparece-nos mais tarde e ainda maior. Mas, vá descansar, olhe que já é tarde! Amanhã pensará melhor no assunto que o preocupa.

Aquelas palavras fizeram-me recordar os ensinamentos do meu querido avô... eu queria que o velhote se orgulhasse de mim, pelo menos uma vez na vida... então, decidi fazer uma coisa que no passado não consegui: desobedeci ao coração e baseei a minha decisão no "greater good". E neste caso, o bem maior era a credibilidade da instituição que me tinha acolhido e que devia ter condições para continuar a sua missão junto dos mais desfavorecidos da vida e não a lealdade a um amigo, por muito que isso me custasse.

Atualmente, a instituição Monsenhor Airosa desenvolve três valências - Lar de Crianças e Jovens, Lar Residencial e Lar de Idosas - onde acolhe cerca de 65 pessoas e reparte-se por dois edifícios: o Edifício-Sede, na Rua Monsenhor Airosa, em Braga e a Casa das Marinhas, para férias, na freguesia das Marinhas, em Esposende.

Tudo isto com a intenção de disponibilizar "um espaço de hospitalidade e acolhimento, um "porto de abrigo" àqueles que dele necessitam e que conduza à reconstrução de uma identidade singular e de múltiplos laços sociais". Oxalá o faça por muitos e muitos anos!

Links:https://www.youtube.com/watch?v=FYhdLKuFhb0

https://www.youtube.com/watch?v=xqgfvAgsXlc

https://www.youtube.com/watch?v=zZBk0K6JA64

https://www.youtube.com/watch?v=o5OsT-Xses0

https://www.youtube.com/watch?v=RRVyEitxREw

Um mistério por desvendar

Ana Maria Sá
Gabriela Gomes
Inês Coelho
João Sousa

Aos 93 anos, esta história é das poucas coisas que guardo na minha memória como se fosse ontem. Foi o caso mais extraordinário que já alguma vez investiguei. E eu, João Batista, um dos maiores investigadores do século, já vi muita coisa neste mundo que não é explicável.

Tudo começa com o mercador que fazia o habitual abastecimento ao Instituto Monsenhor Airosa e que estacionava à entrada uma carroça que gingava ruidosamente e pedia a "reforma". O mercador, não vendo ninguém para o receber, entreteve-se a olhar por entre os orifícios dos parlatórios humedecidos e gélidos, não pelo frio que se fazia sentir, mas pelo sentimento de frustração e infelicidade que muitas freiras deveriam sentir no seu coração por terem aquela vida de "devoção" não desejada, frequentemente por castigo ou imposição das famílias. Os parlatórios eram a única e rara hipótese que as freiras, pobres coitadas, tinham para comunicar com o exterior. O mercador decidiu entrar. O ambiente era de uma serenidade soturna. Mal tinha dado alguns passos, ouviu gritos horrorosos e consumidos de dor. Quase de imediato, apareceu uma jovem aterrorizada que, assim que avistou o mercador, lhe implorou ajuda e que a acudisse. Levou-o até à esplêndida igreja onde, apesar da aflição da jovem, o mercador ainda observou o espaço e ficou deslumbrado com a riqueza dos desenhos esculpidos como se fossem bordados na fina e delicada talha dourada e com os vitrais coloridos iluminando os antigos banquinhos de madeira. Com olhos abertos de espanto, reparou num órgão fenomenal, uma autêntica obra de arte que se poderia fazer ouvir em todo o convento quando tocado. De repente, avistou um corpo... uma súbita repugnância e vómito vieram de imediato. Com muito esforço, conteve-se ao observar...era o corpo de uma freira... enforcada, com as mãos atadas e com uma rosa vermelha entrelaçada nos finos e brancos dedos.

Mais tarde soube-se que era uma jovem freira chamada Maria Monforte, uma mulher bela, de cabelos loiros e testa curta, à qual chamavam A Negreira devido ao facto de o pai ser negociante de escravos vindos de África. Para fugir ao preconceito social que lhe infernizava a vida e na esperança de ter uma vida mais sossegada, tinha entrado para o convento.

Mandaram-me chamar para investigar a ocorrência. Assim que cheguei ao local, fiquei um tanto indignado. Afinal de contas, o crime acontecera num convento, numa igreja, um local sagrado para todas aquelas mulheres, um local onde deveriam sentir-se seguras e protegidas!

Descemos o corpo. Já estava branca como a cal, a pobre rapariga. Depois de levarem o corpo, estive a interrogar todas as freiras que conheciam Maria Monforte. Ninguém gostava muito dela, algumas diziam que era mesquinha, outras coscuvilheira, mas não havia razão nenhuma para alguém a ter morto. Todas tinham alibi e muito sólido. Talvez até demasiado sólido...

Questionei-me se não poderiam estar todas envolvidas no sucedido, devido à beleza da vítima. A inveja podia estar na origem do crime... Evidentemente, a tese do suicídio não fazia sentido: como é que alguém poderia cometer suicídio com as mãos atadas e segurando uma rosa?

Imediatamente a seguir ao interrogatório das freiras, interroguei todos os funcionários que lá trabalhavam, mas não cheguei a nenhuma conclusão. No final, veio ter comigo um senhor desconhecido no convento, que referiu ter sabido da morte de uma freira e, como tinha ouvido, num jardim público, um pouco de uma conversa entre Maria Monforte e uma outra freira, Ana Plácido, na qual Maria ameaçava Ana que ia revelar algo que se tinha passado, achou que deveria vir contar o que sabia. Tendo refletido um pouco sobre estas revelações, decidi reencontrar-me com Ana Plácido e colocar-lhe mais algumas questões.

Ao fundo do corredor, entre a cantina e os quartos, avistei Ana Plácido e corri em sua direção. Pedi-lhe um minuto da sua atenção e dirigimo-nos para fora do convento, para um lugar mais reservado.

- Irmã, contaram-me que foi ameaçada por Maria Monforte.

- A irmã Maria acusou-me de coisas indecentes e perversas que comprometem a minha dignidade e reputação aqui no convento! - Retorquiu secamente.

- Que coisas indecentes?

Entre respostas inacabadas, indecisas e explicações atabalhoadas, acabou por se retirar sem nada dizer em concreto, dirigindo-se apressadamente para o convento.

Era evidente que ela tinha algo a esconder, ou alguém a proteger... Mas, quem seria?

No dia seguinte, decidi voltar ao convento para voltar a conversar com Ana, mas acabei por ouvir uma conversa reveladora por trás da porta. A madre superiora entrou no dormitório onde se encontrava Ana Plácido e, de forma agressiva, confrontou-a sobre o sucedido. Ana negou o homicídio, porém deixou perceber que não era totalmente inocente. A madre superiora disse-lhe que devia entregar-se, de imediato, assim como o cúmplice que, naturalmente, tinha que existir. A jovem freira desatou a chorar convulsivamente. Esperei até que a madre superiora saísse e só depois disso é que entrei de rompante, ficando Ana extremamente surpreendida e assustada.

- Afinal de contas, a irmã está envolvida na morte da irmã Maria Monforte!... - Ataquei eu.

- Já lhe disse tudo o que sabia, juro!

- Ouvi a sua conversa com a madre superiora e sei que encobre alguém. Para seu bem, diga-me quem é, para que se possa fazer justiça. Se continuar a proteger essa pessoa, vai a irmã ser condenada e pagar por todo o crime.

Ana, cabisbaixa, não proferiu uma única palavra.

Ana foi julgada pelo crime de homicídio, tendo-lhe sido atribuído o mesmo destino que Maria Monforte tivera, a forca.

Uma semana mais tarde, chegou o dia da sentença, far-se-ia justiça e seria dentro do próprio convento. Terminados os preparativos para o triste acontecimento, Ana caminhava trémula, triste e de olhar cabisbaixo pelo jardim do convento que, apesar do momento trágico que se avizinhava, conservava todo o seu encanto. Agora, o belo jardim iria testemunhar uma horrorosa cena ... Quando Ana ia para o seu destino final, deu-se a surpreendente e inesperada chegada de um homem: Camilo Castelo Branco.

Camilo era um jovem de estatura alta, moreno, de olhos castanhos, cabeleira e bigode fartos. Para espanto de todos, o jovem interrompeu a execução e admitiu, alto e bom som, evidenciando emoção e desespero na voz, que fora ele quem cometera o crime, tentando assim evitar a morte da amada.

Ana ficou sem reação ao ver a atitude destemida e corajosa que o seu amado tivera.

Camilo, em alta voz, revelou:

- Como prova de que fui eu que a matei, vou contar-vos como tudo aconteceu!

Foi ao cair da tarde de sábado. Ana tinha conseguido sair às escondidas do convento. Encontramo-nos no jardim de Santa Bárbara e, embebidos pelo momento, observávamos, na penumbra do luar, a beleza daquele espaço repleto de flores variadas. O momento era idílico mas... fomos abruptamente surpreendidos pela irmã Maria Monforte que, de imediato, ameaçou expor a nossa relação. Sem pronunciar mais uma palavra, Maria Monforte dirigiu-se, rápida e decidida, para o convento e contou tudo à madre superiora. Quando trouxe a Ana para o convento, avistei a irmã Maria Monforte ao fundo de um corredor sombrio, que dá acesso à pequena igreja do convento. Com um sorriso rancoroso e maldoso nos lábios, revelou-nos o que fizera. Fiquei louco de raiva. Reconheço que não soube controlar as minhas emoções, este meu génio impulsivo. Sem raciocinar, com os olhos flamejantes e sem conter a minha raiva, peguei no síngulo que Ana tinha no hábito, enrolei-o à volta do pescoço da irmã Maria e apenas o larguei quando ela deixou de se contorcer. Ana assistiu a tudo perplexa, sem ter tempo de reagir. Decidimos levar o corpo para a igreja, atamos as mãos de Maria Monforte simbolizando o encurralamento da situação e o ponto extremo a que tínhamos chegado. A rosa encarnada e aveludada simboliza o amor profundo e sincero que nos une até neste ato de homicídio.

Como forma de desviar as atenções de qualquer hipótese de homicídio, decidimos pendurar o corpo num dos longos tubos do órgão da igreja para que parecesse suicídio.

...

Caro leitor: Não foi possível recuperar as páginas em falta do diário do inspetor João Batista. Sabemos, no entanto, que esta história se tornou tão famosa que ainda hoje muitos turistas visitam o convento da Conceição, atual Instituto Monsenhor Airosa, só para entrarem na igreja e admirarem o magnífico órgão que foi testemunha de tão terrível acontecimento.

Porém, não se sabe ao certo o que aconteceu ao jovem casal; uns estimam que se tenha feito justiça, outros dizem que terão acabado por fugir impunes; se uns condenam duramente o casal, outros não ilibam Maria Monforte de toda a culpa. Afinal de contas, Ana Plácido e Camilo Castelo Branco transgrediram as regras, cometeram um crime e deveriam ser condenados ... Contudo, se Maria Monforte tivesse sido amada por alguém como este casal se amava, a maldade não se teria apoderado do seu coração.


Final Trágico

Daniel Horta
Diogo Duarte
Diogo Pires

Os tempos revelavam-se difíceis e nem sempre era fácil encarar a realidade tal e qual ela era. D.ª Madalena de Vilhena vagueava, inquieta, pelo quarto de hotel onde se encontrava hospedada, quando ouviu bater secamente na porta do seu quarto. Era Telmo, o fiel servo da família. Viera informá-la de que no dia seguinte, bem cedo, iriam para a nova mansão, o Convento da Conceição, em Braga. "Boas notícias!", pensava enquanto se preparava para se deitar.

As coisas não andavam fáceis para Madalena e Manuel de Sousa Coutinho. Questões políticas que comprometiam a própria segurança da família haviam obrigado a uma mudança de casa durante algum tempo. Manuel de Sousa Coutinho sugerira que se mudassem para Braga, tendo em consideração ser uma cidade muito segura e calma. Madalena não se opusera e Maria mostrava um vivo entusiasmo em mudar de cidade por uns tempos. E, finalmente, acabavam de receber a maravilhosa notícia de que já teriam um novo lar, longe dos conflitos políticos que opunham Manuel de Sousa Coutinho aos representantes da coroa espanhola.

A lua rendeu-se ao sol ainda tímido que se erguia no ar. A família seguiu então para a sua nova residência. Madalena e Manuel faziam planos enquanto Telmo, em tom de brincadeira, discutia com Maria para ver qual dos dois ficaria com o quarto maior. O percurso desde o local onde tinham ficado hospedados por uma noite até à mansão foi percorrido com ansiedade e esperança de uma vida mais calma.

O edifício tinha uma fachada em granito, com inúmeras janelas com grades, transmitindo a ideia de prisão. Ocupava uma parte substancial da rua e parecia desabitado há já algum tempo ou, pelo menos, demonstrava não haver grandes cuidados visto que se avistavam copas irregulares, heras e outras plantas trepadeiras do outro lado do alto muro.

Manuel entrou primeiro, seguido de Madalena, Maria e o criado. A madeira do chão estava degradada e os móveis ao longo das divisões cobertos de pó. Era evidente que se encontravam numa mansão com dimensões para além das suas necessidades visto que existiam dezenas de quartos ao longo dos longos corredores. Não tardaram a descobrir um compartimento que reconheceram de imediato como sendo um oratório onde as freiras que tinham ali vivido em clausura faziam as suas orações. Maria começava a olhar desconfiada para todas as esquinas e, sensível como era, começava a sentir que algo naquela mansão não fazia o seu género...

Havia muito para fazer e todos começaram a ajudar o pobre Telmo com as acomodações e o velho empregado manifestava algum cansaço só de olhar para uma casa de tamanhas dimensões. À medida que avançavam, deparavam-se com os mais estranhos objetos que pareciam ter sido esquecidos ali e Telmo encontrara já meia dezena de ratos mortos ... O dia passou-se todo na tentativa de tornar a sombria mansão habitável e, apesar de haver já quem desejasse não passar ali a noite, nomeadamente Maria e Madalena que, embora não se sentissem confortáveis com a ideia de permanecer naquele lugar, não tinham escolha.

Telmo havia improvisado algo para comer visto que a cozinha estava ainda muito desorganizada. À mesa, todos falavam alegremente e referiam pormenores em que tinham reparado ao longo do dia. Subitamente, um frio e seco rangido percorreu a sala. "Mais ratos, não!"- implorou o criado. Madalena riu sem dar importância àquele ruído. Só Maria ficara parada e pensativa, olhando fixamente para a porta encostada, como se esperasse que fosse abrir. Algo de muito estranho se passava, desde o primeiro instante em que entrara que pressentia "qualquer coisa"... Mas, argumentava consigo própria, poderia ser apenas a sua imaginação fértil a criar problemas absurdos e por isso, tentava não dar importância ao sucedido.

Não tardou que todos se dirigissem para seus quartos. Madalena sentou-se aos pés da cama da filha que continuava pensativa. Maria era uma criança muito madura para a sua idade, já não necessitava de histórias para adormecer e, apesar de algo estranho pairar em sua cabeça, recebeu tranquilamente o carinho da mãe e deixou-se cair no sono, pensando no que faria no dia seguinte. Tinha de fazer novos amigos e pedir ao pai que a levasse a passear pela cidade, queria conhecer tudo o que a rodeava!

Aquela não era, certamente, a casa de sonhos da família... todos tiveram dificuldades em adormecer: assobios de vento percorriam a grande velocidade os corredores, sibilavam nas frinchas das portas e era audível o chocalhar das portadas de madeira umas contra as outras.

A noite estava chuvosa e, quando o sono começava a vencê-los, algo subitamente despertou novamente as quatro almas presentes na casa: um enorme barulho atroou o espaço, seguido de um eco distante. Preocupados, tanto Madalena como Manuel se levantaram e se precipitaram para o quarto de Maria onde encontraram já Telmo que, carinhosamente, consolava Maria, limpando com gestos suaves o rosto da pequena banhado de lágrimas.

- Pai, que barulho foi este? - perguntou Maria a soluçar ainda de susto. - Não me sinto bem nesta nova casa ... acrescentou.

- Calma, eu vou ver o que se passa, esperem aqui. - tranquilizou-os Manuel.

- Não o posso deixar ir sozinho, ainda agora chegamos a esta casa, será melhor eu acompanhá-lo. - afirmou corajosamente Telmo. Logo D.ª Madalena refutou, decidida:

- Não ficaremos aqui sozinhas, nós também vamos! Naquele ambiente amedrontador, nenhum dos presentes naquele quarto deu conta de que se iniciava uma história de que nenhum deles alguma vez viria a esquecer-se.

O plano estava traçado: começariam pela cozinha, passando pelo grande salão, depois o piso inferior. Na cabeça de Manuel, nada poderia correr mal - pensamento ingénuo de quem não fazia ideia de como tudo terminaria.

Telmo tomou a dianteira e Maria ia no meio do grupo onde estaria mais segura. Seguiram o trajeto. O plano foi cumprido à risca, todos pararam em frente da cozinha, que era o primeiro local a investigar. Telmo, ainda que com receio do que pudesse encontrar, abriu a porta com violência, arrependendo-se imediatamente. Talheres espalhados pelo chão, facas espetadas na enorme mesa que ocupava quase a cozinha inteira e uma enorme mancha causada por um líquido avermelhado, parecendo sangue. Telmo, que há umas horas tinha limpado aquela mesma zona, ficou confuso com o que acabara de ver. " O que poderá ter acontecido aqui? Claramente, isto não é normal!... " - questionou-se ele interiormente sem dar a perceber a sua perplexidade aos restantes.

Sem se deixar afetar, encorajou a que o trajeto fosse continuado e, passo a passo, sem se fazerem ouvir, caminharam ao longo do enorme corredor que ligava ao grande salão, ouvindo-se apenas o ranger das velhas madeiras do chão daquela mansão sob o peso dos seus passos. Já no salão, a forma como estava o interior era bem diferente. A porta foi aberta lentamente e, para surpresa de todos, nada, tudo intacto, nem o mais pequeno ornamento fora do seu sítio. Confusos, entraram, pois, mesmo numa situação destas, seria melhor investigar. " - AAAAAHH!" - gritou Maria, deixando todos preocupados. Um pequeno grilo, negro, o mais negro que Telmo alguma vez vira, encontrava-se pendurado no pijama de Maria. Com um gesto rápido, Telmo sacudiu-o e atirou-o para o chão, calcando-o, mas com os olhos em lágrimas.

- Por que é que estás a chorar, Telmo? Estás com medo?! Olha que meu pai está aqui para nos proteger, não é assim, Pai?

Telmo sorriu, limpou as lágrimas do rosto, à medida que olhava ternamente para Maria, quase como se pressentisse que nunca mais a iria ver. Estavam a preparar-se para retomar o ritmo quando Telmo pronunciou, em surdina, enigmáticas palavras:

- Senhor, não estamos na altura certa para brincadeiras!

Não obteve resposta. Entretanto, o pânico instalou-se na sala. Perceberam que D. Manuel já não os acompanhava, alguma coisa lhe tinha acontecido. Maria ficou incontrolável, D.ª Madalena estava apavorada, apenas Telmo friamente procurava analisar a situação.

-Temos de continuar e encontrá-lo, é o mais sensato. - afirmou, percebendo que estava mais assustado do que em qualquer outra altura da sua vida.

Subiram as escadas cautelosamente, uma vez mais com Maria no meio, de mão dada a Telmo e a Madalena. Era no sótão que estavam, no piso superior da mansão, onde se depararam com um assustador amontoado de ossos, caídos a poucos metros de um pequeno túmulo que, pensaram eles, devia pertencer ao antigo dono daquela enorme casa.

- Esta casa está assombrada! - exclamou Maria, assustada.

Para tranquilizar mais uma vez a sua querida menina, Telmo contrariou a afirmação.

- Está na hora de ir lá a baixo. - anunciou Telmo com um tom tão confiante e sereno quanto lhe era possível. Era o momento de conhecer o desconhecido. A parte inferior da casa ainda não tinha sido vista por nenhum deles, era novidade. Mesmo assim, mostrando-se destemido mais uma vez, Telmo desceu as escadas de acesso duas a duas, com bastante rapidez e, mais uma vez, abriu de rompante a pesada porta.

Era uma oficina cheia de teares antigos, alguns deles mais antigos do que o próprio Telmo. Madalena ficou, por instantes, admirada e rendida àquele local. Recordava-lhe um amor da sua juventude, o amor pela tecelagem. Como ela gostava de tecer as roupas para o seu enxoval! E que peças bonitas e originais se podiam fazer num tear! Como seria desafiante voltar a pôr todos aqueles teares a funcionar! Logo voltou a si e avançou em direção a um barulho que se ouvia.

- Parece uma pessoa a trabalhar, senhora ..." - avisou Telmo.

- Tens razão. - retorquiu ela, seguindo o som, como se estivesse hipnotizada.

Mas como podia estar uma máquina daquelas a trabalhar sozinha? Por breves instantes separam-se sem se aperceberem. Quando voltou atrás, Telmo percebeu que faltava agora também D.ª Madalena ... Não hesitou e, levantando Maria, correu com ela ao colo, agarrando-a com força enquanto procurava a sua mãe. Existiam teares em patamares superiores e inferiores. Magníficos tecidos trabalhados em "jacquard" apareciam expostos nas paredes e todos incrivelmente bonitos e invulgares. A distração foi momentânea. Ao mesmo tempo, Telmo e Maria olharam arrepiados e sem expressão para duas marcas de mãos, marcadas a preto na parede, da cor do óleo que lubrificava aquelas máquinas.

Durante a corrida, ofegante na tentativa de procurar Madalena, Telmo viu-se obrigado a parar de repente - magoara-se no pé. Uma ferida sangrava bastante, deixando uma considerável poça de sangue no chão da oficina e os seus passos ensanguentados marcavam o local. Tinha batido num velho crucifixo que, provavelmente, caíra da parede. Mas não deixou que nada o travasse, afinal onde quer que Madalena se encontrasse, eles estariam perto. Foi então que, uns metros à frente, avistaram Madalena, caída no chão, chorando em prantos. Estava voltada para um tear, junto do qual se encontrava um homem, de barba comprida e grisalha, de estatura forte e com uma expressão horrenda e severa no rosto. Não era ninguém mais do que D. João de Portugal, o seu primeiro marido que todos julgavam que tinha morrido na batalha de Alcácer Quibir. Neste momento, parecia que o mundo parara, sobretudo para Madalena que se encontrava debruçada sobre o chão. Foi então que repararam que, pendurado no tear, um enorme pano tinha trabalhada a expressão "NUNCA FUI FELIZ!". Percebendo o que se estava a passar, Telmo pousou Maria no chão, junto da mãe e ajoelhou-se perante D. João.

- Senhor, fostes vós quem fez tudo isto? - perguntou, enquanto as lágrimas lhe corriam pelo rosto.

A resposta de D. João de Portugal foi fria, impiedosa, aterradora.

- Não foi por ti que voltei. Vai, Telmo, e leva contigo essa jovem que é a prova do terrível pecado de Madalena de Vilhena!

Incapaz de desobedecer a uma única ordem do seu primeiro amo, aquele a quem jurara dedicação eterna, Telmo, com algum esforço, afastou-se juntamente com Maria que não conseguia perceber o que se estava a passar. Saiu para o exterior da oficina, pedindo constantemente desculpa à pequena menina que nada daquilo merecia.

A conversa continuou dentro do velho edifício. D. João questionava a felicidade de Madalena, colocando em evidência e com acentuado azedume, o facto de ter sido traído. Não era justo que tanto ela como Manuel o tivessem dado como morto e estivessem juntos e casados. O grande problema era que D.ª Madalena se sentia feliz ao lado de Manuel ... e D. João de Portugal sabia disso perfeitamente.

- Se não queres ser feliz comigo, não irás sê-lo com mais ninguém! - ameaçou, vingativo, puxando uma corda que desde o início segurava na mão. Repentinamente, algo caiu estrondosamente junto de Madalena. Horrorizada, ela viu o cadáver de D. Manuel à sua frente, morto pelas mãos de D. João.

Madalena, em prantos, com um grito retirado do mais fundo da sua alma, exclamou:

- Se não posso ser feliz com ele, não o serei com mais ninguém! - e retirou do interior do vestido uma faca que tirara da cozinha, uma das que D. João, propositadamente, deixara espetada na mesa. O desfecho já todos nós conseguimos prever: Madalena acabou por tirar a sua própria vida. D. João, sem se conseguir conformar a viver sem a sua amada, aquela mulher que o fizera regressar a casa depois daqueles anos todos de sofrimento, não resistiu e pôs também fim à sua vida.

O dia clareava novamente. Telmo e Maria haviam caído no sono depois de toda uma noite bastante tensa, abraçados, encostados à enorme porta que dividia a oficina do exterior. Acordaram, sobressaltados por uma coruja que embatera diretamente na porta da oficina. Levantaram-se rapidamente e o desejo de entrar , mas também o medo, consumia-os aos poucos. Abriram a porta e o que encontraram lá dentro nunca mais foi esquecido, nem por um nem por outro.

Maria perdeu os seus pais e, a partir daquele dia, foi criada por Telmo. Já o fiel Telmo, perdeu tanto aquele a quem jurou amor e fidelidade eterna, D. João, como aqueles que eram a sua companhia e os seus amos, D.ª Madalena e D. Manuel, a sua única família. A tentativa de fugirem dos problemas, da sombra de D. João de Portugal na vida do casal e as conspirações políticas culminaram numa irremediável tragédia para todos.

Um reencontro no céu

Ana Cardoso

Cláudia Pereira

Joana Araújo

Joana Ramos

Sophie Afonso

Foi ele que me fez voltar a acreditar no amor...renasceu algo novo em mim.

Chamo-me Raquel Castelo Branco e toda a gente diz que sou igualzinha à minha mãe. Tal como ela, sou loira, de cabelo ondulado que me dá pelo meio das costas, uns olhos grandes e verdes que, segundo me dizem, estão sempre brilhantes, sou alta e sinto-me sempre lisonjeada quando me comparam com ela porque era uma mulher esplendorosa. A minha mãe, Ana Correia, sofria maus tratos por parte do meu pai, Nuno Plácido Castelo Branco, que era filho de Ana Plácido e Camilo Castelo Branco, um casal que ficou conhecido na época devido ao crime de adultério cometido por ambos. O meu avô Camilo foi um dos escritores mais prolíferos e marcantes da época. Ele e a minha avó amaram-se contrariando as convenções sociais, lutaram pelo seu romance, mas acabaram por ser condenados à prisão por adultério. Para me proteger, para eu crescer sem ter que assistir a toda aquela violência nem ouvir as palavras horríveis que saíam da boca daquele homem que destruiu a minha infância e a vida da minha querida mãe que tanto amo, ela decidiu colocar-me no Convento da Conceição, quando eu tinha dez anos. Desde então, a minha vida mudou, fiquei órfã de pai e posso dizer que apenas senti alívio por saber que estava em segurança e senti-me completa por saber que tinha outra família à minha espera. Receberam-me de forma acolhedora e rapidamente fiz amizades com as outras jovens que, tal como eu, ali tinham o apoio e a proteção que a família não nos dava. Só tinha pena da minha pobre mãe, mas, sempre que podia, ia visitá-la.

Mal cheguei no convento deparei-me com um grande edifício com janelas fechadas com grades. O capelão do convento acompanhou-me e mostrou-me todos os cantos do edifício. Havia um grande jardim central com vários tipos de flores, muita cor, uma biblioteca com vários livros para as jovens aprenderem, sobretudo sobre história e línguas. Havia uma fábrica de tecelagem e uma outra que produzia hóstias segundo os mais modernos e higiénicos processos de fabrico. As hóstias seguiam depois para as celebrações eucarísticas de todo o país. A venda das hóstias e os maravilhosos tecidos feitos nos teares asseguravam algum rendimento à instituição, para além de permitirem a aprendizagem de um ofício às jovens que poderia vir a garantir-lhes a autonomia necessária para, mais tarde, se desenrascarem na vida. Os quartos eram mobiliados com tudo o que era necessário de maneira a proporcionar-nos conforto. Todo o convento me transmitia segurança e paz. Por fim, visitei o local mais bonito do convento e o mais importante: a igreja, decorada com talha dourada, várias imagens de santos e cortinados vermelhos que contrastavam com o dourado, dando-lhe um ar solene. No piso superior, encontrava-se um órgão majestoso, enorme, que usavam para tocar durante as celebrações. Não conseguia imaginar como conseguiam tocar um instrumento tão grande e sofisticado, mas quem tinha esse talento só podia ser alguém especial. O capelão disse-me que objetivo principal do Convento da Conceição (mais tarde viria a ser designado por Instituto Monsenhor Airosa) era "desenvolver competências pessoais e sociais, preparando as suas jovens para um futuro autónomo e responsável, valorizando o potencial humano e assim, criar as condições necessárias para o pleno exercício da cidadania e proporcionar acolhimento e orientação educativa a pessoas do sexo feminino que encontravam em situação de carência moral ou/e sócio-familiar".

E foi aqui, neste maravilhoso lugar, que te conheci. Tu eras o filho do jardineiro que trabalhava no convento. Alto, moreno, bronzeado do sol por andares ao ar livre, olhos claros ... simplesmente encantador. Como, às vezes, ias com o teu pai ao convento, acabamos por nos conhecer. Como a maioria das crianças, conseguimos ser amigos rapidamente e tu acabaste por te tornar a pessoa mais importante na minha vida, mas nessa altura eu só te via como amigo. Com o passar do tempo, tu deixaste de vir tantas vezes ao convento mas, sempre que vinhas, eu sentia-me muito feliz à tua beira, desejava que os momentos que passávamos juntos nunca acabassem e foi assim que, sem me aperceber, me apaixonei por ti. Inexplicavelmente, tu e o teu pai deixaram de trabalhar no convento e a tua ausência levou-me a compreender o que sentia por ti ... chorei durante muito tempo. Depois de ter vivido os dias mais dolorosos da minha vida e achando que nunca mais voltarias, decidi tornar-me freira quando, dentro em breve, completasse 18 anos. Profundamente desiludida, achei que não voltaria a ser feliz e que só me restava guardar no meu coração todos os bons momentos que tínhamos vivido.

Quando atingi os 18 anos, tornei-me freira como tinha decidido; muitos me perguntavam porque é que eu, uma menina tão bonita, queria ir para freira.... nem eu mesma sabia, sentia uma enorme tristeza e falta de esperança e achava que era aquilo que me estava destinado e, então, avancei com a minha decisão .

Passado um ano de vida como religiosa, vi-te novamente e nem sei descrever o que senti quando pus novamente os olhos em ti. Foi uma avalanche de sentimentos que estavam guardados há muito tempo no meu coração. Voltavas a ajudar o teu pai e eu tentei durante dias evitar-te, mas não conseguia estar tão perto de ti e não poder falar contigo. E quando finalmente ganhei coragem, tu deste-me o sorriso mais radiante que alguma vez vi na minha vida. Nos dias seguintes, estivemos juntos durante os breves momentos em que eu conseguia escapar às minhas obrigações como freira.

Começamos a ver-nos regularmente, o sentimento tornou-se mais forte e fui-me apercebendo que o tempo não tinha apagado os meus sentimentos, continuava completamente apaixonada, não parava de pensar em ti e, quando estávamos juntos, era incontrolável o meu desejo por ti, por te ter ao meu lado, o meu desejo de te querer eternamente. Mas havia um grande problema na minha vida, eu já tinha professado os meus votos religiosos e sentia-me desonesta para com Deus, para com as outras religiosas e para com os padres, até para com a instituição onde sempre me asseguraram conforto, alimentação, formação e a segurança que nunca tivera por parte dos meus pais. Estava na pior fase da minha vida pois estava num grande dilema: ou ficava contigo e obedecia ao meu coração, ou mantinha-me freira em lealdade à palavra dada, aos que me acolheram e continuava com todo o conforto e estabilidade que o convento sempre me proporcionara. Mas o que sentia por ti era mais forte do que eu e sabia que devia lutar pelo nosso romance, tal como os meus avós Ana Plácido e Camilo Castelo Branco tinham feito, enfrentando todas as convenções sociais. Eu amava-te, Tomás, de uma forma arrebatadora, sem limites, por isso, não podia deixar de ser fiel aos meus sentimentos embora soubesse que deixar de pertencer àquele convento e à vida religiosa não ia ser tarefa fácil. Mas estava disposta a tudo por ti.

Fui falar com a madre superiora e disse-lhe que queria abandonar a vida religiosa. Ela não reagiu muito bem, disse- me que depois de ter professado votos era impossível abandonar o convento e que ainda teria de permanecer pelo menos mais três anos para ter a certeza de que estava a tomar a decisão certa. Desolada, fui a correr falar contigo para te contar; a tua primeira reação foi dizeres para fugirmos e, naquele momento, aquela ideia parecia-me o único caminho a seguir.

Então, planeamos a fuga: as freiras tinham um dia durante o ano em que podiam sair do convento mas, como eu tinha manifestado a minha vontade de deixar ser freira, a madre superiora não me deixou sair. Deste-me, então, a ideia de me esconder com a minha pequena trouxa na carroça do teu pai e assim ninguém daria pela minha saída. Havia outro problema: não podíamos permanecer em Braga devido ao risco de a madre superiora informar as autoridades e sermos apanhados. Decidimos que talvez fosse melhor ir para o Porto e continuarmos as nossas vidas e o nosso amor por lá.

Nessa manhã de maio, pusemos então a nossa fuga em prática. Correu tudo como planeado e ficamos finalmente livres para vivermos o nosso amor longe de todos aqueles que o impediam. Estávamos quase a chegar à nossa nova cidade, já avistávamos a Ponte D. Luís, olhamos um para o outro e uma enorme tranquilidade encheu os nossos corações naquele momento. Finalmente, iríamos começar a nossa verdadeira história de amor.

Na cidade invicta, Tomás tinha tudo tratado com um velho amigo da sua família que ficou de nos arranjar uma casa onde pudéssemos recomeçar a vida. O velho Júlio veio ter connosco à Foz e conduziu-nos ao nosso novo lar: uma casa pequena, acolhedora, mas com alguns sinais de degradação. Nada daquilo era importante para nós naquele momento, estávamos juntos como sempre tínhamos desejado.

O velho Júlio arranjou também um trabalho humilde para Tomás, para nos sustentar visto que agora tínhamos uma casa e toda uma vida para recomeçar. Tomás iria fazer umas horas como jardineiro numa casa senhorial na cidade. Enquanto ele trabalhava, eu ficava em casa a tratar da lida doméstica e esperava ansiosamente pela chegada dele.

Numa manhã de quarta-feira, algo de diferente e ruinoso aconteceu. Tomás, como era costume, saiu de casa ao nascer do sol para ir trabalhar. Poucos minutos após a sua saída, bateram à porta de casa. Dirigi-me para junto da porta a fim de a abrir mas, no momento que ia pôr a mão na maçaneta, a porta foi arrombada. Tratava-se da polícia e de um pequeno grupo de homens da igreja que me obrigaram a segui-los sem me darem qualquer tipo de explicações. Muito contrariada, fui com eles até à esquadra onde, após umas longas horas, me explicaram que estava a ser acusada de fuga, de deslealdade para com a fé cristã e que teria tido ajuda de um cúmplice.

Tudo o que mais temia estava a acontecer; por renunciar ao meu voto de freira e ter fugido do convento, ia ser castigada com a pena de prisão perpétua. Nem me pude despedir do meu amado. Assim que me foi atribuída a pena, fui de imediato transferida para a prisão mais próxima. Passado um meses, chegaram-me terríveis notícias... Tomás tinha falecido naquela madrugada. Os boatos contavam que após ter sido presa, Tomás se tinha perdido na melancolia da solidão e, a cada dia que passava, ficava mais doente. Acabou por falecer devido ao terrível desgosto de perder o amor da sua vida, o desgosto da criança que nunca viria a ter, o desgostos que o levavam a não querer continuar a viver.

Poderia ter sido diferente, eu podia não ter sido uma freira e tu um jardineiro, podíamo-nos ter conhecido num domingo a ir à missa, casar e ter filhos, mas este não foi o destino que Deus nos deu. Fomos felizes durante a nossa fuga e os nossos pequenos momentos, mas isso tudo acabou. Eu fiquei e tu partiste e isso é insuportável. Então, decidi: vou "partir" e levar esta carta comigo para, quando estiver ao teu lado, te poder ler a história da nossa vida. Até já!

Quando o amor é profundo

Entre dois apaixonados,

Não podem viver neste mundo

Muito tempo separados.

Menino Airosa

Ana Maria Sá

10 de junho de 1949, Dia de Portugal e de Camões, Nogueira da Silva foi promovido a comendador. O conhecido "Menino Airosa", o nosso Presidente da Câmara, tornou-se um dos homens mais importantes do país.

Nogueira da Silva é um político jovem, de 37 anos, alto, estatura corpulenta e robusta, à semelhança da nobreza do seu espírito, homem reto e de visão futurista. Quando se encontrava com outros representantes de Braga, não se retraía em dar o seu parecer sobre obras e apresentava o seu olhar crítico-construtivo que o caracterizava e fazia muitos ministros "fugirem". Por isso, não era bem aceite por todos.

Na condecoração, e como ditam as regras de etiqueta e protocolo, depois do longo discurso do Presidente da República, seguindo-se a entrega das insígnias, chegou o momento do discurso de Nogueira da Silva.

Como estava habituado a essas burocracias, não foi muito difícil elaborar e proferir um texto de teor futurista e enérgico, próprio de um espírito empreendedor, onde apresentou um projeto muito inovador para a época, o projeto da Rodovia! O projeto, na sua opinião, iria manter-se por uns tempos na "gaveta" por falta de verba, embora o achasse muito necessário para a cidade e seus habitantes. Por isso, iria fazer o que estivesse ao seu alcance para que não demorasse a ser aprovado.

Duas semanas após a condecoração, Nogueira da Silva foi de novo chamado a Lisboa, para falar com o presidente Óscar Carmona. O Presidente da República pensava que o jovem talento de Braga, que tinha sido condecorado com a Ordem de Comendador e agora andava " nas bocas do povo bracarense" por ter construído escolas e bairros sociais para o povo mais carenciado, (Bairro da Alegria, Bairro da Misericórdia...), deveria descender de uma família distinta e tradicional, naturalmente de grande estatuto socioeconómico em Braga. Porém, quando soube que afinal era de origens humildes, ficou curioso e quis ouvir a sua história de vida. Entretanto, tinha-lhe chegado aos ouvidos que Nogueira da Silva, na verdade, tinha sido criado no Instituto Monsenhor Airosa, pois era órfão de pai e mãe. Nogueira da Silva tornara-se um homem muito empreendedor, pois a sua vivência até então, levara-o a querer proporcionar uma vida mais próspera para aqueles que, como ele, tinham nascido desprotegidos da vida. Com uma visão futurista em tudo o que fazia, criava e inovava qualquer atividade ou projeto em que se envolvesse. Quem se cruzasse com ele, surpreendia-se pela convicção com que perseguia os seus ideais e pela grandeza humana do seu carácter.

O Presidente da República pensava, para si, como era admirável e invulgar a simplicidade e humildade daquele homem; questionava-se como era possível uma criança, que não tivera o apoio da família, ter aprendido tais valores. Estava intrigado mas, ao mesmo tempo, fascinado com as características do jovem. Notava-se que o "Menino Airosa" tinha o dom da palavra e dele fluía o gosto pela vida e o desejo de ajudar o próximo. Após alguns minutos de conversa, Óscar Carmona pediu-lhe que lhe contasse como fora a sua vida no convento.

Nogueira da Silva começou então por dizer que, desde cedo, ainda o menino franzino que fora em tempos, tinha ajudado as freiras do antigo Convento da Conceição a trabalhar nos teares que existiam na instituição e que garantiam parte de sustento através dos belíssimos produtos que eram tecidos e vendidos; também ajudara no interessante e invulgar trabalho da fábrica de hóstias e que ele fazia quase em jeito de brincadeira; participara no trabalho árduo nos longos campos que eram cultivados para fornecer o próprio do instituto; nas horas de brincadeira, adorava brincar aos cowboys com os outros miúdos; aprendera a nadar nos tanques onde se fazia a lavagem de roupas; lembrava-se o quanto se divertia na ajuda do minucioso trabalho onde, em jeito de trapezista, a sua frágil estatura era aproveitada para chegar aos locais mais difíceis, como para puxar o lustro aos tubos do órgão, ou limpar a delicada talha dourada da igreja do convento... de tudo um pouco ele fizera. A sua presença era tão notória em todas as atividades que lhe chamavam carinhosamente "Menino Airosa". Atingida a idade adulta e já com bastante maturidade, ajudara na administração a nível comercial, sendo braço direito do diretor do instituto, controlando a produção dos teares e as vendas das hóstias. Com esta experiência, tornara-se comerciante de profissão, sempre bairrista e, como tal, tudo o que pudesse fazer pela sua cidade, ele fazia.

Referiu também o mais recente projeto que estava a desenvolver, que era o da Rodovia, mais a sul da cidade. O projeto incluía um parque de desporto e lazer que seria público e gratuito. Mas, apesar de ter prestígio e ser um excelente profissional, e agora Presidente da Câmara, a verdade é que o município estava a atravessar um momento monetariamente difícil.

A reunião entre o presidente e Nogueira da Silva durou algumas horas numa tarde de um junho extremamente abrasador, como era habitual na época.

Uns dias após esta reunião com o Chefe de Estado, que ficara maravilhado com o que ouvira, Nogueira da Silva, preparava-se para abandonar a pensão em que ficara instalado na capital, quando recebeu uma mensagem do Presidente da República a pedir a sua presença imediatamente. Apressado, o "Menino Airosa" desceu uma longa avenida desde os subúrbios até ao centro da cidade. Anunciada a sua presença, Óscar Carmona, com um sorriso no rosto, foi ao seu encontro, pois ficara fascinado com a história do "Menino Airosa" e não pudera ficar indiferente ao projeto da Rodovia; por isso, tinha-se reunido com o Presidente do Conselho para que se arranjasse verba para viabilizar a sua ideia. Neste mesmo momento, Nogueira da Silva serrou o punho direito discretamente em sinal de vitória, libertando a energia que, se estivesse sozinho, exprimiria num grito triunfal em sinal de conquista.

Começou também a imaginar mil e um cenários para além daqueles que já tinha concretizado para o seu projeto. Os seus olhos reluziam, pois aquele era o sonho da sua vida, o mais audaz em que alguma vez trabalhara e com tanto afinco e dedicação. Com os mais sinceros e emotivos agradecimentos, regressou à sua cidade romana e de imediato começou a transpor os planos da imaginação para o papel.

Após 70 anos de instabilidade política, governamental, económica e social, e já com várias transformações e melhoramentos, hoje, o Parque da Rodovia é um local de extrema importância para a cidade, para "miúdos e graúdos", onde há espaço à beira-rio para apreciar a paisagem, para o lazer ou para a prática de desporto nos vários campos desportivos que promovem o convívio entre todos, principalmente entre os mais jovens, e estimulam um estilo de vida mais saudável.

Há projetos que nascem, outros morrem e outros permanecem. Tal como há 70 anos, o Instituto Monsenhor Airosa ainda hoje acolhe jovens de toda a região dentro das mesmas muralhas no centro da cidade bracarense, e conserva a capela, a fábrica de hóstia em plena laboração, os campos para a produção agrícola e os teares à espera de voltarem à ação.

Luta Diária

Anna Fernandes
Patrícia Melo
Paula Rodrigues
Rúben Silva
Vera Gomes

Às quatro horas e meia, ouviu Simão o tinido de liteiras que se dirigiam para o local onde se encontrava. Mudou -se, enveredando por uma rua estreita, fronteira ao convento. No percurso, Simão repensa o plano de resgatar a sua amada Teresa, pensando nas possíveis consequências do seu ato e questionando como iriam dar a volta à situação caso conseguisse fugir com ela.

Aí chegado, Simão, determinado em pôr o plano em prática, começa por fazer a ronda ao convento à procura de guardas, certifica-se que o caminho está livre e entra. Percorre os longos corredores à procura de Teresa, espreita todos os quartos, mas não a encontra. Preocupado com a possibilidade de o pai já a ter levado, continua exaustivamente à procura até que encontra Joaquininha, amiga de Mariana, que o leva até Teresa que se encontra numa sala isolada onde podia escrever as cartas para ele sem levantar qualquer suspeita. Teresa e Simão abraçam-se emocionados, após o longo período de separação.

Começam a ouvir passos e deduzem que alguém se aproxima da sala. Teresa teme que seja a prioresa e, em pânico, pede a Simão que se esconda rapidamente. Para surpresa de Teresa, quem entra na sala é o seu primo Baltasar que, uma vez mais, tenta persuadi-la a casar com ele, sob ameaça de ficar aprisionada em conventos até ao fim dos seus dias. Teresa, impulsivamente, recusa a proposta do seu primo que, furibundo, vai procurar o auxílio de Tadeu para forçar a filha a casar. Entretanto, Simão sai do seu esconderijo, aproxima-se da sua amada e apresenta-lhe o plano de fuga. Sem pensar duas vezes, a jovem aceita e procuram sair dali de imediato. Quando se preparam para fugir, encontram novamente Joaquininha que os aconselha a partir para Braga uma vez que ela conhece a freira Esmeralda do Convento da Conceição que os poderá ajudar a iniciar uma nova fase das suas vidas. Conseguem sair do convento sem ter que enfrentar qualquer obstáculo e partem para Braga.

Passado algum tempo, depois de acolhidos no Convento da Conceição e com a vida mais estável, estão determinados a terem a sua própria casa, mas precisavam de arranjar um emprego para terem uma fonte de rendimento. O capelão do convento, Padre Rui, depois de saber dos projetos de Teresa e Simão, propôs-lhes um trabalho na fábrica de hóstias que existia no convento onde iriam conseguir obter algum dinheiro. O casal aceitou a proposta.

Com o passar do tempo, Teresa e Simão apercebem-se que o trabalho no fabrico das hóstias não seria suficiente para manterem a casa, pelo que se viram obrigados a procurar outra fonte de subsistência. Teresa, sentindo-se insegura e sem saber o que fazer, pede conselhos à irmã Esmeralda que, desde que se conheceram, sempre se mostrou disponível para ajudar o jovem casal. Esmeralda fala- lhe de um comerciante que precisava de alguém de confiança para o ajudar na loja que possuía no centro da cidade, na Rua do Souto, a Casa dos Terços. Então, Teresa dirige-se lá na esperança de ficar com o trabalho e foi muito bem recebida pelo dono. Ficou encantada com o lugar, era uma casa pequena e acolhedora que transmitia confiança, rica na variedade de produtos religiosos e cheia de história. Como o proprietário já tinha sido informado pela irmã Esmeralda sobre o carácter de Teresa, não hesitou em contratá-la.

Depois de algumas semanas de trabalho na Casa dos Terços, um cliente assíduo, amigo próximo de Baltasar, reconhece Teresa e procura avisar de imediato o seu amigo. Recebeu uma proposta de Baltasar: ele descobriria tudo aquilo que Teresa fazia e em troca iria ser muito bem recompensado.

Desde que os dois apaixonados tinham fugido, Baltasar e Tadeu nunca desistiram de procurar Teresa, contudo nunca tiveram provas de que Simão a acompanhara na fuga. Assim que receberam a notícia de onde se encontrava a jovem, puseram-se a caminho de Braga. Chegaram na véspera de Natal e encontraram-se com o amigo de Baltasar que os informou que Teresa não estava sozinha, estava com Simão! Baltasar rugiu de ciúme e de revolta.

Entretanto o casal preparava-se para o festejo da véspera de Natal no Bananeiro. Esta conhecida casa comercial, uma das mais antigas de Braga, antes da ceia de Natal, recebe centenas e centenas de bracarenses que se juntam para comemorar a festividade, bebendo um cálice de vinho moscatel, comendo bananas, confraternizando e mantendo, assim, viva uma longa tradição.

Chegada a noite, Simão e Teresa dirigiram-se para o Bananeiro, onde Baltasar e Tadeu já se encontravam à sua espera. A festa decorria alegremente mas, de repente, Teresa avista os seus familiares, fica atordoada e questiona-se se o que avistou é realmente verdade. Simão apercebe-se da perturbação dela e pergunta-lhe o que aconteceu e ela diz que pensa ter visto o seu pai e o seu primo. Simão corre os olhos ávidos na direção indicada e confirma o que ela acaba de dizer. Sente-se encurralado, sem saber o que fazer para sair dali, uma vez que Baltasar e Tadeu já os tinham avistado.

Baltasar, enfurecido, dirige-se a Simão, encostando-o à parede de forma agressiva, mas Tadeu impede-o de concretizar os desejos de vingança, dizendo que primeiramente quer falar com a sua filha. Com as lágrimas nos olhos, Teresa abraça o pai como forma de agradecimento por ter protegido o seu amado. Num local mais calmo, Tadeu questiona-a sobre a razão da fuga e ela responde-lhe que amava Simão e que só queria uma vida feliz e calma ao seu lado. Angustiado e lembrando-se de todo o sofrimento que já causara ao não deixar a sua filha ser realmente feliz, Tadeu abraça-a e diz-lhe que toda aquela confusão iria acabar naquela noite. Entretanto, Baltasar estava impaciente porque não sabia o que se estava a passar.

O pai de Teresa aproxima-se dos dois jovens e diz que tudo o que aconteceu nos últimos tempos o fez refletir e tinha chegado à conclusão que Baltasar se estava a aproveitar dele para o pôr contra a sua filha e que dessa maneira nunca ninguém iria ser feliz. Se Teresa queria realmente ficar com Simão, então, assim seria. Baltasar, revoltado com aquela decisão, disse que para ele aquilo ainda não tinha acabado mas, com medo do que lhe poderia acontecer, partiu para Viseu.

Teresa e Simão não estavam à espera desta alteração e sentiram-se imensamente gratos pela decisão tomada por Tadeu. Passaram todos a véspera de Natal juntos e contaram tudo aquilo que tinham feito e o que tinha acontecido enquanto estiveram longe uns dos outros.

Enquanto que a família de Teresa estava finalmente reconciliada, Domingos Botelho e D. Rita Preciosa, pais de Simão, ainda não sabiam do sucedido. O pai de Teresa decide voltar a Viseu para falar com eles e estava decidido a ajudar os apaixonados a comprar uma casa sem que eles soubessem. Chegado a Viseu, encontra- se então com os pais de Simão e ambas as famílias perceberam que tudo aquilo que tinha acontecido devido às rivalidades familiares só tinha causado sofrimento. Para se redimirem, Domingos e D. Rita decidiram participar na compra da casa para Teresa e Simão, em Braga, na cidade que tinham escolhido para viver.

Como o amigo de Baltasar, que era cliente da Casa dos Terços, já tinha o que queria, deixou de se interessar pela vida de Teresa. Esta continuou a trabalhar lá, pois não sabia da surpresa que estava a ser preparada, e o casal continuava a juntar dinheiro para comprar a sua própria casa.

Enquanto isso, Baltasar continuava com a ideia de ficar com Teresa e lembrou- se de que Mariana, ainda apaixonada por Simão, o poderia ajudar. Dirigiu-se então à casa dela, contou-lhe o que se tinha passado em Braga e perguntou-lhe se o ajudaria a afastar Teresa e Simão, visto que nenhum dos dois os queria ver juntos. Baltasar, manipulando-a, diz-lhe que os dois apaixonados apenas a utilizavam como forma de contacto e que, no fundo, a desprezavam. Mariana, farta de sofrer por um amor não correspondido e já saturada da situação, decide ajudá-lo.

Com o passar dos dias, Baltasar e Mariana continuaram a encontrar-se não só com o intuito de traçar o plano para provocar a separação, mas também porque começaram a descobrir que gostavam de passar tempo juntos. Ao longo do tempo, tanto Mariana como Baltasar foram-se apercebendo do sentimento que ia crescendo entre os dois, mas o orgulho e a ambição de separar Teresa e Simão eram tão grandes que nenhum confessou o que sentia.

Os pais de Simão e o pai de Teresa, encontraram uma casa para os seus filhos viverem e decidiram contar-lhes a novidade, deslocando-se a Braga. Teresa e Simão não estavam à espera da visita dos pais, mas ainda mais surpreendidos ficaram pelo facto de as duas famílias estarem juntas e terem ultrapassado as rivalidades familiares. Tadeu sugeriu um passeio pela cidade, onde tencionava mostrar- lhes a casa que tinham comprado. Foi então que os jovens ficaram a saber que as famílias se tinham unido para lhes oferecer uma casa como prenda de casamento. O casal nem queria acreditar que fosse verdade. Sentindo-se eternamente gratos aos pais por tudo o que tinham feito nos últimos tempos, decidiram que iriam comemorar aquela reconciliação com todos os seus amigos em Viseu.

Já em Viseu, Mariana recebe o convite da festa e apercebe-se que Baltasar não tinha sido convidado. Contudo, decidiu ir na mesma para controlar a situação já que continuavam decididos a separar Teresa e Simão.

Quando Mariana chegou à festa, ambos correram para ela, manifestaram-lhe a sua amizade e agradeceram- lhe por tudo o que ela fizera por eles durante o tempo em que Teresa se encontrava no convento de Viseu. Mariana viu que eles eram sinceros, que era quase impossível separá-los e compreendeu que não valia a pena levar avante o que ela e Baltasar estavam a planear.

No dia seguinte, Mariana encontrou-se com Baltasar e abraçou-o, sentindo nesse momento que o que realmente queria e a fazia feliz era ficar com ele. Contou-lhe o que pensava, que não valia a pena separar Teresa e Simão e decidiu, finalmente, confessar os seus sentimentos. Baltasar, emocionado pelo facto de ser correspondido, abriu também o seu coração. Decidiram ultrapassar as mágoas do passado e construírem o futuro juntos.

Teresa e Simão encontravam-se na melhor fase das suas vidas e Simão comentou com Esmeralda que queria pedir Teresa em casamento, mas não sabia como organizar tudo. Esmeralda disse-lhe que só precisaria de se preocupar com o pedido e que o resto ficava por conta dela, sugerindo o Convento da Conceição para a cerimónia. Afinal de contas, aquela instituição existia para ajudar as pessoas que, por falta de uma família que as protegesse e educasse, precisavam de abrigo e orientação. Para a instituição, o ideal seria que todos os seus utentes pudessem ter uma história bem sucedida como a de Simão e Teresa. Simão queria um anel especial e Tadeu de Albuquerque sugeriu oferecer-lhe o anel com que tinha pedido a mãe de Teresa em casamento. Teresa sentiu-se muito emocionada e sensibilizada com esta decisão e aceitou o pedido.

Chegou o grande dia, trinta e um de julho, e todos os conhecidos já estavam à espera do começo da cerimónia. A lista de convidados estendia-se desde os antigos amigos de Viseu até os novos amigos de Braga. O convento estava mais belo do que nunca, todo enfeitado com grandes jarrões de flores. Na igreja, o órgão tocava a marcha nupcial, lançando no ar acordes alegres e festivos que a todos sensibilizavam. A luz dos candeeiros fazia refulgir a talha dourada, os lírios e as rosas exalavam um aroma adocicado. Era impossível estragar aquele momento.

Simão já estava no altar. Os acordes do órgão soaram mais fortes e Teresa entrou na igreja.

Será que vão ser felizes para sempre?

A paixão de Mariana

Arthur Oliveira

Cláudio Vasconcelos

Tiago Pereira

Naquele dia, Mariana estranhou o total silêncio matinal da casa. Com um andar de veludo, percorreu as divisões de sua casa e, ao entrar no quarto principal, deparou com o pai com um bilhete na mão, a chorar. Mariana, intrigada e confusa com o que via, aproximou-se lentamente do pai que, ao notar a sua presença, a abraçou com uma enorme tristeza. Em seguida, começou a ler o bilhete para Mariana:

" João, quando estiveres a ler esta mensagem, já eu estarei longe. Quero desejar-te boa sorte para o resto da tua vida e para a Mariana. Espero que ela um dia me venha a perdoar. Amanhã virá alguém buscar todas as minhas coisas.

Diana"

De imediato, dentro de Mariana cresceu um sentimento de raiva e tristeza enorme e rompeu em choro. O tempo foi passando e João sentia que, sozinho, não seria capaz de educar convenientemente a filha, para além de que sentia cada vez mais dificuldades em sustentá-la; começou então a procurar outra solução para o futuro dela. Decidiu entregá-la aos cuidados do Instituto Monsenhor Airosa com o objetivo de lhe garantir proteção e um futuro melhor. João despediu-se de Mariana com um abraço enorme que explodia de sentimentos.

Ao entrar no Instituto pela primeira vez, Mariana ficou encantada com os grandiosos jardins exteriores, com as paredes altas da igreja cobertas por luxuosa talha dourada e extraordinárias pinturas nos tetos.

O período de habituação de Mariana não foi fácil, passou muitos momentos de saudade do pai, de solidão e incertezas quanto ao futuro, mas tudo mudou quando viu Jacinto. Jacinto era uma pessoa simples, humilde e trabalhadora, um rapaz do povo, cujos pais tinham bastantes dificuldades financeiras e, para os poder ajudar, trabalhava na cozinha do Instituto.

Mariana ficou deslumbrada com os azuis olhos de Jacinto que lhe faziam lembrar um imenso oceano. Um simples olhar foi o suficiente para Mariana se encantar por ele, no entanto Jacinto não notou a sua presença. Em todas as refeições Mariana olhava deslumbrada para o rapaz que continuava a não dar mostrar de se sentir sequer observado; um dia, ganhou coragem e decidiu ir falar com ele mas, no caminho, foi interrompida pelo sino que anunciava que eram horas de se dirigirem para a igreja para fazer a oração habitual. Por mais que tentasse, Mariana não se conseguia concentrar numa única oração, tudo em que conseguia pensar era na sua paixão, em nada mais. Todos os seus pensamentos envolviam um encontro com Jacinto e ponderava todas as opções para se encontrar mais uma vez com aquele modesto empregado de cozinha que tinha os olhos azuis mais bonitos que já vira.

Um dia, por mero acaso, deparou-se com Jacinto bem na sua frente. Mariana, sem reação, corada, encarou-o mesmo nos seus gloriosos olhos, mas ele, com um sorriso sereno, limitou-se a acenar-lhe. Mariana recuperou o sangue frio, avançou na direção daquele que era o rapaz dos seus sonhos e resolveu começar a conversar e assim ficaram por um largo tempo. As expectativas de Mariana aumentavam a pique. Os dias foram passando, a amizade deles tornava-se cada vez mais intensa e, no meio de tanto entusiasmo, Mariana achava que a felicidade iria continuar a marcar a sua vida.

Certo dia, em que, como habitualmente, se preparava para a oração matinal, Mariana foi intercetada por um dos sacerdotes da instituição: um punhado de palavras foi o suficiente para provocar em Mariana a sensação mais amarga que alguma vez sentira... João, o seu pai, tinha morrido com um enfarte do miocárdio... e ela não tinha podido estar ao seu lado!

O único consolo nesse dia cinzento foi a companhia de Jacinto que passara a ser a única razão de viver de Mariana. As semanas foram passando e a vida daquela pobre rapariga voltou lentamente à normalidade.

Algum tempo depois, numa conversa com Jacinto, Mariana ficou a saber que fora do convento só se falava da chegada a Braga de uma senhora muito rica, fazendo-se acompanhar por uma equipa de criados vestidos a rigor, uma imensa onda de malas e uma carruagem luxuosa. Dizia-se que esta mulher era a mesma que, anos atrás, havia abandonado uma filha, uma pobre menina, deixando-a ao cargo do pai, privando-a do amor maternal. Apesar da horrenda história que se contava dela, o facto é que também se dizia que esta misteriosa mulher se mostrava bondosa e atenciosa para com qualquer pessoa com quem se cruzasse. Jacinto adiantou ainda que se dizia que esta desconhecida afirmava que faria de tudo para encontrar a filha perdida. Mariana, identificando-se com a criança abandonada, interrogou Jacinto acerca do nome dessa mulher mistério, mas ele não sabia.

Três dias depois, Mariana acordou com o som de altas vozes vindas do exterior. Curiosa, tentou perceber a origem daquela vozearia e ficou surpreendida ao ver, à porta do convento, alguém que, pela aparência só podia ser a "Mulher Misteriosa" de que Jacinto lhe falara. Minutos depois, Mariana foi chamada por uma freira. Intrigada, desceu as escadas para o átrio principal e não queria acreditar quando lhe disseram que aquela mulher sofisticada e misteriosa era a sua mãe.

Após uma longa e emotiva conversa entre ambas, Mariana acabou por perdoar à mãe o facto de a ter abandonado, mas, em troca, fez-lhe prometer que, daí em diante, seria ela que iria garantir o financiamento necessário para que o Instituto Monsenhor Airosa continuasse a dar apoio e formação a todos os jovens privados da proteção familiar. Mariana sabia bem o quanto lhe custara ter crescido sem o carinho da mãe e do pai e nem queria imaginar o que seria a sua vida se não tivesse tido um teto, o afeto e o profissionalismo de todo o pessoal que trabalhava naquela instituição. Estava-lhes imensamente grata e esta era uma boa maneira de provar a sua gratidão. A sua gratidão foi ainda mais longe: mais tarde, já formada e casada com Jacinto, resolveram ficar os dois a trabalhar no instituto. Mariana dava aulas aos jovens, ajudava a prepará-los para a vida e Jacinto ajudava na parte administrativa.

O assalto que correu mal

Carlos Pereira
Fábio Vieira
Luís Santos
Rui Patrina

O Instituto de Monsenhor Airosa tem vários espaços memoráveis como, por exemplo, a famosa fábrica de hóstias que produz para todo o país, a Igreja da Conceição que se destaca pelo seu estilo barroco, possuindo um órgão do século XVII, que é o mais antigo em funcionamento na cidade de Braga, e ainda a oficina de tecelagem que guarda muitos segredos do fabrico de tecidos com desenhos únicos da autoria do próprio Monsenhor Airosa.

Esta história passa-se em 1927, um ano que foi muito produtivo para a fábrica de hóstias do Instituto de Monsenhor Airosa. A produção e os lucros aumentaram de forma surpreendente o que fez com que o Instituto fosse conhecido por todo o país, tudo por causa de uma receita de hóstias criada por um mestre padeiro muito conhecido, Paulo Gonçalves, e que foi considerado por muitos o melhor padeiro do século XX, em Portugal. A receita foi doada ao Instituto por esse mestre padeiro pois considerava notável a obra social desenvolvida pela instituição.

Porém, estes lucros não trouxeram só coisas positivas...A rivalidade entre o Instituto Monsenhor Airosa e a Fábrica Sabores da Fé, localizada no Porto, que até então tinha sido considerada a melhor fábrica de produção de hóstias do país, aumentou. Após algum tempo a pensar em como recuperar a fama perdida, o dono da fábrica do Porto, Nuno Santos, traçou um plano que consistia em ir de noite roubar a receita, pois sabia que o Instituto não tinha vigilância noturna. Para isso, contava com o auxílio de dois dos seus operários, que eram antigos trabalhadores do Instituto Monsenhor Airosa e conheciam muito bem o local e os seus segredos.

Certa noite, puseram o plano em prática. Eram duas da manhã, não se ouvia um único suspiro, Nuno Santos e os dois operários entraram no Instituto pelas traseiras, pois era a única forma de entrarem sem serem vistos. Separaram-se para conseguirem procurar a receita num maior número de locais e num curto espaço de tempo.

O patrão foi diretamente ao interior do Instituto, mais precisamente ao quarto de Monsenhor Airosa que, pensava ele, seria o sítio mais provável onde encontrar a receita. Um dos operários dirigiu-se à oficina de tecelagem pois sabia de alguns segredos que existiam naquele local e o outro operário foi procurar na fábrica de hóstias.

Passadas duas horas, nenhum dos três tinha ainda conseguido encontrar a receita; o único que encontrou algo foi o operário que estivera na oficina de tecelagem. O que ele encontrou foi um modo mais fácil e eficaz de fuga que era precisamente um tapete mágico que conseguia voar. O tempo estava a começar a escassear para os três assaltantes e, de repente, tudo se complicou ainda mais. O patrão, que ainda estava no quarto do Monsenhor Airosa, como era bastante trapalhão, deixou cair uma jarra que se encontrava na cómoda mesmo em frente à cama. Monsenhor Airosa acordou com o barulho e ainda tentou correr atrás do assaltante, mas não o conseguiu apanhar. Os operários, ao ouvirem o barulho, dirigiram-se rapidamente ao ponto de encontro que tinham combinado e conseguiram fugiram os três no tapete voador sem serem vistos.

Depois deste acontecimento, a segurança dentro do Instituto duplicou, tendo sido contratados guardas- noturnos e o local onde se escondia a receita foi mudado. Entretanto, na fábrica de Sabores da Fé, Nuno Santos não desistia e repensava um novo plano para roubar a receita só que, por mais que pensasse, não conseguia encontrar uma forma que fosse eficaz. E se, ao invés de estar a tentar roubar a receita, a tentasse obter por meios legais? Por que não ir ao Instituto Monsenhor Airosa e perguntar por quanto estavam dispostos a vender a receita?

No dia seguinte, Nuno Santos mais um grande amigo, Filipe Ribeiro, que era um grande empresário e um grande acionista da sua fábrica, foram ao Instituto fazer a proposta de compra da receita das hóstias.

- Boa tarde, eu chamo-me Nuno Santos, sou dono da Fábrica Sabores da Fé e este é o meu amigo Filipe Ribeiro. Gostaríamos de falar com Monsenhor Airosa. - disse Nuno a uma freira que lhes abriu a porta.

A freira regressou daí a instantes, dizendo-lhes que Monsenhor Airosa ia recebê-los de imediato. Quando entraram, Nuno Santos disse:

- Boa tarde, Monsenhor Airosa, vimos do Porto e queríamos fazer-lhe uma proposta de compra da receita de hóstias.

- Lamento imenso, meus senhores. Lamento que tenham tido o transtorno de virem até Braga, mas a receita não está nem poderá estar à venda porque foi doada ao Instituto e, como qualquer outra doação, não se pode alienar. Faz parte das regras da nossa instituição. - Respondeu Monsenhor Airosa , mostrando bastante firmeza nas palavras.

Mesmo que não existisse tal regra, nunca Monsenhor Airosa aceitaria vender a receita. A instituição precisava de ter lucros próprios para continuar a proporcionar apoio às pessoas, sobretudo a jovens raparigas, que não tinham família. Por isso mesmo é que ele tinha ido a França aprender a técnica de "jacquard" e tinha montado uma pequena oficina de tecelagem onde se faziam lindíssimas colchas e toalhas. A produção de tecidos e de hóstias eram importantíssimas para a sobrevivência daquele projeto social. Vender a receita das hóstias?! Aqueles homens eram doidos!

- Bem, então acho que não há mais nada a conversar... Tenha um bom, dia Monsenhor Airosa, foi um prazer conhecê-lo - afirmou secamente Nuno Santos, procurando esconder a frustração e a revolta que sentia por não ter obtido o que queria.

Mas não desistiu.

Entretanto, os meses foram passando e no Instituto nunca mais se ouviu falar de Nuno Santos. A Fábrica Sabores da Fé dava prejuízos cada vez maiores, enquanto os lucros do Instituto cresciam. Nuno Santos não aguentava ver a sua empresa a cair a um ritmo alucinante e, depois de semanas fechado no escritório, conseguiu congeminar um novo plano que lhe parecia infalível.

Era domingo de manhã, hora de missa; estava toda a gente reunida na igreja da Conceição para celebrar a missa dominical. Nuno Santos mais sete operários puseram o plano em marcha. Desta vez, em vez de ser um operário por local, seriam dois, ou seja, dois operários procurariam na oficina de tecelagem, outros dois na fábrica de hóstias, o patrão e um outro operário iriam procurar no quarto de Monsenhor Airosa, enquanto o último iria vigiar a igreja, emitindo um sinal aos companheiros quando a missa acabasse para iniciarem a fuga. Desta vez ainda tinham um trunfo na manga para além do tapete voador: cada um deles trazia dardos tranquilizantes, para uma situação de emergência, caso aparecesse um guarda (o que seria um pouco provável pois, passados já três meses após a primeira tentativa de furto por parte de Nuno, a segurança no Instituto diminuíra).

A missa decorreu normalmente, mas alguém reparou no comportamento suspeito por parte dos dois operários de Nuno na oficina de tecelagem e soou o alarme de emergência. Foram rapidamente viaturas da polícia ao Instituto, mas os assaltantes conseguiram fugir com o auxílio do tapete voador e dos dardos tranquilizantes que foram usados contra os guardas. No entanto, a polícia ainda conseguiu apanhar quatro pois o tapete voador embateu contra uma árvore de grande porte, provocando uma queda aparatosa.

Algum tempo depois, a Fábrica dos Sabores da Fé fechava por causa do grande prejuízo que tinha. Passados meses, um dos assaltantes presos contou tudo à polícia sobre o assalto e Nuno e outros empregados que tinham conseguido fugir foram presos semanas depois.

O mais engraçado é que os ladrões procuraram por todo o Instituto menos na igreja da Conceição onde Monsenhor Airosa decidira guardar a preciosa receita, bem enrolada dentro de um dos tubos do órgão. E apesar de estarem dois ladrões a vigiar a igreja, não deviam perceber muito de música porque não repararam que o órgão estava um pouco desafinado...

Tempo de mudança

Beatriz Marques
Camila Carvalho
Diana Machado
Tatiana Silva

"Para apanhar o americano, os dois amigos romperam a correr desesperadamente pela Rampa de Santos e pelo Aterro, sob a primeira claridade do luar que subia."

Eça de Queirós, Os Maias

Eu e o Ega, ofegantes, chegamos finalmente ao local previsto para o jantar. Da porta, ouvia-se uma agradável voz que cantava, num tom suave e doce, um fado dolente acompanhado pela típica guitarra clássica portuguesa. Entramos. Uma cor acastanhada marcava o espaço onde sobressaía uma intensa decoração e vários quadros alusivos a festas, espetáculos e convívios que ali tinham ocorrido. De longe, avistei, na mesa situada ao pé da esquina, o Vilaça e os restantes rapazes. Cumprimentámo-los, sentámo-nos e, de repente, toda a minha atenção se centrou na atuação duma figura feminina, onde se destacavam uns brilhantes olhos azuis, uma face ebúrnea e uns deslumbrantes lábios rosados. Quando finalmente consegui deixar de olhar para ela, dei por mim a refletir sobre a letra da música. O refrão abordava a importância da renovação ao longo da vida no sentido de vencermos obstáculos, ao invés de cairmos na melancolia e na estagnação. Depois da história de amor falhada com Maria Eduarda, uma tragédia cujas memórias ainda me magoavam, embora já tivessem decorridos alguns anos, tudo o que eu precisava naquele momento era de uma drástica mudança! Oh, se era!

A canção terminou e intensos aplausos abafaram toda a sala. Para minha felicidade, depois de descer as escadas do palco, a fadista começou a caminhar na direção da nossa mesa. Do nada, uma inexplicável coragem e determinação invadiu todo o meu interior e resolvi dirigir-me a ela.

- Parabéns pela atuação! Tem uma voz incrível. Será que posso saber o seu nome?

- Muito obrigada! - Disse, envergonhada - O meu nome é Elisa Vasconcelos. E o seu?

- Carlos da Maia. Muito prazer! Aceita juntar-se a nós naquela mesa?

- Como poderia recusar o convite vindo de um cavalheiro tão elegante?

Imediatamente, esbocei um sorriso de satisfação e, de rosto afogueado, peguei delicadamente no braço dela, conduzindo-a até à mesa. O convívio prolongou-se de forma agradável pela noite dentro. Abordaram-se vários temas interessantes, desde as experiências vivenciadas por cada um de nós até aos projetos que Elisa, como cantora, tinha agendados. Ela era de Braga e tinha prevista uma grande atuação que iria decorrer num espaço chamado GNRation. Francamente, aquela cidade era desconhecida para mim... Mas não o seria por muito mais tempo! Depois de horas de conversa amena, da degustação dos melhores vinhos de Lisboa e de várias partidas de whist, os homens despediram-se com um shakehands e eu tive o prazer de sentir o perfume da face de Elisa quando nos despedimos com um delicado beijo na face. Mal cheguei a casa, ordenei ao velho Teixeira que preparasse as minhas malas, para que, uma semana depois, pudesse estar em Braga e, assim, conseguisse ver e ouvir Elisa mais uma vez.

Conhecer novos lugares e novas pessoas era tudo o que eu precisava numa fase em que a minha vida estava marcada por um enorme tédio e uma pesada monotonia...

A viagem foi tranquila. Assim que cheguei, tive logo a sensação de que Braga era uma cidade acolhedora, luminosa e florida. Como, segundo a programação do GNRation, ainda faltavam alguns dias para o espetáculo de Elisa, resolvi aproveitar o tempo para conhecer a cidade. Sem apressar o passo, no fim da tarde, caminhei pausadamente ao longo da avenida principal. A brisa fresca de maio, conjugada com o azul suave do céu, as pinceladas brancas das nuvens e as cores vivas das flores que se estendiam pelos canteiros das bermas de quase todas as ruas, tornavam aquele centro soberbo. Havia muito movimento na rua e Braga parecia bem diferente da "cidade preguiçosa" a que eu estava habituado.

Enquanto errava na cidade, lembrei-me de que não tinha trazido de Lisboa nenhuma roupa adequada para o espetáculo que tanto ansiava ver... Por sorte, deparei-me com uma loja que vendia fatos de cerimónia. Na fachada, letras gordas e negras davam nome àquele estabelecimento: Cardoso da Saudade. Entrei. A loja era enorme, com dois pisos, e o chão, de tão brilhante que era, refletia os fatos, os vestidos de senhora e o cheiro a tecidos novos pairava no ar. Um dos empregados dirigiu-se a mim e, de forma muito prestável, perguntou:

- Posso ajudar o cavalheiro?

- Com certeza. Preciso de um fato elegante mas simples, mas tenho alguma urgência. Fazem por medida?

- Claro! Daqui a dois dias fica pronto. Quer escolher o tecido? Temos tecidos das melhores fábricas nacionais e europeias ...

Vendo a curiosidade com que examinava o local, o empregado disponibilizou-se para me fazer uma pequena visita guiada pela loja que era deveras um espaço enorme, mas muito bem concebido e decorado. Fiquei impressionado com a amabilidade de todos os empregados da loja, com a luminosidade, o jardim lateral e o silêncio tranquilizante daquele lugar. Uma loja com jardim interior, alguém acredita? Em Lisboa, os estabelecimentos costumavam ser bem menos cativantes e as pessoas bem mais sisudas e fechadas... Pobre Lisboa e seus habitantes que não imaginam como as pequenas cidades podem ser espaços onde se pode ser muito mais feliz!

Dias depois, já de fato vestido, impecavelmente bem feito, mal conseguia dominar a alegria e a ansiedade de assistir ao espetáculo. Como saí cedo de casa, ao entardecer, ainda tive tempo de passar por uma florista e comprar um ramalhete de rosas vermelhas para a Elisa... Naquele momento, só pensava nela e no quão deslumbrante com certeza seria aquela noite. Pouco faltava para as oito horas, a hora da atuação aproximava-se e a fila já era enorme. Toda a multidão foi conduzida até à sala do espetáculo por um jovem alto, magro, de cabelos compridos e ar exótico, e, ao longo do caminho, chamou-me a atenção a arquitetura moderna, a grande quantidade de vasos, dispostos verticalmente ao longo das paredes exteriores que contornavam todo o edifício, assim como a existência de inúmeras salas em todos pisos do edifício onde havia sempre, pelo menos, três jovens a trabalhar afincadamente em projetos empreendedores que pareciam não ter fim... Que contraste com o jovem diletante que eu tinha sido! Estavam com ar de quem não fumava uma cigarette há horas!

Assim que entrei na sala onde Elisa ia cantar, sentei-me na primeira fila. Não demorou muito até que as cortinas se abrissem e ela surgisse, num elegante vestido preto adornado com um xaile escarlate. Olhamos quase automaticamente um para o outro. Naquele instante, parecia que só nós os dois lá estávamos e, de alguma forma, senti que ela ficou feliz com a minha presença... O espetáculo começou e toda a exibição foi marcada por vários temas originais e alegres que Elisa foi cantando esplendidamente. No final, quando a sala já estava vazia, esperei que ela regressasse dos bastidores para lhe entregar as rosas. Naquele momento, temi que ela pudesse ouvir o bater do meu coração, já que o nervosismo se apoderou de mim, mas, de qualquer forma, ganhei novamente coragem para me dirigir a ela, tal como no dia em que nos conhecemos. Assim que ela me viu com o ramo na mão, um sorriso rasgado invadiu-lhe o rosto e finalmente tive a oportunidade de conversar a sós com ela. Como eu já esperava, ela perguntou-me o que é que eu estava ali a fazer e eu, meio tímido e lívido, respondi que a vontade que tinha em voltar a ouvi-la e a vê-la me tinha conduzido até àquele lugar. Percebi que ela ficou contente com aquela justificação e resolvi convidá-la para um passeio, naquele final de noite, em que um romântico luar de maio banhava a cidade.

Desde então, os encontros tornaram-se cada vez mais frequentes, as conversas mais longas e mais íntimas e, por conseguinte, a minha estada em Braga mais prolongada. Aos poucos, juntamente com Elisa, fui descobrindo que, afinal, o amor, apesar de ser difícil, pode trazer felicidade... Basta deixar fluir naturalmente as relações e procurar sempre respeitar e compreender a outra pessoa. Cheguei a esta conclusão enquanto caminhava com ela, de mãos dadas, no jardim de Santa Bárbara, repleto de amores-perfeitos, túlipas e rosas. Pela primeira vez, dirigindo-me a ela, desabafei com alguém (só o tinha feito com o Ega, o meu amigo de longa data) tudo aquilo que realmente sentia:

- A minha vida, até te conhecer, foi complicada. Nasci e, passado pouco tempo, o meu pai, Pedro da Maia, suicidou-se por não ter resistido ao choque que a fuga da minha mãe com um príncipe napolitano lhe causara. Nunca conheci a minha mãe nem a minha irmã mais velha que ela levou quando partiu. Órfão de pai e mãe, fui educado por um homem extraordinário, Afonso da Maia, o meu avô paterno. Mais tarde, conheci uma senhora muito chic, muito bonita, por quem me apaixonei. Mas, ironia do destino!, vim a saber depois que ela era a irmã que eu nunca conhecera e que, sem o sabermos, tínhamos cometido incesto... Ainda hoje me sinto culpado pela partida do meu avô, que morreu de desgosto ao saber da nossa relação. Tudo isto fez com que eu caísse numa desmotivação que me fez desacreditar da felicidade e não quisesse ter relações amorosas durante os anos que se seguiram. Não obstante, assim que te conheci, esta minha posição mudou e acabei por perceber, embora tarde, que a vida pode sempre surpreender-nos com uma nova história de amor e que, afinal, vale a pena apressar o passo e lutar por aquilo que, efetivamente, nos pode fazer sentir vivos...

O momento era embaraçoso, apercebi-me que a Elisa ficou sem saber muito bem o que dizer ao ouvir uma história tão dramática. No entanto, não tardou até que ela, com toda a delicadeza, arranjasse umas palavras reconfortantes:

- Lamento que tudo isso te tenha acontecido. De qualquer modo, fico feliz por teres ultrapassado essa fase. Agora, nunca te esqueças que são as adversidades que surgem ao longo da vida que nos tornam mais fortes e que, de hoje em diante, poderás sempre contar comigo para tudo aquilo de que precisares! Erros, todos nós cometemos, mas a vida chama por nós e não podemos cruzar os braços ...

As suas palavras foram um bálsamo. Suponho que o bem-estar interior que senti ao ouvir as suas palavras fosse o mesmo que Cesário Verde referiria alguns anos mais tarde numa das suas poesias: "E recebi naquela despedida/ As forças, a alegria, a plenitude /que brotam dum excesso de virtude."

E continuamos o passeio pela cidade, quando o sol já se punha, ambos emocionados e a traçar planos para o futuro.

Entre linhas

Beatriz Fernandes
Izabela Conti
Letícia Azevedo
Maria Cecília

Ana Plácido, uma mulher atraente, de personalidade forte, completou dezoito anos a 21 de setembro de 1849 e finalmente viu-se livre do convento, em Braga, onde estivera enclausurada até então. Ana fora abandonada na roda dos enjeitados do convento aos três meses de vida pela mãe, que sofria com a pressão da sociedade pelo facto de ser uma mulher solteira que se tinha envolvido com um homem casado e engravidara. A sua única saída era entregar a criança o mais rapidamente possível para lhe garantir alguma estabilidade e cuidados e para ele própria não ser apanhada nem sofrer as consequências desse delito.

Ao contactar, pela primeira vez, com a realidade fora do convento, Ana viu-se na mesma situação que a sua mãe: sem marido e tendo apenas duas opções para sobreviver, prostituir-se ou viver na rua pedindo esmola. Vinda do convento, não cogitava sequer a possibilidade de ter que vender o seu corpo para se sustentar, por isso, vivia na rua.

A pobre rapariga caminhava solitária pelas ruas de Braga, já debilitada física e psicologicamente devido a diversas situações pelas quais passava e também devido aos olhares reprovadores com que a olhavam. Um dia, apesar do estado em que se encontrava, Ana sentiu uma agradável sensação ao escutar uma música vinda do outro lado da rua; resolveu segui-la e deparou com um grupo que tocava em frente de uma loja que chamou a sua atenção: Cardoso da Saudade. Na montra, fatos e vestidos de grande elegância, uma iluminação forte no interior e um sorriso acolhedor à porta. Rosa Maria, a proprietária da loja, com um sorriso simpático convidou Ana para conhecer a loja, pois reparara na expressão de encanto com que a jovem ficara ao ver o estabelecimento. Após algum tempo de conversa, Rosa apercebeu-se da simpatia de Ana e convidou-a para trabalhar na loja, procurando também melhorar a situação de vida em que a rapariga se encontrava, pois sabia bem das dificuldades que uma mulher solteira e sozinha enfrentava.

Ana adaptou-se muito bem à loja, tornando-se uma costureira de alta qualidade. Tempos depois, foi chamada para costurar dois fatos de casamento, um para o noivo e outro para o padrinho. Quando avistou os dois homens, a jovem sentiu-se profundamente atraída por um deles. Tentou afastar as suas emoções e ser o mais profissional possível. Durante a conversa, Ana sentiu-se aliviada pois Camilo, o padrinho do casamento, o tal que lhe fizera tremer o coração, estava solteiro. Ao costurar o fato de Camilo, Ana bordou também um Lenço de Namorados com uma declaração de amor ao belo homem para que ele soubesse a atração e a admiração que nutria por ele. Segundo a tradição, depois de receber um lenço destes, cabia ao rapaz a decisão de usá-lo ou não de acordo com o seu interesse na rapariga.

Semanas se passaram após a primeira prova dos fatos para o casamento e Ana andava transtornada porque ainda não recebera nenhuma resposta do jovem Camilo.

Chegou o dia da prova final, contudo Ana não estava entusiasmada para mostrar os magníficos fatos que tinha costurado, aliás estava muito desanimada. O sorriso que costumava iluminar a bela face da moça foi varrido pela tristeza, pela falta de esperança que lhe foi retirada após a sua declaração a Camilo e pela situação embaraçosa em que se colocara ao revelar os seus sentimentos. O noivo foi o primeiro a vestir o fato, depois foi a vez do padrinho. Com os nervos à flor da pele, Ana tremia ao tentar tirar os alfinetes do fato, os nervos eram cada vez mais notórios e Camilo, para tentar acalmá-la, pegou-lhe suavemente nas mãos e acariciou-as levemente. Ana retirou-se um pouco para apanhar ar e quando regressou, ficou boquiaberta ao ver Camilo a colocar o lenço que ela tinha bordado, no bolso esquerdo do casaco, mostrando-lhe assim que o que ela sentia era correspondido.

Camilo, igualmente envergonhado, convidou a simpática moça para dar uma volta pelas belas ruas de Braga. Atrapalhada, Ana recusou o amável convite, dizendo que necessitava de fazer horas extras na Cardoso da Saudade para terminar umas roupas de cerimónia.

Desapontado, o jovem Camilo dirigia-se para a entrada da loja quando Ana lhe perguntou se gostaria de conhecer o seu local de trabalho e o maravilhoso jardim que existia na parte lateral e cuja existência a maioria dos clientes ignorava.

De imediato, ele aceitou o convite e ofereceu-lhe uma rosa que comprara a uma pobre senhora que vendia flores do outro lado da rua. Ana, entristecida e dando leves passos para trás, disse a Camilo que era alérgica a rosas e, então, o padrinho de casamento rapidamente se dirigiu à famosa loja de chocolates, a Arcádia, e comprou uma caixa de chocolates em forma de rosas. Entregou a caixa envolta num grande laço vermelho e gracejou, dizendo que àquilo Ana já não deveria ser alérgica. Encantada, com a face da cor do laço da caixa, ela agradeceu a Camilo e começou a visita pelas belas escadas cheias de luz e vida, com azulejos que retratavam com cores quentes o acolhedor país em que viviam. A seguir, sentaram-se no jardim, junto da fonte de água e do canteiro de flores e Ana resolveu contar-lhe a história da sua vida. O jovem, impressionado, elogiou-a, destacando a pessoa independente e determinada que ela era enquanto mulher, atendendo a que as mulheres daquela época dependiam dos homens para as sustentar. Ao fim do dia, Camilo despediu-se de Ana com um suave e atrevido beijo no canto da boca, deixando-a corada de atrapalhação.

Alguns dias se passaram e Ana decidiu ir ao convento para visitar uma velha senhora que era como uma mãe para ela, a Irmã Rosário, pois precisava de lhe pedir um conselho. Contudo, voltar ao convento causava-lhe alguma apreensão pois não conseguia esquecer-se do quanto as religiosas tinham sido negativas para ela ao dizer-lhe que nunca iria ser ninguém na vida por querer ser diferente, por ser de opinião de que todas as mulheres deviam ser independentes e não necessitarem de um homem para sobreviver. Em suma, queriam que ela se conformasse, tal como as outras raparigas. Depois de uma tarde passada no convento, Ana regressou à Cardoso da Saudade com um sorriso enorme, pois agora sabia que tinha o apoio da Irmã Rosário para uma decisão importante que tomara e que poderia vir a afetar o seu futuro.

Já no final de um longo dia de trabalho na loja mais famosa de Braga, Ana encontrou Camilo à sua espera na grandiosa entrada da loja, e desta vez trazia um grande ramo de tulipas que representam o amor eterno. A jovem ficou sem reação e Camilo convidou-a para dar uma volta na cidade que à noite ganhava ainda mais vida. Ouviam-se músicas vindas de vários pontos da cidade, a iluminação pública conferia um ambiente mágico e as pessoas, descontraídas, pareciam viver num mundo completamente diferente à noite.

Enquanto passeavam, Ana voltou a ouvir a mesma música que ouvira no dia em que conheceu a proprietária do Cardoso da Saudade. A jovem emocionada, com lágrimas nos olhos, contou a história a Camilo e juntos foram ao encontro do músico ambulante. Encantada com o que ouvia e percebendo que, infelizmente, ele vivia na rua, Ana entregou-lhe uma saca com alguns alimentos que tinha comprado para si. Através daquele gesto, Camilo apercebeu-se que ela era diferente de todas as mulheres que já conhecera: tinha uma personalidade forte, era bondosa, nunca esquecendo as suas origens e as suas obrigações. Contudo, Ana não fazia ideia dos comentários que faziam nas suas costas, tudo por ser uma mulher determinada e independente. Foram comentários que Camilo ouviu e que o deixaram muito dececionado, visto que para a época em que estavam, as mentalidades não tinham evoluído, o que realmente o fazia sentir desprezo pela opinião das pessoas.

Convivendo com Ana, Camilo, ia mudando aos poucos, apercebendo-se que tudo o que ganhara na vida tinha sido desperdiçado nas pessoas e nas causas erradas. O jovem decidiu, então, ajudar quem mais precisava, sobretudo mulheres, a encontrarem onde dormir, onde trabalhar, ensiná-las a ser independentes. Aos poucos tornou-se um trabalho a dois; juntos, Ana e Camilo, estavam a mudar a sociedade, a tornar a mulher numa pessoa e não num objeto.

Uma das paixões de Ana era aprender a fazer tapetes de Arraiolos. Então, num domingo, Camilo decidiu levá-la à Torre de Menagem, onde uma carismática senhora, dona da loja dos Tapetes de Arraiolos, ensinava a várias pessoas aquela secular técnica de tapeçaria. A rapariga ficou sem palavras e agradeceu a Camilo com um abraço cheio de amor e gratidão, não só por aquele gesto mas também por tudo o que o jovem rapaz já tinha feito por ela. Ao final da tarde, acompanhou-a até casa e Ana ficou sem fôlego quando percebeu que o romântico Camilo tinha comprado o Tapete de Arraiolos com o desenho de que Ana mais gostava, dizendo-lhe que lho oferecia para expor na sua sala de estar. A noite dos dois jovens apaixonados terminou com um beijo apaixonado.

Decorria mais um dia normal na vida de Ana no seu local de trabalho; D. Rosa Maria apareceu junto dela com uma carta vinda de Paris, o que deixou a jovem bastante expectante. Mal ela sabia que aquela carta iria mudar a sua vida para sempre! A rapariga, ansiosa por partilhar a notícia que recebera, dirigiu-se rapidamente ao convento para falar com a Irmã Rosário que ficou maravilhada pelo reconhecimento que Ana recebia de Paris através da oferta de um emprego como estilista independente no atlelier de um conceituado costureiro francês. Contudo, nesta alegria e euforia, havia uma incerteza: a reação de Camilo que não sabia que ela se tinha candidatado àquele lugar. Ana queria ir para a cidade do amor, mas sem ter que abandonar o seu grande e primeiro amor, o belo jovem Camilo Castelo Branco.

Nessa noite, Camilo levou Ana a visitar a exposição de uma jovem artista francesa, coincidência não seria, mas sim mão do destino porque a jovem sabia que estava na hora de contar ao namorado que decidira partir para Paris à procura de liberdade e realização pessoal.

Camilo ficou sem reação ao ouvir a notícia. A sua vontade era acompanhar Ana naquele projeto, mas era filho único e o estado de saúde dos seus pais e não lhe permitia sair do país. Tentou ficar feliz por ela conseguir finalmente realizar o seu sonho; em contrapartida, o seu coração implorava para que ela permanecesse a seu lado. Depois de alguma hesitação, Camilo decidiu não ser egoísta e deixar a sua amada partir em busca do seu sonho.

Dez anos se passaram e Ana já era conhecida internacionalmente pelo seu talento na costura e na moda. Regressou a Portugal por uns meses para visitar as pessoas que ela considerava como família, a Irmã Rosário, a D. Rosa Maria, a dona da loja que a fizera chegar ao sucesso, e o seu primeiro amor, Camilo, que sempre a convencera a não desistir dela própria.

Uma coisa que ela não esperava ver eram réplicas do lenço que tinha bordado para Camilo, no dia em que se apaixonou por ele, a serem vendidas nas ruas como o Lenço dos Namorados. Camilo, que não tinha abandonado a causa a que se tinha dedicado com ela, decidiu dar a conhecer ao mundo esse lenço como símbolo da determinação feminina e para mostrar às mulheres que deviam ser independentes e nunca decidir as suas vidas em função de um homem.

Quase no seu regresso a Paris, Ana encontrou Camilo na rua com duas belas meninas, frutos do seu casamento. A alegria de se reverem foi enorme. Ana confessou a Camilo que ele iria sempre ser o seu primeiro amor, que nunca haveria palavras suficientes no mundo para lhe agradecer tudo o que ele fizera por ela. Camilo, emocionado, reconheceu que ela o tinha ensinado a ver o mundo de outra forma, de uma forma mais justa, menos preconceituosa e tinha aprendido que tudo dependia das ações e vontades de cada um, pois daí nasce a capacidade de fazer a diferença.

Triste Quimera

Ana Rita
Andreia Oliveira
Mariana Rodrigues
Teresa Veiga

São seis horas da madrugada, as janelas que batem com o vento já não me deixam dormir mais, os sinos tocam vezes sem conta, Braga inteira está prestes a saber o porquê da angústia que me tem atormentado a alma nos últimos dias, angústia que me faz sentir um vazio que jamais alguém poderá preencher. Afinal, ele era muito mais do que um avô, Afonso da Maia foi o homem que me criou e me tornou na pessoa que hoje sou. Os meus olhos sonolentos e cansados rapidamente se enchem de água que logo tento disfarçar quando a dona Gertrudes me vem avisar que temos visitas no Ramalhete. O meu coração aquece com a esperança de que a visita fosse Maria Eduarda para me confortar da perda do meu avô. É nestes momentos de solidão que ela me faz mais falta.

Não é ela. O sorriso que estava prestes a soltar logo desapareceu. É o senhor Cardoso, da loja Cardoso da Saudade, e, como grande amigo que era do meu avô e desta pequena família, faço um esforço para o receber com a simpatia que merece. Numa mão traz uma caixa de cartão com um laço de cor parda, com certeza será algo para demonstrar o seu apoio. Na outra mão traz uma carta amachucada e suja. Dentro da caixa, disse-me, estava um fato feito na sua loja pelos melhores alfaiates e com o melhor tecido que tinha para que eu usasse no funeral. Fazia-me aquela oferta em homenagem ao seu amigo Afonso da Maia. Quanto à carta, uma desconhecida que estava à porta, tinha-lhe pedido para ma entregar.

Agradeço, sensibilizado, e despeço-me do senhor Cardoso após uma breve conversa e, cheio de curiosidade, pego na carta. Mal abro o envelope, sinto um agradável aroma que me é familiar: Maria Eduarda, é isso! A essência é tal e qual o perfume que ela usava e com isto me vêm à cabeça, inevitavelmente, todos os bons momentos que a vida nos proporcionou. O sorriso que estava preso finalmente vem ao de cima ao lembrar-me daquelas tardes incríveis na Toca, daqueles piqueniques à beira rio e daquele futuro com o qual tanto sonhávamos. O coração começa a palpitar fortemente e um formigueiro percorre todo o meu corpo quando percebo que vou ser pai. "Carrego o nosso filho no ventre. Não me procures!" Estas frases ecoam na minha mente. Estou a viver uma mistura de sentimentos, mas a hora de sair de casa chegou. O funeral aproxima-se e eu tenho que ser o primeiro a lá chegar e receber todos. Rapidamente, visto o fato que o senhor Cardoso me ofereceu. É um fato incrivelmente bonito, fabricado com os melhores tecidos que já se viram em Portugal e atrevo-me a dizer da Europa. Assenta-me na perfeição como é habitual com toda a roupa da Casa Cardoso da Saudade.

A igreja enche, a cerimónia está a ser muito bonita, porém todos revelam a tristeza que sentem por este grande homem ter partido. Despeço-me dele pela última vez e juro ali nunca mais derramar lágrimas e tentar viver pondo em prática tudo o que ele me ensinou.

Quando chego a casa, releio novamente a carta, a minha vida está do avesso, não sei o que pensar nem como agir. Maria não quer que a procure, mas sinto que o meu dever como pai é procurá-los e dar-lhes uma vida digna. Eu e o Trovão, a minha fiel montada, partimos até Paris, cidade em que a mãe do meu futuro filho sonhava viver e para onde eu suspeitava que ela se refugiaria se saísse do país. Sem sucesso, continuamos por várias semanas nesta busca intensiva. Sem resultados, a terra natal chama por mim e vejo-me obrigado a desistir. Tento que a minha vida volte ao normal com o passar dos meses. Continuo a visitar o meu consultório à espera de ter pacientes, mas... nem isso. Sem o meu querido avô, nunca mais vou conseguir ser o mesmo e a família Maia perdeu completamente o seu significado. Sem descendentes, a família Maia desaparecerá quando eu morrer. O que me vale e me faz continuar neste mundo são os meus velhos amigos, o Ega e o Conde Gouvarinho.

-------------- *** --------------

A noite caíra. Extenuada, uma mulher caminhava ao longo de uma rua fria, degradada e escura; os seus passos eram lentos, mas determinados.

"Que noite! Este frio gela-me os ossos, os meus trapinhos já não dão conta do serviço e as minhas pernas já não são o que eram. Mais uma noite gélida ao relento, já estou sem forças mas a caminhada tem que continuar, tenho que cumprir o que prometi a Maria Eduarda. Este pobre e disforme bebé tem que ser entregue ao pai", dizia para si mesma a mendiga Fernanda, esperando que a necessidade de cumprir a sua promessa lhe desse ânimo para vencer o cansaço.

Fernanda iniciara a sua caminhada há meses com aquela criança no colo e, dia após dia, começava a sentir que estava a afeiçoar-se ao bebé que dava algum sentido à sua vida de solidão. Por isso, chegada ao fim a sua longa e penosa caminhada, não foi capaz de o entregar a Carlos, tal como lhe pedira Maria Eduarda. Decidiu ficar com ele e criá-lo como seu, mas para isso precisava de arranjar um emprego que os sustentasse. Arranjou emprego como empregada doméstica na casa do Conde Gouvarinho.

Passaram-se anos e o bebé Nandinho cresceu, no entanto era um jovem muito especial, pois sofria de assimetria facial. Nenhum rosto do mundo é perfeitamente simétrico, mas aqueles que nascem de relações incestuosas apresentam rostos fortemente assimétricos. Por isto, Nandinho era mal aceite pelos outros, porém Fernanda amava-o tal como ele era. O conde Gouvarinho tinha um carinho muito especial pelo menino e arranjou-lhe emprego como servente de mesa em ocasiões importantes. Ele ia estrear-se no jantar que ia dar no dia seguinte, um jantar muito importante, só de cavalheiros de alta sociedade, como era comum haver na altura. Naquele jantar ia estar presente o Conde, Carlos da Maia, João da Ega, Sousa Neto e Jacob Cohen.

Finalmente, chegou o dia pelo qual Nandinho tanto ansiava, era o final de uma bela tarde de verão quando alguns dos convidados começaram a chegar à Torre de Menagem, uma torre alta pertencente a uma muralha que no passado rodeava Braga e que agora era propriedade dos Gouvarinho. O interior era todo revestido a pedra, e a presença de janelas era escassa, tornando o espaço frio e sombrio, mas, por outro lado, também era um lugar de grande riqueza histórica. Para aquecer um pouco o seu interior, em algumas das suas paredes estavam pendurados magníficos tapetes de Arraiolos que tornavam o ambiente mais acolhedor e alegre.

Nandinho fazia tudo para agradar aos convidados, segurando os seus casacos e estando sempre por perto para lhes servir os melhores vinhos da adega dos Gouvarinho, enquanto todos esperavam pelo mesmo atrasado de sempre, Carlos da Maia, para iniciar o jantar. Mal chegou, o jantar foi logo servido.

Como de costume, os assuntos abordados à mesa foram a política, mulheres, literatura e a situação económica do país. A determinada altura, quando Nandinho começou a servir as entradas, Ega, incorrigível e exagerado como sempre, fez um comentário extremamente discriminatório sobre o seu aspeto físico. Envergonhado, Nandinho procurou esconder a cara e Carlos, que se apercebeu da injustiça e insensibilidade do comentário do Ega, interveio em defesa do jovem. Gerou-se uma discussão entre os convidados e Gouvarinho, sempre influenciável e não querendo desagradar aos convivas, ameaçou despedir o pobre rapaz devido à sua aparência. Indignado com a situação, Carlos saiu e Nandinho, fruto da boa educação que teve, foi a correr atrás dele, com o objetivo de lhe agradecer. Quando o alcançou e lhe agradeceu, Carlos comoveu-se e disse-lhe que não devia ter vergonha da sua aparência e que quem o julgava por isso não merecia respeito. Afetuosamente, convidou-o para se encontrar com ele na manhã seguinte, no Campo da Vinha, pois tinha uma proposta irrecusável para lhe fazer. Nandinho ficou ansioso e curioso.

Na manhã seguinte, meia hora antes, Nandinho já se encontrava no local marcado. Carlos, pela primeira vez, foi pontual e levou o jovem a conhecer o mais recente edifício que tinha adquirido chamado GNRation que, caso ele aceitasse a proposta, seria no futuro o sítio onde ele iria exercer uma função com muito mais importância. O GNRation era uma casa cheia de vida, era muito mais do que uma construção vulgar. Esta casa destinava-se a ajudar as pessoas que tinham projetos interessantes mas que não tinham os meios necessários para os desenvolver. No seu interior, havia um jardim diferente como Nandinho nunca tinha visto, era um jardim construído com vasos na vertical e com muitas plantas diferentes. Para além disso, o edifício tinha também um grande número de salas de música, outras para a exposição de arte, algumas eram quartos para descanso dos artistas, e outras eram espaços de lazer. O jovem, ao ouvir a proposta de Carlos, ficou sem palavras; no início hesitou, mas acabou por aceitar.

Para discutirem os pormenores da futura função que Nando iria exercer, Carlos convidou-o para jantar. O rapaz, mal chegou a casa, foi de imediato contar a boa nova a Fernanda que não reagiu bem, o que surpreendeu Nandinho. Ela ficou muito ansiosa e tentou persuadi-lo a não ir. O jovem estranhou a atitude da mãe tal como tinha estranhado outras que ela tinha tido ultimamente, contudo quis evitar uma discussão e foi arranjar-se para o jantar.

Durante o jantar, discutiram negócios e projetos futuros e Carlos decidiu avançar para assuntos mais íntimos, perguntando a Nando pela família, pelos pais. Perante isto, o rapaz ficou um pouco atrapalhado, mas mostrou já ter confiança em Carlos ao contar-lhe que nunca conhecera o pai. Contou-lhe também que Fernanda lhe tinha revelado há pouco tempo que ele era filho de uma jovem chamada Maria que tinha morrido durante o parto. Carlos ficou comovido com a história do rapaz e contou-lhe também a sua relação incestuosa, mas inconsciente, com Maria Eduarda e de um filho que nunca chegou a conhecer. Nandinho era um jovem muito curioso, inteligente e literato e por isso conhecia muito acerca das consequências das relações incestuosas. Logo, começou a associar que o facto de a amada de Carlos se chamar Maria Eduarda e de ele ter uma má formação proveniente de um incesto não podiam ser só meras coincidências. Desta forma, ao chegar a casa, Nando confrontou Fernanda com estas evidências e, automaticamente, ela ficou desarmada e, em lágrimas, contou toda a verdade justificando assim o porquê de ter andado tão estranha nos últimos tempos. Rapidamente, Nandinho foi ao encontro de Carlos com o objetivo de lhe dizer o que tinha descoberto. Carlos ficou boquiaberto e abraçou o filho espontaneamente. Dali surgiram dois grandes sorrisos e ambos juraram dar a Maria Eduarda uma cerimónia fúnebre bonita e merecida que, infelizmente, ela nunca pôde ter.

Com o passar do tempo, Carlos e Nando ficaram mais próximos, tornando a sua relação de pai e filho cada vez mais forte. Sendo Carlos médico, propôs ao filho uma cirurgia que corrigisse a sua assimetria facial, porém, este rejeitou, dizendo que o que mais aprendera com Fernanda foi a aceitar-se e amar-se tal como era mesmo que não se enquadrasse nos padrões da sociedade, e esse era também um dos motivos pelos quais Nando nunca conseguiu guardar rancor por Fernanda lhe ter escondido a sua origem.

Carlos ficou muito orgulhoso com a atitude do filho e de repente...

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Os sinos batem as nove horas e eu acordo com uma sensação muito estranha, o estômago dói e a minha cabeça pesa. Começo por procurar o meu filho Nando e não vejo sinais dele, por isso, vou rapidamente à casa dos Gouvarinho para falar com Fernanda. Mal chego e peço ao conde para falar com Fernanda, ele pergunta-me quem é. Penso que ele está a brincar, mas perante tal seriedade percebo que nunca tinha existido naquela casa nenhuma Fernanda. Foi tudo um sonho demasiado realista e neste momento sinto-me apunhalado e sem forças. Perdi o meu avô, Maria Eduarda não me quer mais, Nandinho é uma simples ilusão e já não tenho nenhum propósito para viver. Estou sozinho neste mundo...

Um amor incondicional...

Lucas Barcellar,
Pedro Cunha
Tânia Dias
Tomás Teles

Braga, no Norte de Portugal, é uma cidade antiga e escondida pela natureza, um lugar tranquilo, surpreendente, cheio de alma e energia positiva.

Na época em que ocorreu esta história, existiam na cidade várias pessoas de diferentes culturas e condição social, mas havia em especial duas famílias de elevado estatuto: a família Bettencourt, que se destacava sobretudo pela sua hegemonia económica na cidade devido à sua cadeia de lojas de Tapetes de Arraiolos, e a família Cardoso da Saudade que possuía uma loja de pronto a vestir de elevada qualidade. O grande problema entre estas duas famílias era a sua rivalidade, o ódio que nutriam uma pela outra, tudo por causa de ambas quererem dominar o setor empresarial e económico de Braga. Numa grande família existem sempre herdeiros ao património empresarial: no caso da família Bettencourt existia Pedro, um rapaz sonhador, destemido e diligente, e na família Cardoso da Saudade, a herdeira era a Rita, uma rapariga empreendedora e dedicada. Ambos iriam herdar no futuro todo o legado de seus pais.

Numa tarde primaveril, em que os pássaros chilreavam e voavam pelos céus e em que o perfume das rosas pairava pelo ar, conferindo à cidade um ambiente singular e tranquilo que contrastava com uma certa agitação gerada pelo regresso ao trabalho, Pedro e Rita embateram, fazendo com que a jovem deixasse cair os documentos que levava na mão. Pedro imediatamente se inclinou para a ajudar a apanhá-los, acabaram por trocar olhares e, ao mesmo tempo, sorriram espontaneamente, traduzindo a empatia que sentiam surgir.

A partir daquele providencial embate, os passeios e os encontros entre os dois viraram uma rotina ao ponto de nenhum deles conseguir passar um dia sem se verem. Tudo começou com uma bonita amizade que lentamente se tornou num amor intenso e forte. Tudo para eles estava perfeito pois nem um nem outro sabia que as famílias tinham um historial de ódio e rancor profundo.

Na cidade, todos os anos era organizado um evento muito apreciado, que trazia famílias importantes de toda a parte do país, e no qual participavam as duas principais famílias de Braga. Este evento era realizado numa das salas mais conceituadas e bonitas do país, o Teatro Circo, uma sala com grande história cujos magníficos lustres irradiavam uma intensa luminosidade, acentuando o luxo e conforto dos sofás em veludo vermelho e uma tela que, na cúpula, destacava ainda mais beleza e sumptuosidade do teatro.

Durante o evento, era habitual as famílias mais poderosas apresentarem-se aos convidados e fazerem o historial das suas empresas, procurando mostrar de onde provinha a sua riqueza e a solidez das respetivas empresas. Foi no decorrer das apresentações, em que participavam pela primeira vez, que os enamorados constataram que pertenciam a famílias rivais. A partir daí, o amor que era vivido em plenitude passou a ser algo proibido e de grande sigilo. Na manhã seguinte, encontraram-se a fim de conversar sobre o futuro do seu relacionamento. Nenhum deles estava disposto a abdicar daquele amor intenso que havia começado há tão pouco tempo e por isso decidiram começar a encontrar-se às escondidas, para ninguém suspeitar do romance. O local perfeito para os seus encontros era a Torre de Menagem, um local muito reservado, escondido e com uma vista magnífica sobre a cidade de Braga. Pedro e Rita passaram a encontrar-se todas as tardes nessa torre, conversando longas horas naqueles bancos de pedra junto à janela, no último andar do edifício.

Frequentemente, falavam do quanto a sua história era idêntica à das personagens Simão e Teresa do livro "Amor de Perdição" que Rita andava a ler. Mas os tempos eram outros e eles achavam que os familiares não iriam tomar atitudes tão exageradas. Habitualmente, depois de os apaixonados ficarem a conversar e a namorar no seu refúgio, ambos regressavam às lojas dos pais para ajudar as suas famílias. Rita ia ajudar o seu pai na Casa Cardoso da Saudade, uma loja com uma grande história e tradição, onde os fatos eram personalizados, feitos por medida com bastante dedicação, com instalações amplas e os funcionários eram acolhedores e prestáveis. Todo aquele imenso espaço e os tecidos que provinham dos melhores fabricantes da Europa atestavam o profissionalismo e sofisticação de quem se preocupava em agradar tanto ao público mais jovem como aos mais adultos. Pedro também ia para a Casa dos Tapetes de Arraiolos, a loja dos seus pais. Devido à grande quantidade de tapetes expostos, à enorme diversidade de desenhos e de cores vivas, o local parecia uma exposição de quadros alegres e originais. Os tapetes, de influência árabe, eram totalmente trabalhados à mão e eram muito apreciados quer para serem usados como tapetes quer como decoração de paredes. Vários solares particulares e museus de Portugal exibem este tipo de tapeçaria na decoração interior.

Os encontros clandestinos mantiveram-se ao longo de alguns meses sem que ninguém desconfiasse. Porém, algo ia mudar na vida dos dois jovens. Certo dia, Rita procurou acabar o trabalho o mais rapidamente possível, ansiosa por se ir encontrar com Pedro, o que fez com que se tivesse esquecido do porta-moedas na loja. Luís, um funcionário, apercebeu-se do facto e foi atrás dela para lho entregar; na rua, ainda chamou por ela algumas vezes, mas ela estava com a cabeça nas nuvens e nem o ouviu.

Luís continuou a seguir Rita, até ela entrar na Torre de Menagem. Ficou um pouco desconfiado, entrou também no local e, para seu espanto, viu Rita a atirar-se apaixonadamente para os braços de Pedro e ambos deram um beijo apaixonado. Quando Luís se apercebeu que o rapaz que Rita havia beijado era o filho de Carlos Bettencourt, ficou transtornado e foi a correr contar ao patrão. No momento em que recebeu a notícia, o Sr. Cardoso da Saudade ficou extremamente desiludido e irritado com a atitude da filha. Assim que ela chegou a casa, o pai confrontou-a e a rapariga não negou. Rita bem tentou explicar-lhe que o amor deles não tinha nada a ver com a rivalidade que ambas as famílias nutriam uma pela outra. Apelou ao seu coração paterno, dizendo-lhe que eles estavam muito apaixonados, mas nada disso atenuou a raiva de seu pai que a proibiu de imediato de voltar a ver o rapaz. A família de Pedro não tardou a ter conhecimento do romance e, igualmente furiosa, também proibiu Pedro de dar continuidade àquela relação.

Passadas algumas semanas, eles já não aguentavam estar longe um do outro e, por mensagem, combinaram um encontro. Usando do máximo de cautela e discrição, encontraram-se no seu refúgio onde conversaram longamente e decidiram que iam assumir o seu romance e, se as famílias não aceitassem o seu amor, fugiriam para bem longe. Mas a sorte não estava do lado deles porque, depois de terem enfrentado as respetivas famílias, nem uma nem outra mudou de opinião. Por isso, como combinado, iriam fugir, apenas não tinham escolhido o local para começar uma nova vida e viver o seu amor em plenitude longe de tão ridículos obstáculos. Como era possível que, mais de um século depois, a história de Simão e Teresa se repetisse?

Depois de alguma hesitação, optaram por ir para França, um país não muito distante de Portugal e que tinha algumas características semelhantes. Na manhã de abril, Pedro e Rita fizeram as malas com os bens mais necessários e deixaram um bilhete às famílias que dizia:

"Se continuássemos aqui, não íamos poder estar juntos. Decidimos sair do país para podermos ser felizes juntos. Não faz sentido que, por causa da rivalidade das nossas famílias, o nosso amor seja impossível."

Pedro e Rita

Quando chegaram a França, arranjaram uma casa e começaram a fazer planos. Alugaram um espaço no centro de Paris para abrirem uma loja onde o Pedro se dedicava à arte que tanto o apaixonava, os Tapetes de Arraiolos, e Rita desenhava e produzia fatos. Não demorou muito até que o público parisiense descobrisse uma loja tão singular e foi através do casal que aqueles produtos com a marca de Braga e de Portugal fizeram sucesso e se expandiram pela Europa. Também a reconciliação com as famílias não demorou muito. Tendo percebido que nada podiam já fazer e sabendo do sucesso que os seus filhos estavam a ter em França, as duas famílias enterraram o machado de guerra e resolveram ir visitá-los e esquecer toda a antiga rivalidade.

A Loja de Tapetes de Arraiolos

Yuri Quinhões
Alexandre Fernandes

Na Avenida da Liberdade, 401

Há uma loja a visitar

Com tapetes de Arraiolos,

Todos feitos à mão

História tem esse pequeno lugar!

Simão Botelho e Teresa de Albuquerque lá se viam,

Um romance não permitido pelas famílias eles viviam.

E, emaranhado nos fios, o seu amor enraizava.

Descoberto o romance, o pai autoritário,

Teresa para o convento enviou.

Mas seu amado, irado, com todos brigou

E, por ordem de seus pais,

Na casa do dono da loja de Tapetes de Arraiolos,

Ele se abrigou.

Lá conheceu Mariana

Que por Simão se apaixonou

Entretanto, por cartas, os amantes se correspondiam.

Para Teresa não ser forçada a se casar,

O primo dela, Simão baleou

Mas, da condenação à forca, escapou!

Porém, seria deportado às Índias,

E a bordo do navio ainda pôde ver

Pela última vez, Teresa, antes de ela de tuberculose falecer

Nove dias depois de embarcar,

Simão doente ficou de tanto pensar

Na sua amada e que não a veria mais

Entre os tapetes daquele mágico lugar!

Morreu e foi lançado ao mar.

Mariana, que não o quisera abandonar,

Atirou-se à água para em seu corpo se abraçar.


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