Fonte do Ídolo

"OLHAR BRAGA" - Património local e escrita criativa

Estes trabalhos, integrados nas Jornadas Europeias do Património 2018 - "Partilhar Memórias", em parceria com a Câmara Municipal de Braga, encontram-se editados em Brochuras.

Fonte do Ídolo

O AMOR PROIBIDO DE CONSTANÇA

Ana Cardoso
 Fátima Gonçalves 
 Joana Ramos 

Quero contar-vos a história da minha vida. Chamo-me Constança e, na altura dos factos, tinha cerca de 20 anos e vivia com os meus pais, os condes Afonso e Beatriz de Bertiandos, num palácio conhecido em Braga, o palácio era enorme, talvez o maior palácio de Braga, com grande número de divisões: átrio, escadaria azulejada, sala de entrada, salão nobre, capela, salão de música e de jogos, sala de jantar, claustro, cozinha, cavalariças, entre outras, sendo rematado por um grande jardim externo.

Numa tarde de Primavera, dia 21 de abril, estava a preparar-me para um jantar que iria ser muito importante para o meu futuro, mas mais para a frente saberão do que se tratará...

- Dilda! Podes chegar aqui por favor?

Dilda era a minha dama de companhia, ela ajudava-me em tudo, a vestir, a pentear, fazia até o papel de conselheira, era uma segunda mãe para mim.

-Sim, querida, de que precisas?

-Ajudas-me a escolher o vestido ideal para logo?

Enquanto escolhíamos o vestido, idealizávamos como seria o duque.

Duque?! Perguntam vocês; sim ia jantar com o escolhido pelos meus pais para se casar comigo e não conseguia parar de imaginar como ele seria.

-Como achas que ele será, Dilda? Imagino um rapaz, lindo, educado, gentil ... achas que ele terá olhos azuis? Castanhos? Será loiro, ou um moreno charmoso?

-E se ele for totalmente o contrário do que estás a imaginar? Feio, arrogante, sem classe e desinteressante...

Escolhida a roupa, segui para o Salão de Música e de Jogos para a minha aula de piano. Depois da aula fui ler um livro para o jardim. O jardim do palácio era o meu espaço favorito: flores variadas e coloridas em todas as épocas do ano, algumas árvores exóticas, e até uma casa na árvore que eu frequentava para dedicar à leitura. Todas as manhãs, passeava no jardim para respirar o ar puro cheio de aromas que a natureza envolvente me oferecia. Ali, sentia um grande conforto interior.

Nesse dia, a leitura foi interrompida por Zacarias que se dirigia às cavalariças com os nossos cavalos (o meu pai gostava muito de cavalos).

-Menina já viu as horas? Já deveria estar nos seus aposentos.

Percebi que já estava a anoitecer e apressei-me. Dilda já deveria estar à minha espera.

-Despacha-te, Constança, já estás atrasada!

Apressadamente coloquei o vestido e os sapatos enquanto Dilda me fazia um lindo penteado.

Ouvi a carruagem a chegar e desci, para receber o duque juntamente com os meus pais.

A minha mãe, a condessa Beatriz, era uma mulher linda, com um forte cabelo ruivo ondulado e olhos verdes; o meu pai, elegante também, tinha um olhar intenso, cor mel, e um cabelo liso escuro. Mal abriram o portão, senti um nervosinho, pois estava curiosíssima para ver como seria o duque.

Entrou, apresentou-se e fixou o seu olhar em mim. Fisicamente era alto, tinha os olhos verdes como esmeraldas e o cabelo era castanho claro; chamava-se Filipe e eu adorava aquele nome.

Já na sala de lazer, como um cavalheiro devia ser, gentilmente, ofereceu-me a cadeira para eu me sentar. Agradeci-lhe, com um leve gesto de cabeça.

Seguidamente, o duque sentou-se também com uma postura formal. Estivemos a falar, mas ... a sua conversa não me despertou interesse. Comecei a perceber que tínhamos personalidades distintas, ele só falava de si mesmo e adorava engrandecer os seus bens e o império do pai.

-Ao longo do tempo, o meu pai foi construindo uma vasta fortuna devido aos negócios que estabeleceu na Índia e nos novos mundos.

-Já vi que a minha filha e os meus futuros netos estão bem entregues ... - sussurrou o meu pai ao ouvido da minha mãe.

Depois de um curto diálogo, pedimos licença para nos levantarmos, eu e Filipe. Fomos passear para o jardim. Como acompanhava muitas vezes o seu pai de negócios, Filipe tinha aprendido a gostar de ritmos musicais diferentes, mais modernos. Sabendo que uma banda que apreciava ia tocar nessa noite, no café Vianna, convidou-me a acompanhá-lo. Os meus pais ficaram algo constrangidos, mas, depois do jantar, chamaram Zacarias para nos levar.

Era a primeira vez que entrava naquele café pois raramente saía de casa. Era amplo, repleto de espelhos de talha dourada nas paredes que os sofás vermelhos e os reposteiros punham em destaque; era um espaço agradável frequentado por muitos jovens. Também havia uma sala de jogos na parte de trás. Sentamo-nos, fomos bem recebidos e fizemos o pedido...

Para não variar, Filipe continuava a gabar-se ... então, farta da sua conversa, disse-lhe que ia apanhar ar. No momento em que abri a porta, um dos músicos esbarrou comigo e houve uma troca de olhares difícil de descrever e uma química inexplicável ...

Quando voltei para dentro, a sala estava na penumbra e os músicos tocavam algo romântico pelo que percebi. Já era tarde e decidimos voltar; Filipe deixou-me no palácio e despedimo-nos.

Mal me deitei, não parei de pensar no músico. Dilda apareceu para saber como tinha corrido a noite.

- Então, menina, como correu o encontro?

-Podia ter corrido melhor... Filipe não é, com toda a certeza, a pessoa com quem quero passar a minha vida!

-Mas ... essa cara ..., vejo que estás muito contente! Afinal, o que se passou?

-Ah... não te escapa nada, não é?

-Conta-me lá o motivo dessa felicidade.

Resumidamente, contei-lhe o que se passara:

-Senti algo inexplicável quando me esbarrei com um dos músicos: era lindo, de cor negra, um olhar simpático, possuía um sorriso franco, cativante que me deixou sem palavras!

-Ai, ai! Os teus pais não vão gostar da decisão, menina Constança ...Mas, agora dorme que amanhã vão ser um dia longo. Boa noite!

-Boa noite, Dilda.

No dia seguinte, levantei-me, vesti-me, prendi os meus longos cabelos louros e dirigi-me à sala para tomar o pequeno-almoço. Entretanto chegaram os meus pais e conversei com eles acerca da desilusão que o duque tinha sido para mim e que não sentira qualquer afinidade por ele. O meu pai não aceitou muito bem, porém a minha mãe compreendeu perfeitamente. Nesse dia à noite, não resisti à tentação e, sem os meus pais saberem, fui ao Café Vianna para o ver. No fim do concerto, trocamos olhares e ele decidiu sentar-se a meu lado para conversarmos.

- Olá, por aqui de novo? Desde já, peço desculpa do nosso pequeno "encontrão"...

Rimos, descontraidamente.

- Gostei bastante das vossas músicas e decidi voltar.

-Já agora, como se chama?

- Constança ... e o "senhor distraído"?

-Ah! Ah! - Gargalhou - Chamo-me Inácio. Não veio com o seu namorado?

- Qual namorado?!

- Aquele que estava consigo ontem à noite.

-Ah! Sei a quem se refere, mas ele não é meu namorado... para lhe contar a verdade, estávamos a ter um encontro, que foi decidido pelos meus pais.

- Mas, então não pretende ficar com ele?

Expliquei-lhe o porquê de não o querer para noivo. Falamos durante algum tempo e, como já estava a ficar tarde, decidi regressar e Inácio ofereceu-se para me acompanhar até casa.

Quando chegámos, despedimo-nos e entrei. Voltei-me para trás quando ouvi Inácio chamar-me.

-Amanhã, podemos encontrar-nos na Fonte do Ídolo?

-Claro que sim ... então, até amanhã!

-Boa noite!

Agradeci, sorri-lhe e voltei para o palácio. Subi as escadas e dirigi-me ao quarto para dormir; tinha sido uma noite cheia de emoções. Na manhã seguinte, fiz a minha rotina habitual, mas, de tarde, decidi praticar mais tempo de piano, sentia-me inspirada para a música! Passado algum tempo, jantei, e porque não podia estar sempre a sair (era uma jovem condessa e tinha que ter um comportamento como tal), pedi a Dilda ajuda para "fugir", sem que os meus pais notassem. Mais uma vez, fui ter com ele.

Inácio já se encontrava na Fonte do Ídolo. A lua iluminava o recinto; conversamos algum tempo e, inesperadamente, ele foi buscar a viola que estava por detrás da fonte e fez-me uma serenata. Foi um momento encantador: Inácio, a serenata, o silêncio daquele monumento milenar em pedra ... Mas eu tinha que regressar. Decidimos ir para o meu jardim, entramos pelas traseiras e ficamos lá mais um pouco, até que me apercebi que Zacarias estava a colocar os cavalos nas cavalariças e podia apanhar-nos ali. Então, Inácio disse que era melhor retirar-se e ... de repente, só me lembro de sentir aqueles lindos lábios. Beijamo-nos e, a partir daquele beijo, percebi que era ele que eu queria para o meu futuro. Fui-me deitar e não parei de pensar nos acontecimentos daquela noite; cada vez tinha mais vontade de estar com ele.

A partir desse dia, continuamos a encontrar-nos e, numa noite de verão, ele convidou-me para ir assistir a mais um concerto que ia fazer no Café Vianna. Dedicou-me uma música juntamente com asua banda e a mascote (a mascote era um boneco que o Café Vianna adotou e com a qual procurava homenagear a banda: era de cor negra e vestia igual aos membros da banda de Inácio). No final, a banda parou e Inácio pediu-me que chegasse mais perto e ajoelhou-se para pedir a minha mão. Confusa, saí a correr; Inácio veio atrás de mim, pegou-me no braço, abraçou-me e nesse momento, não contive as minhas lágrimas.

-Desculpa, os meus pais não vão aceitar esta relação. Não devíamos ter continuado com estes encontros ....

-Constança, eu amo-te! Independentemente de os teus pais não aceitarem a nossa relação, nós temos de tentar.

- Tens razão. Quando estiver preparada, falo com os meus pais, até lá mantemos a relação em segredo...

Inácio concordou e estivemos dois meses assim.

No dia 15 de setembro, no meu aniversário, Inácio fez-me uma visita, à noite, no jardim do palácio. Zacarias espiou-me e contou o que tinha visto aos meus pais, mas eu só o soube no dia a seguir. Na manhã seguinte, os meus pais disseram que queriam falar comigo. Ambos estavam com sérias e fortes expressões, o que me fez perceber logo do que se tratava. Nesse momento, parecia que o meu mundo tinha desabado. Tive uma forte discussão com eles, o meu pai estava totalmente em desacordo com a nossa relação.

- O que achas que vão pensar de nós ao ver a filha do conde de Bertiandos com alguém que nem pertence sequer à burguesia? Para além do mais, é negro! Onde já se viu tal disparate?

- Pai, o senhor está a ser injusto! Só quer saber do que pensam acerca de si e não quer saber da felicidade da sua única filha! Acha isso correto? Quer ver-me casada com alguém que me deixe infeliz? Parece que sim...

Saí dali a correr e fui chorar para o meu quarto. Ao jantar, já estávamos mais calmos e pedi-lhe uma oportunidade para conhecer Zacarias. Podia ser que mudasse a sua opinião acerca dele e que se apercebesse do quanto ele me fazia feliz. O meu pai nem me respondeu, estava muito zangado comigo.

Andei uma semana completamente desolada, sem chão, não falava com ninguém, nem mesmo com Dilda. Já não passeava de manhã no jardim para respirar o ar puro da natureza e quando olhava pela janela ainda me lembrava do local onde estivera com Inácio. Não parava de pensar nele, os nossos momentos não me saíam do pensamento, estava cheia de saudades, mas o que me entristecia mais era o facto de o meu pai não querer saber da minha felicidade e estar apenas preocupado com o que os outros iriam pensar. Evidentemente, o meu pai reparou que eu andava bastante triste e, um dia, apareceu no meu quarto para conversarmos.

- Bom dia, filha, podemos conversar?

- Se for por um bom motivo, sim... - disse eu, desinteressada.

- Reparei que tens andado muito em baixo e penso que possa ser pela ausência de Inácio... Estive a pensar bastante e vou dar-te a oportunidade de trazeres Inácio cá a casa para o conhecer.

- Muito obrigado, pai, vai adorá-lo. Tenho a certeza!

Parece que o meu sorriso contagiou até o ambiente ao meu redor, um sol nasceu no meu quarto, desci as escadas e pedi a Zacarias que me levasse à cidade para contactar com Inácio e convidei-o para jantar em casa com os meus pais. Ele ficou muito contente.

Nessa noite, fui eu própria abrir o portão a Inácio. Ele estava lindo, com um fato azul escuro, camisa e borboleta branca a sobressair. Abracei-o de imediato. Seguimos para a sala de jantar, apresentei-o aos meus pais e sentamo-nos todos. A conversa estava a fluir muito bem sobre viagens, política, música ... o meu pai estava a adorá-lo (tal como eu tinha previsto), até já estavam às gargalhadas! Os meus pais gostaram bastante dele e perceberam que era um bom partido para mim.

Passado cerca de um ano casámos e os meus pais não podiam estar mais felizes ao ver-me feliz também. Hoje temos dois filhos lindos, a Leonor e o Dinis, ambos bastante parecidos com os avós paternos e maternos e são uns meninos muito adoráveis. Se não tivéssemos ultrapassado os preconceitos e as dificuldades, não teríamos chegado à verdadeira felicidade.

Ah! Já me esquecia de vos dizer que, todos os anos, festejamos o aniversário do nosso abençoado "encontrão" no acolhedor Café Vianna, sob o olhar cúmplice da mascote ...



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